sexta-feira, 24 de junho de 2011

Capítulo 11: Momentos de reflexão

Renata se foi e Luciana ficou ali, diante da porta aberta, parada com a mão na boca... na boca que acabou de beijar a boca de Renata. Um turbilhão de emoções: um misto de indignação e surpresa, irritação e excitação. Fechou a porta com força e sentou-se ainda tonta no sofá: “Quem lhe deu o direito de chegar assim e ir me agarrando?! Que estúpida!!! Ela nunca me disse nada, nunca sequer insinuou que sentia algo por mim!!! Soube pela Camila e... que merda é essa?!”. Sentiu-se ferida, invadida. Com Luciana as situações deveriam ser cautelosamente planejadas. Durante toda a sua existência tudo aconteceu formalmente, até os acontecimentos inusitados pediam licença para acontecerem em sua regrada vida... Ela autorizava ou não. Portanto, abrir a porta de sua casa e receber um beijo inesperado de sua melhor amiga era algo inadmissível para ela, sempre tão reservada. Parecia que algo se quebrava... toda aquela mágica, aquele encantamento romântico, parecia que se dissipavam por conta da ousadia descabida de Renata, que a invadiu sem pedir licença, sem conversarem a respeito de sentimentos ou mesmo de uma simples atração física. Estava furiosa... feita de boba... um objeto.
“Mas você correspondeu!” – apontou sua franca consciência. “É... correspondi...” – respondeu a si mesma levantando-se e andando angustiada ao redor da sala. “Correspondi porque meu instinto falou mais alto... mas não justifica nada!!! O modo como ela fez as coisas... Tudo errado, tudo errado... só me faz concluir que não há nada nela além de mais um desejo a ser saciado!”. Foi para o banheiro lavar o rosto e olhou-se no espelho. Ficou longos minutos apenas analisando a Luciana que estava diante de si mesma. Seus olhos encheram-se de lágrimas: “Ela não podia fazer isso comigo!”

De repente Renata ficou sóbria.
Saiu transtornada do prédio em direção ao carro. Ficou ali debruçada sobre o volante por algum tempo. Pensava em voltar e pedir desculpas, dizer que realmente estava bêbada sim e não sabia o que estava fazendo. Mas, se dissesse isso, desdiria também tudo o que disse... que estava apaixonada e queria ficar com ela. Seu olhar frio após o beijo, após a violenta recepção foi a ducha gelada que precisava para recobrar a razão. “Luciana não é como as outras... ela não é uma transa, não é um desejo puro e simples...”. Bateu a cabeça no volante: “Burra! Como fui estúpida!”
Arrancou dali morrendo de culpa e angústia... se pudesse voltar no tempo jamais invadiria o apartamento dela daquela maneira. “Nunca mais bebo”. Chegou em sua casa e foi direto para o banheiro tomar o banho frio que Luciana, com olhos assustados, lhe indicou. Suspirou ao sentir a água fria cair-lhe sobre o corpo em brasa. Assim que o frio apoderou-se do quente, sentiu-se triste, desconfortável... “estraguei tudo...”. Até parecia que Rê não conhecia Luciana... tímida, reservada, romântica. Não teve o mínimo de tato, totalmente desnorteada pelo desejo e pelo impulso do porre, pela vontade de tê-la rapidamente. Avançou o sinal quando estava indo bem... Camila já estava preparando todo o terreno... era só semear. “Estúpida!”
“Mas ela correspondeu!” – indicou sua voz interior. “Sim, ela correspondeu... mas isso não me tranquiliza diante de seu olhar de reprovação após a interrupção do beijo”. Renata sabia que Lu sentia algo forte por ela... por isso mesmo teria que ir com calma... sabia da dificuldade da amiga de expressar sentimentos, ainda mais aceitar uma possível relação homossexual.
Saiu do banho e foi para o quarto. Lá, deitada em cima dos lençóis chorou por perceber que o amor exigia atitudes mais sutis e pacientes... Luciana não era como as outras.

