sexta-feira, 8 de julho de 2011

Capítulo 13: Corações em sintonia, pensamentos não

Malu ligou para Luciana naquela mesma noite, conversaram um pouco e a mulher sugeriu que saíssem por Curitiba. Lu não queria, ainda ouvia a voz de Renata, lembrava de todo o curto diálogo que tiveram pela manhã e tentava encontrar no tom de voz da amiga algum vestígio da paixão que ela, Luciana, sentia. Sentia-se cansada por pensar, por analisar Renata e a si mesma... tinha medo de que a conversa que teriam acabasse com a amizade que tinham. Medo, muito medo... medo de viver seja lá o que for. “Antes nada disso tivesse acontecido”. Luciana não sabia o que pensava, às vezes.
— Você não está com uma voz muito boa... – comentou Malu com sua voz doce, porém, firme, madura, de mulher decidida. Lu sentiu inveja daquela voz que a transmitia tanta segurança.
— Estou cansada, trabalhei bastante...
— Mas seu tom é de preocupação, não de cansaço...
“Onde ela aprendeu essas coisas?”
— Tá... também estou preocupada com coisas que aconteceram comigo ultimamente.
— Por que não saímos e você me conta?
Lu não estava disposta a ir novamente para a cama de Malu... não achava justo. Não servia para isso. Por melhor que tivesse sido, por mais vontade que aquela mulher lhe dava, não era certo, mesmo que fosse casual ou seja lá o nome que se dá a essas coisas descompromissadas e superficiais. Malu era uma pessoa muito legal... talvez também não fosse justo despejar em cima dela o fato de estar apaixonada por outra mulher.
— E então? – intimou a voz decidida do outro lado da linha.
— Tudo bem. Vamos sair. – respondeu, indecisa, Luciana.

Rê tinha apenas ficado vermelha por conta do pouco sol que pegou. Na verdade, achou a praia meio fraquinha. Engano. A praia era a mesma de sempre, ela é que estava “fraquinha”, diferente, impaciente, não enxergava as pessoas, não sentia o clima do ambiente, achava tudo meio apático, sem atrativos... Por que será?
No fim da tarde arrumou as malas e despediu-se rapidamente dos demais funcionários do hotel. Explicou, mais uma vez, que estava cansada... nada de mais. Sentou-se na poltrona do avião e colocou os fones de ouvido para que ninguém conversasse com ela. Renata, num momento inédito de sua breve existência, encontrava-se antissocial, só queria fechar os olhos e pensar no que diria a Luciana, a pessoa bendita/maldita que agora tirava seu sono. “Vai começar tudo de novo! Essa porra de paixão é mesmo uma merda!” Rê não sabia o que pensava, às vezes.
“Já sei o que direi a ela. Vou me desculpar, dizer que não era minha intenção embaraçá-la, mas é que havia bebido demais e bebida misturada com desejo dá merda! Putz... não posso dizer isso... seria grosseiro, mesmo que seja verdade. Acho melhor declarar meu amor, dizer o que realmente sinto, o que realmente quero... vou dizer que fui precipitada, não soube como agir, mas que eu quero exatamente o que aconteceu. Quero beijá-la, quero fazer amor com ela, mas não por uma noite... quero que isso se torne nossa rotina até onde aguentarmos.” Renata relaxou um pouco enquanto esquematizava discursos, o avião saiu do chão, ela pensava no que faria quando a encontrasse... visualizava seu sorriso, seu rosto vermelho de vergonha, sua feminilidade, sua boca, seu corpo... dormiu.