Lu não conseguiu dormir e, obviamente, estava péssima. Após horas chorando, seus olhos estavam inchados e seu humor uma tristeza. Tomou um banho, terminou de arrumar a mala e dirigiu-se para o aeroporto. O avião sairia às 7. Sentou-se e fechou os olhos por alguns instantes a fim de recuperar a razão e espantar aquela tristeza que a invadia. Mas, de repente, lembrou-se de que, naquele mesmo aeroporto ela reviu Renata depois de seis anos... seus olhos nos dela... não mais uma ninfeta metida a conquistadora, mas uma mulher linda que a olhava fixamente através daqueles olhos cor-de-mel. Aparentemente era sim uma mulher de 28 anos, mas ontem agiu como agia no ano em que a conheceu. Renata não cresceu, continuava infantil emocionalmente e, assim, destruía seus planos de um amor... um amor real, não apenas alguns dias de tesão e muita transa. Difícil imaginar que Renata havia amado algum dia.

Renata estava com o celular nas mãos, já dentro de um táxi a caminho do aeroporto. Não sabia se era o mais certo ligar para Luciana e pedir que a desculpasse. Sabia que estava atrasada, o voo sairia às 8... poderia perder o avião, poderia perder o emprego e ir atrás de Lu, mas seria mais uma atitude impulsiva, emocional e não resolveria as coisas... talvez só piorasse tudo. Teria que ter calma, assumir as consequências, reconquistar a confiança da amiga que, naquele momento, voava para Curitiba. Ligou:
— Alô!
— Camila?
— Quem é?
— Renata.
— Não credito que está me ligando a esta hora, Renata!!! Eu estou dormindo!!!
— Preciso falar com você...
A amiga sonolenta e prestes a mandar Renata para o inferno sentiu a gravidade da situação pelo tom da voz da ex-aniversariante-feliz e sentou-se na cama para ouvi-la melhor:
— O que aconteceu?
— Fiz uma besteira...
— Renata, pelo amor de Deus, conte tudo de uma vez numa única frase!
— Ontem, bêbada, fui até o apartamento da Lu e a beijei... Não dei tempo para nada: não conversei, não pedi permissão, não deixei que ela falasse... simplesmente toquei a campainha e a ataquei como ataco todos os caras e garotas que tenho vontade de beijar.
— Putz! – Camila suspirou e ficou em silêncio por um momento. — E ela? – já sabia a resposta. O contrário de Renata, Camila conhecia muito bem Luciana.
— Me mandou embora depois de acabar comigo.
— Eu preciso dizer que você foi uma idiota?
— Não.
— Então pegue o avião, vá trabalhar e à noite conversamos.

Camila fechou o celular nas mãos e balançou a cabeça desolada: “Que idiota!”. Deitou-se novamente e continuou pensando: “Idiota as duas! Uma porque é uma estúpida e invade a casa e a intimidade da outra assim, sem mais nem menos; a outra porque é romântica demais e espera que a estúpida mande um comunicado, acompanhado de flores, solicitando um beijo na boca e de língua, em vez de aproveitar o que Renata, certamente, sabe fazer de melhor!”. Riu, concluiu que estava num caso complicado... caso não conseguisse ajudar as amigas teria que se dividir novamente entre uma e outra. Meditaria, entraria em contato com as energias para que pudesse conversar calmamente com ambas. “É só eu me distrair um pouco e tudo acontece...” – finalizou seus pensamentos a caminho do banheiro.

NO SUL
Sabe quando parece que o mundo da melancolia está em cima de nossas costas? Assim se sentia Luciana. Às vezes, é difícil sorrir quando não se tem a mínima vontade e os olhos estão horríveis, contradizendo o sorriso que pretende ser, ao menos, convincente. Ela foi em busca de uma matéria para o Jornal e teria que ser muito simpática, muito imparcial, muito racional, muito cuidadosa... muito profissional. Foi. Conseguiu parte do que queria, o restante teria que ficar para os próximos dois dias: “Não sei se será bom ou ruim ficar por aqui por mais dois dias...” – refletia enquanto saía do banho no roupão do hotel. Sentou-se na poltrona e automaticamente lembrou-se, mais uma vez, do beijo de Renata. Não podia negar que ela beijava maravilhosamente bem e, só lembrar a deixava excitada. Mas Lu era racional, não conseguiria simplesmente curtir a fugacidade daquele momento se desejava mais, se estava completamente apaixonada... simplesmente não conseguiria.
“Nunca pensei que um dia fosse me apaixonar por uma mulher... e menos ainda por uma mulher como Renata...”. Tão diferente as duas... era nisso que pensava Luciana enquanto olhava a cidade da janela do quarto de hotel frio, silencioso... triste. “Antes não tivesse acontecido nada...”. Renata... tão espontânea, sempre “dada”, constantemente a procura de alguém que a atraísse... seu esporte preferido, jogar um charme, sorrir, olhar, conversar, beijar e... sabe-se lá mais o quê. Lu não gostava nem de pensar. Olhou para a escrivaninha e lá estava o jornal do dia que nem abriu. Pegou-o para folhear e, talvez, esquecer pensamentos que vinham como aquelas músicas que impregnam a nossa mente. Abriu o caderno de cultura e leu o anúncio de uma festa LGBT que aconteceria numa casa noturna badalada no centro da cidade. Como num retrocesso ela se lembrou das atitudes que tomou quando resolveu terminar com seu namorado há anos. Aquelas atitudes intempestivas, aquele gostinho estranho mas excitante de aventura, de ousadia. Leu mais uma vez o anúncio e resolveu que talvez fosse perfeito vestir-se e ir até lá observar o movimento: “Não tenho nada a perder e... ninguém me conhece por aqui!”. Levantou-se e foi até a mala.

NO NORDESTE
Renata sorria e conversava com os amigos – também funcionários – no hotel baiano. Eles sentiram sua falta, fazia tempo que a paulista sedutora não aparecia por lá para “angariar” mais fãs. Mas estavam um tanto preocupados com ela... estranha, meio séria... ou triste. Ela sorria sim, seu sorriso é instintivo, sua identidade, mas estava diferente, talvez sem o brilho do olhar. Renata estava diferente. Eles comentaram isso, perguntaram se ela estava bem. “Não, meus queridos... estou péssima! Um trapo, cheia de dor... com vontade de morrer!” – pensava antes de dizer a frase ensaiada:
— Estou bem... só um pouco cansada!
Ah! Estava explicado então! A falta de brilho nos olhos da arrasadora era cansaço... resolvida a questão. Mandaram-na para o quarto mais cedo, amanhã ela cuidaria do restante e participaria da reunião com os diretores da rede de hotel.
Subiu um tanto feliz por não ter que ficar mais tempo fingindo estar “apenas” cansada. Estava exausta sim, mas era um cansaço interior, emocional. Doía pensar que Luciana estava magoada com ela. Talvez estivesse indo bem antes de estragar tudo... Luciana e Camila já haviam reparado que ela estava mais tranquila com relação aos seus casos relâmpagos. Verdade, Rê não sentia mais tanta vontade de se entregar a relacionamentos efêmeros, ainda tinha vontade de beijar algumas pessoas que via passar por ela com aquele “algo” que a atraía, mas quando estava com as meninas se controlava... não queria que Luciana a visse com ninguém. Estava se guardando para ela, assim como as mocinhas fazem nos filmes românticos... estava disposta a renunciar toda a sua vida “don-juanística” para ter Lu ao seu lado; vê-la dormir como aconteceu naquele dia em seu apartamento, vê-la sorrir timidamente diante de brincadeiras toscas, vê-la olhar nos seus olhos e enxergar aquele brilho inebriante. Tá, estava parecendo uma boba romântica... mas estava apaixonada e agora precisaria começar tudo novamente.
Tomou um banho demorado porque reproduziu aquele beijo maravilhoso... “se ela beija assim, imagina como faz amor!” – fantasiava Renata excitada. “Ela correspondeu, me beijou com desejo, me abraçou com força... não é possível que tudo esteja perdido!”. Enxugou-se, caiu sobre a cama e pegou o celular. Discou para Luciana, mas caiu na caixa postal.