— Você está mesmo apaixonada por essa garota, não é?
— Acho que sim...
— Por que não diz isso a ela?
— Porque ela nunca se prende a ninguém, é atraída por tudo e todos a todo momento...
— Mas vocês se beijaram...
— É, mas não acho que ela queira mais de mim além de um beijo e uma noite de sexo.
Luciana e Malu conversavam num bar no centro da cidade. Sem perceber Lu havia contado tudo para aquela mulher e surpreendeu-se com isso. Jamais contaria nada sobre sua vida pessoal a uma quase estranha, mesmo que essa quase estranha tivesse dormido com ela. Sempre guardou seus problemas, sempre poupou os outros de sua vida íntima... seu ex-namorado, seus pais, seus amigos... mas no dia da festa Camila – sábia Camila – disse que não se pode resolver tudo sozinha. Agora percebia que não era mais a mesma e sentia-se mais leve por compartilhar. Malu a olhava séria com um cigarro entre os dedos e “analisava” o caso com calma.
— Você não parecia tão indecisa e frágil quando fomos para a minha casa ontem... – comentou Malu sorrindo e a olhando fixamente. Lu corou, obviamente, e baixou os olhos... pensava no que poderia responder sem ser ofensiva ou indelicada. A verdade era que não havia paixão, só atração física; elas, provavelmente, não se viriam mais, não firmaram nenhum laço... situação muito diferente.
— É que me senti segura com você. Já com Renata... qual segurança ela pode me dar se é tão infantil emocionalmente?
— Você precisa ouvir o que ela tem a dizer... pode ser que ela também esteja sentindo o mesmo por você. – Malu tragou forte o cigarro e soprou a fumaça tranquilamente antes de finalizar. — Acho que você deveria relaxar, deixar seus sentimentos virem... não se preocupe tanto, nada é tão importante.
— Como assim?
— Deixe os acontecimentos fluírem, não tente interferir neles com sua racionalidade.
Luciana ainda não sabia se tinha entendido o que ela quis dizer. Precisaria pensar a respeito.
Malu a deixou em frente ao hotel. Ficaram um momento em silêncio e Lu, para não ser mal educada, a convidou para subir.
— Não linda, não quero invadir seus pensamentos. – Malu a abraçou com carinho e a beijou delicadamente, um beijo doce... terno. — Você tem meu telefone, quando precisar me ligue... ficarei por aqui caso queira voltar. – e piscou com malícia. Lu a abraçou novamente e se despediram.
Algumas pessoas surgem em nossa vida para iluminá-la.

— Camila?
— Fez boa viagem?
Era a Cupido na frente do prédio de Renata, encostada no carro fazendo tranças no próprio cabelo. Rê assustou-se ao ver a amiga, mas, em seguida, sentiu que seu porto-seguro estava ali.
— Mais ou menos. Estou péssima amiga... doente de amor.
Camila se aproximou e a abraçou com carinho e as duas subiram para o apartamento sem dizer nada. Quando as luzes foram acesas e as malas jogadas no chão da sala, Renata desmoronou no sofá exausta e Camila foi até a cozinha buscar água. Voltou com dois copos e sentou-se ao lado da amiga.
— Você ainda tem certeza de que quer ficar com Luciana?
— Sim... é a única certeza que tenho.
— Então terá que dizer a verdade... dizer que está apaixonada e tudo o mais que os apaixonados sentem. Chega de ocultar coisas, tem que dizer Rê... vai ser melhor.
— Eu sei. Não vou dar voltas... – aprumou-se no sofá e olhou Camila de maneira triste: — Mas acho que ela não acreditará em mim. Ela vai achar que é mais uma... eu sempre me vangloriando de conquistas, sempre contando detalhadamente meus casos relâmpagos... é claro que ela não acreditará em mim.
— Precisa confiar na amizade que vocês têm... ela confia em você...
— Ela confia na amiga, não numa possível amante...
— Só conversando saberá...
Ficaram em silêncio durante um bom tempo... Rê deitada no colo da amiga que acariciava seu cabelo dourado. Depois tentaram mudar de assunto... sem sucesso. Renata disse que precisava tomar um banho e Camila se ligou que era hora de deixar a amiga sozinha. Despediram-se.