No outro extremo do mapa, Luciana entrava na tal festa.

Sentiu-se perdida, deslocada e logo pensou em voltar para o hotel. “O que estou fazendo aqui?! Não conheço ninguém!”. Mas, talvez, justamente pelo fato de não conhecer ninguém Luciana estivesse lá, observando e sendo observada pelo público presente naquela casa noturna sofisticada de Curitiba. Ali não precisaria arrumar desajeitadamente nenhuma desculpa caso algum conhecido a flagrasse, não teria que ficar atenta como uma paranoica a fim de verificar a todo instante se era observada por alguma possível testemunha, como se estivesse cometendo um crime. Ela nunca havia ido a uma festa LGBT e, a princípio, sentiu-se um pouco incomodada com os olhares de diversas mulheres sobre si. Estava acostumada com o contrário... homens a olhando, homens a abordando... mas naquele lugar nenhum homem olhava para ela e até achou graça. Foi até o bar e pediu uma coca-cola – “melhor não beber nada alcoólico” – encostou-se no balcão e passou os olhos pela pista. Através do pisca-pisca das luzes podia ver homens se beijando e, mais ao fundo, mulheres grudadas num canto escuro... eram refletidas apenas por certas luzes que davam àquele lugar um ar de mistério e muita sensualidade.
— Sozinha?
— Como?
— Você. Está sozinha?
Era uma mulher alta, morena, visivelmente mais velha... lindíssima, sorridente, olhos grandes e escuros. Luciana demorou um pouco para responder.
— Sim... estou sozinha.
— Quer companhia? – ela seduzia com os olhos e confundiu Lu, que não sabia se aceitava aquela cantada implícita, escondida naquele olhar provocante ou saía correndo. “Saiu na chuva é para se molhar...”
— Quero. – sua timidez a impedia de formular respostas mais complexas.
— Que tal me acompanhar? – e mostrou seu copo com uísque. Em seguida pediu uma dose ao barman.