“Nossa! Irreconhecível! Aliás, não... ela já ficou assim quando a Júlia terminou com ela”. Camila entrou no carro pensativa. Doía ver Renata assim... sempre tão alegre, comunicativa, engraçada. “A paixão pode ser tão cruel assim?”. Era quase uma pergunta ingênua da Cupido, que juntava tantos casais, mas que ainda não havia experimentado essa tal paixão de que todos falam e sentem. Uma doença. “Não sei se quero ficar doente...”. Ela não sabia se queria ser ferida pela própria flecha.

Lu ligou a TV, depois ligou o rádio, depois foi para a janela apreciar a vista. Sentiu uma brisa e fechou os olhos. Ficou pensando em como alguns acontecimentos mexem conosco de maneira violenta... ela não conseguia mais pensar em nada, fazer nada, nem assistir a um inútil programa de TV para se distrair. Só pensava no que conversariam amanhã quando chegasse em São Paulo e a olhasse. Tinha medo de fraquejar. Já tinha uma decisão. Fechou a janela e respirou fundo... tomou um comprimido e foi se deitar. Queria apenas que o dia seguinte chegasse, faria sua última visita e entrevista e voltaria para seu lar, para seu ambiente, para o cheiro de Renata.

A CONVERSA

Luciana tinha acabado de tomar banho e sentia-se um pouco melhor. Andava no quarto de um lado para o outro, esfregando as mãos, ensaiando as palavras que sabia que sumiriam assim que visse Renata... deveria ter combinado de encontrá-la num lugar neutro, num lugar onde pudesse ver mais pessoas, num ambiente mais frio e não tão aconchegante quanto sua casa... Tão próximas ficariam de sua cama. Às vezes, pensava em simplesmente ignorar tudo e atirar-se sobre ela... mas, ainda não conseguia deixar de pensar nas consequências... no dia seguinte, no momento em que Renata a deixaria.
Desde quando Luciana era vidente?