Lu a acompanhou. Não só no drinque como até uma mesa onde pudessem conversar melhor. Tomaram uma, duas, três doses e, em menos de uma hora, já se conheciam relativamente bem – teoricamente falando –, pois o álcool libera a mente para a descontração e joga fora a timidez. Luciana já não estava tensa, nem desconfiada, nem achando que cometia um crime. Até sorria diante daquela mulher experiente, charmosa, que conduzia a conversa de modo que Lu nem percebia que informava sua mais nova amiga sobre tudo o que ela queria saber. Mas, como a “iniciante” de 30 anos também não era boba, sugava respostas da mulher com determinação e sentia que também possuía o poder da sedução... e isso era uma novidade: ela sabia, e muito bem, seduzir uma mulher. Lu a encarava e percebia que, em vários momentos, a morena ficava nervosa.
O nome da linda e grande mulher era Maria Luíza, mas todos a chamavam de Malu. Tinha 35 anos e estava recém-solteira... havia terminado um relacionamento de três anos porque sua ex-companheira decidiu morar no exterior. Usava um vestido provocante, que ressaltava seus seios e seu quadril, tinha pernas compridas... era mesmo um mulherão e isso, ao mesmo tempo que intimidava Luciana a excitava: “como será ir para a cama com uma mulher desta? Tão experiente, elegante, sensual...”. Seus olhos eram grandes e expressivos, sua boca, moldada pelo batom, ressaltava lábios grossos e apetitosos... seu cabelo escorria em ondas pelos ombros evidenciando ainda mais sua feminilidade.
Lu sentia-se uma pirralha perto de Malu, afinal, há pouco descobriu a vida e há menos tempo ainda descobriu que trilha um caminho diferente e, talvez, mais difícil... que ainda está aprendendo e que tudo é uma grande descoberta.
— Vamos dançar? – Malu puxou Luciana pela mão e foram para um canto da pista.
Ao som da música e depois de mais algumas doses de uísque, Luciana se deixava contaminar pelo ambiente e pelo clima que se formava entre as duas. Malu exalava charme e seduzia com seu imenso olhar. Lu, aos poucos, soltou-se na pista e também sentia seduzir. Percebeu que além de Malu, atraía outras garotas que dançavam próximas a ela. Reparou numa ruiva, de tatuagem na nuca que não parava de olhar para ela... “ser Renata por um dia não é tão mal assim...” – pensou ao lembrar-se de que a amiga era uma “galinha” incondicional e olhava para vários possíveis casos durante uma única noite de balada.
Antes que mergulhasse, mais uma vez, seus pensamentos em Renata, Malu a enlaçou pela cintura e disse em seu ouvido:
— Não aguento mais ficar longe de você... por que não saímos daqui e vamos para um lugar mais tranquilo?
Lu arrepiou-se de excitação, suas pernas bambearam quando sentiu a mão daquela mulher envolta de sua cintura, mas mesmo assim esboçou uma certa resistência... logo quebrada por Malu que a encostou repentinamente em uma pilastra dentro da pista e a beijou com fúria e desejo. Luciana a abraçava enquanto Malu, com mãos habilidosas, explorava o corpo da amante por baixo da blusa. A música, o perfume daquela mulher, as luzes, o clima... tudo aquilo estava enlouquecendo Luciana que se deixava envolver pelas mãos de Malu que percorriam seu corpo sob a blusa até que deixou ser tocada nos seios e:
— Vamos, Malu... vamos sair daqui.
Ambas saíram do lugar quase correndo porque o desejo é aflito e tem pressa. Saíram de mãos dadas e foram até o carro de Malu sem dizer palavras. Assim que entraram a mulher puxou Luciana e deu-lhe um beijo violento pela vontade de tê-la urgentemente. Lu não se reconhecia por estar louca de tesão sem se importar com nada, nem com as pessoas que passavam na rua e as olhavam com curiosidade. Finalmente, Malu ligou o carro e foram para sua casa.
Incoerente dizer quem tinha mais poder sobre quem. No momento em que o feitiço do desejo baixa é impossível ter algo sob controle. Malu sentia-se absurdamente atraída por Luciana... ainda não sabia bem o que a atraía tanto na garota/mulher, além da beleza. Talvez a docilidade... tão delicada, tímida... Estava perdendo o controle e a casa não chegava nunca. Lu, por sua vez, sabia exatamente o que a tinha atraído em Malu: sua experiência, sua segurança, seu charme... tudo isso além de querer muito provar a fugacidade de um momento como esse... queria agir como Renata, queria saber se vale a pena.