A campainha. O susto.
Lu respirou fundo... tentou disfarçar suas mãos trêmulas. Foi até a porta e ficou um instante parada diante dela antes de abri-la.
Rê estava diante dela... olharam-se com intensidade. Muito havia mudado, melhor dizer que haviam se olhado como se fosse a primeira vez. Paixão a milésima vista... de inimigas a apaixonadas. O Destino é mesmo muito irônico. Mexeu seus pauzinhos, colocou a Cupido como encarregada da missão e ela até estava se saindo muito bem, não fosse uma pobre mortal atrapalhada chamada Renata atropelar tudo.
As duas embaraçadas... Luciana saiu da frente para que Renata entrasse sem dizer palavras. Além da dificuldade normal que sentia em formular frases diante de situações tensas, não sabia o que dizer, precisava que a mais extrovertida das duas iniciasse a conversa, formulasse a primeira frase. Quando abriu a porta e deu de cara com aqueles maravilhosos olhos cor-de-mel, sentiu seu coração disparar e seu rosto arder, sentia todo o nervosismo do momento, desejava que nada daquilo estivesse acontecendo e que pudesse abraçar Rê depois de três dias longe de sua alegria. Estava morrendo de saudade e angústia. Queria que tudo aquilo se resolvesse sozinho. Não queria que tudo o que havia construído durante todos esses anos desmoronasse.
Renata ficou diante da porta por um momento... respirou fundo, aprumou-se, passou as mãos pelo cabelo e tocou a campainha. Tentou manter-se calma, mas suas mãos já suavam frio e ela sentia um calor estranho... pela primeira vez sentia tudo isso e não sabia o que fazer. Estava com medo.
Quando viu a porta se abrir e Lu diante de si ficou paralisada, as palavras evaporaram, nem conseguiu perguntar como havia sido a viagem. Seus olhos se encontraram e ficaram fixados uma na outra por instantes mágicos. Ela teve que se controlar muito para não repetir o que fez no dia de seu aniversário – acabava de descobrir que o desejo foi muito maior do que sua embriaguez naquele dia fatídico. Lu saiu de seu caminho fazendo sinal para que entrasse e sentiu seu cheiro, o cheiro daquele apartamento... de cores neutras, frias, porém... aconchegante. Luciana conseguia ser, muitas vezes, contraditória.
— Como foi a viagem? – perguntou finalmente depois daquele silêncio tenso.
— Foi legal. – as frases curtas de Lu... Renata já as conhecia.
— É... eu não aproveitei muito a minha...
Lu pigarreou e apontou para o sofá:
— Sente-se.
Como é estranho quando nos encontramos numa situação embaraçosa com alguém que gostamos muito. Retornam as formalidades:
— Obrigada.
— Quer tomar algo.
“Chega de enrolação!” – pensou Renata já sufocando de angústia.
— Não, Lu... não quero tomar nada. Vim conversar com você sobre o que aconteceu... – parou por um instante para tomar fôlego, mas antes que continuasse, Luciana disse:
— Acho que deveríamos esquecer isso, Rê... – Luciana tinha medo de perder a amizade de Renata ou decepcionar-se de vez com ela, por isso resolveu falar logo. — Entendi que foi um impulso, que nada daquilo deveria ter acontecido... e não quero perder sua amizade...
De repente Renata ficou sem saber o que dizer. Ela já tinha um texto pronto, diria que estava apaixonada e “aí vem Luciana atropelando e finalizando a discussão assim... Não, isso não!”
— Não acho que deveríamos esquecer isso, Lu... aconteceu e temos que esclarecer umas coisas que eu vinha escondendo há tempos. – Rê sentou-se próxima a Luciana e a olhou com carinho. — Não foi exatamente um impulso que me fez vir aqui naquele dia... Foi um sentimento que estava me sufocando, por isso decidi vir... mas fiz tudo errado. – diga logo, Renata: — Lu, estou apaixonada por você! – finalmente, depois de tanto rodeio, disse... disse sorrindo com os olhos brilhando.
— Não sei se isso é uma boa ideia.
O brilho se apagou com o sorriso que o acompanhava. A emoção aflorava com força.
— Por quê? Como assim, Lu? Você não gosta de mim? – várias perguntas, nenhuma resposta porque Luciana não as tinha. Sua desconfiança, assim como Renata previa, vinha à tona... mas Rê ainda guardava esperanças de que as coisas pudessem ser diferentes.
— Gosto de você... mas não posso, não quero me envolver. – Lu só pensava em fugir daquela situação, só pensava em preservar o que já tinham. — Eu conheço você, Renata, não quero acabar com uma amizade por conta de um desejo...
— Não, não... para! Não estou falando de amizade, estou falando que estou apaixonada por você!
— Você sempre está apaixonada por alguém...
— É diferente...
— Não é...
— Como pode falar por mim?!!
— Eu te conheço.
Como dizer algo a alguém que não acredita no que dizemos. Impossível querer provar, fazer com que alguém acredite no que dizemos quando a pessoa já está decidida... por ela e pelo outro. Renata se sentia horrível, péssima, por constatar que Luciana não confiava nela. Estava em frangalhos, não conseguia mais discutir e se rendeu:
— Não quero te perder...
— Então vamos voltar a ser as amigas que sempre fomos... – propôs, ou melhor, impôs Luciana mantendo-se firme... aparentemente. Renata não teve escolha.
— Claro... mas um dia vai acreditar em mim e vou te esperar.
Rê se levantou e saiu deixando a porta do apartamento aberta. Esperou o elevador e, assim que a porta se fechou atrás dela, a “pegadora” chorou. Pela primeira vez não tinha o que queria... e queria tanto, com tanta força que doía absurdamente e ela estava com vontade de sumir.
Luciana finalmente pode tirar a máscara, pode chorar porque não havia mais ninguém ali. Conseguiu dizer o que tinha que dizer... ficou a amizade... talvez não, ainda não sabia. Naquele momento, só sabia que havia medo, medo de viver.

continua...

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