Chegaram na casa e quase não tiveram tempo de entrar. Malu sorriu maliciosamente e puxou Luciana para si. Seu beijo era angustiado, abarrotado de provocação. Por outro lado, Lu aproveitava, degustava aquele beijo como se provasse – e provava – pela primeira vez o prazer de uma mulher e o prazer que sentia ao estar com uma mulher. Jamais imaginou que fosse tão intenso, isso porque nem amava Malu, apenas deixou-se levar pelo momento... um inesquecível momento.
As duas foram para o quarto e lá Malu a olhava com sede, seus olhos grandes faiscavam desejo e, mesmo sentindo a fúria da sua vontade, Luciana entregou-se porque, instintivamente, confiou em Malu... e a morena não a decepcionou. Por trás daquela intensidade havia o instinto do cuidado feminino... por isso Luciana não se preocupou. Malu retirou a roupa da amante quase que adorando aquele corpo alvo e belo. Beijou seu pescoço enquanto retirava seu sutiã, depois passeou sua mão pelo corpo de Lu com cautela para que pudesse visualizar tudo. Luciana tirou o vestido da mulher e se entregava por desejo e por não saber exatamente o que fazer... mas, nem teria como, pois ao sentir os dedos de Malu entre duas pernas perdeu o ar por um instante e sentiu sua respiração mais intensa... Malu sorria e beijava seu corpo até que alcançou as coxas daquela mulher que ainda parecia tão menina, tão assustada e inexperiente. Faria com cuidado, desabrocharia aquela flor com carinho... Luciana jamais esqueceria aquele dia.
Malu a penetrou com a língua e não precisou muito para que Lu chegasse no completo êxtase e ela bebesse o romper do primeiro grande e verdadeiro prazer.

continua...

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Capítulo 10: O aniversário de Renata

5h.
Madrugada quando Renata se mexeu e sentiu que estava em um lugar diferente. Não era sua cama... também não era a cama de Luciana, mas era o sofá dela e ela estava ao seu lado, ressonando lindamente... calma... seu braço estava enroscado no dela e Rê ficou assim, olhando-a dormir como um anjo. Pensou, naquele instante, que queria muito ficar com ela e decidiu que essa seria sua meta, sua maior e mais importante conquista: dormir e acordar ao lado dela, observá-la dormir quantas vezes quisesse, enroscar seu braço no dela todas as noites. O braço e o resto de seu corpo... Queria Luciana e queria ser dela. Nunca pensou em viver durante muito tempo com alguém.
Passou levemente a mão sobre os lábios macios de Lu e sorriu fascinada. Beijou-lhe o rosto com cuidado e desenroscou-se dela – apenas o braço –, levantou-se e desligou a TV. Procurou uma manta, jogou por cima de seu amor e saiu devagar. No elevador estalou-se toda, esticou-se... estava com as costas em frangalhos, mas nunca esteve tão feliz, tão completa por simplesmente ficar por algumas horas ao lado de Luciana... sem beijos ardentes, sem carícias ousadas, apenas a companhia, o clima, o sentimento de querer bem no ar. “Ela sente algo por mim...”. Concluiu Renata enquanto dirigia para casa ainda em uma espécie de transe... uma felicidade viajante. “Como diria a Cupido: nossas energias se encontraram.”. Maravilha!
— Ela gosta de mim!!! – disse em alto e bom som dentro do carro, ouvindo música, sorrindo... momento pleno de uma felicidade singela e verdadeira.
Rê subiu para seu apartamento. Queria ligar para Camila, mas lembrou-se de que era 6h e Camila a mataria... a amiga era um doce, mas quando acordada seria capaz de cometer um homicídio. “Melhor tomar um banho, um café e ir para o trabalho...”.
No trabalho soube que teria de viajar no dia seguinte: Salvador. O hotel a chamava... impossível recusar. Ficou um pouco mal-humorada, pois a festa seria hoje e teria que estar no aeroporto logo cedo, no dia seguinte. “Droga!”. Mas logo seu mau humor se foi porque recebeu os cumprimentos de todos os funcionários do hotel, sua segunda família. Compraram-lhe um bolo – de chocolate – e um iphone com a justificativa de que era mais sofisticado para armazenar todos os números de telefone e e-mails de seus pretendentes, e eles sabiam que Renata tinha muitos. Brincavam, falavam besteiras, comiam e bebiam quando seu velho celular tocou:
— Rê!
— Oi, Lu!!! – seu coração disparou e, imediatamente, afastou-se do grupo.
— Desculpa por ontem, ou melhor, por hoje cedo... nem vi quando você foi embora...
— Imagina, não quis te acordar...
— Parabéns, querida! Tinha planejado lhe entregar o presente hoje quando chegamos em casa, mas começamos a conversar e acabei me esquecendo...
“Meu melhor e maior presente é você, linda!” – pensou Renata enquanto ouvia a voz suave de Lu. Ela havia lhe chamado de “querida”.
— Meu presente será sua presença em minha festa logo mais...
Silêncio.
— Lu?!
— Oi. Rê, eu queria muito ir, mas houve um imprevisto aqui no jornal e terei que viajar amanhã cedo para Curitiba... – sua voz era de decepção e Renata ficou mais decepcionada ainda.
— Ahhh não, Lu! Você não pode deixar de ir... não pode fazer isso comigo! – o tom de súplica de Renata deixou Lu com o coração apertado. — E eu também terei que ir para Salvador amanhã cedo... estou na mesma situação que você!
Silêncio.
— Tá. Quero muito ir à sua festa... mas não poderei ficar até tarde.
— Bom... melhorou!
— Nos veremos lá então!
Luciana desligou o telefone um pouco chateada: “Por que viajar justo amanhã?!”. Às seis teria que estar no aeroporto, nem poderia cogitar a ideia de não ir. Mas logo ficou feliz ao reproduzir em seu pensamento a breve conversa que teve com a amiga. Renata tinha uma voz tão decidida e ao mesmo tempo tão meiga... não sabia definir, assim como ainda não sabia definir os sentimentos da “pegadora” com relação a ela. “Ela gosta de mim...”, disso tinha certeza. Sentia isso quando a olhava nos olhos, quando sorria... percebeu isso quando acordou hoje às sete da manhã e estava coberta por uma manta... “que linda, se preocupando comigo!”. Sabia que estava apaixonada, já tinha plena consciência de seu estado “doentio”, mas tinha medo. Uma mulher tão instável emocionalmente, tão experiente na “arte” da conquista, sempre rodeada por tantos apaixonados como ela. Ela, Luciana, não queria ser mais uma tonta seduzida na vida de Renata... um número, mais um item para seu extenso currículo. Não a beijaria simplesmente para saciar uma atração física porque não era apenas isso o que sentia... rolava um sentimento, algo mais fundo, mais complexo e não queria simplificar tudo num beijo ardente que no dia seguinte Renata, provavelmente, esqueceria. Às vezes ouvia uma música do Lulu Santos que a fazia se lembrar daquela mulher de olhos intensos cor-de-mel: “Eu gosto tanto de você, que até prefiro esconder, deixo assim ficar subentendido... como uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de acontecer...”
Iria. Iria à festa. Entregaria seu presente com amor... observaria sua desenvoltura e espontaneidade diante das pessoas que estariam lá. Encontraria Camila, conversariam besteiras e depois voltaria para casa com um gostinho de quero mais.
Renata estava se arrumando quando Camila chegou. Cupido estava linda num vestido preto, usava cordões enorme feitos de madeira e prendia o longo cabelo com um lenço. Aquele era seu estilo: zen. Rê ainda estava indecisa, não sabia se colocava um vestido vermelho, fatalmente provocante, ou uma calça que a deixaria irresistível, combinando com uma blusinha que também a deixaria irresistível – presente adivinhem de quem!
— Vá com o presente que te dei porque quando vi essa blusinha na vitrine pensei: “Esse presente trará bons fluidos para minha amiga...”!
Renata começou a rir: Camila era hilária com essas manias.
— Espero que essa blusinha me traga sorte... e que seja arrancada por alguém... – gargalhavam enquanto a aniversariante secava o cabelo.
— E quem seria esse alguém? – perguntou Cá, maliciosamente, enrolando uma parte de seu cabelo nos dedos. A amiga a olhou pelo espelho e seus olhos cor-de-mel responderam a pergunta.
— Você sabe!
Camila ligou para Luciana a fim de saber se ela não queria que as duas passassem pelo seu apartamento para irem juntas. Mas Lu ia com seu próprio carro, já que pretendia voltar cedo.
— Nossa! Não acredito! Hoje poderia ser o grande dia para vocês duas e as duas terão que viajar amanhã... Que merda!!! – resmungava Camila no carro com Renata.
— Eu não sei o que te deu pra pensar que hoje, justamente hoje, rolaria algo de mais entre mim e a Lu. – questionava Renata enquanto dirigia.
— Eu sinto.
— São as energias?
— Isso.
As mesas já estavam reservadas e o lugar cheio. Amigos da faculdade, das praias, de outras baladas, do hotel... muitos eram os convidados e Renata se sentia bem rodeada de pessoas queridas. O som estava ótimo e todos se divertiam. Vez ou outra ela procurava por Luciana, mas a amiga não chegava e isso a preocupava... não podia aceitar o fato de ela não estar lá, Lu tinha que participar de todos os seus momentos especiais.
Camila sumia, aparecia e sumia novamente. Logo estava alta, rindo à toa e analisando os astros.
Uma hora depois sua paixão platônica surgiu. Como conhecia algumas das pessoas que estavam ali, não foi possível seguir uma linha reta até Renata que a observava de longe. Parava para cumprimentar um, outro, mais um adiante... oferecendo tempo para que Renata se recuperasse do choque ao vê-la entrar deslumbrante num vestido curto, de alcinhas, descontraída, informal, totalmente sedutora, sensual... e percebia que as pessoas estavam atraídas por aquela visão. Entornou uma dose de uísque, tirou um cigarro do maço e continuou a observá-la quando foi interrompida por Camila.
— Está dando bandeira, garota! Fecha a boca se não a baba vai cair! – divertia-se Camila tirando o cigarro de entre os dedos da amiga e dando uma forte tragada. — Ela está linda, não é? Juro que se eu gostasse eu pegava...
— Não seja vulgar!
— Olá meninas! – finalmente a deslumbrante Lu conseguiu se aproximar sorridente. Seus olhos brilhavam, estava especialmente feliz naquele dia tão especial para Renata.
Camila a abraçou com força e a apertou dizendo que ela estava deliciosa – mais uma das “brincadeirinhas” das três. Instantaneamente Luciana corou e sem graça sorriu para Renata que a olhava ainda anestesiada.
— Aqui está o seu presente. – Rê recebeu um pequeno embrulho das mãos de Lu que a abraçou com força e carinho. Seus olhos cor-de-mel se fecharam para aproveitar ao máximo aquele momento mágico. Lu lhe desejava felicidades e todos aqueles votos que as pessoas dizem ao cumprimentar um aniversariante, mas, para Rê, aquelas palavras, sussurradas em seu ouvido lhe pareciam mais sinceras do que muitas que ouviu durante toda a sua vida.
Ao abrir os olhos depois do doce momento, Camila estava diante dela sorrindo. Não era um sorriso malicioso, era de contentamento, fraterno. As duas se olharam por um momento intenso... Cá piscou e saiu, foi beber mais.
— Obrigada, Lu! Sua presença é muito importante pra mim. – aqueles olhos a invadiram com intensidade, tanta intensidade que Luciana desviou-se deles desconcertada.
— Não vai abrir o presente?!
Era um relógio. Lindo! Original como a aniversariante. Renata o colocou no pulso e aproveitou para abraçar a amiga mais uma vez. Sussurrou um obrigado em seu ouvido e um sonoro “Te adoro!”.
Talvez Renata não tenha percebido o leve tremor que acometeu Luciana ao ser abraçada com tanta força. Ainda estava tonta por vê-la tão linda naquele jeans e naquela blusinha que, certamente, era presente de Camila. Quando seus olhos se encontraram teve vontade de jogar tudo para o alto e beijá-la na frente de todos. Mas o que viria depois sempre a incomodava, ainda não conseguia se dedicar totalmente ao presente sem calcular o futuro, as consequências de suas ações. Sentiu o corpo quente de Renata contra o seu e sentiu-se se entregar a ele, estava excitada, nem soube como conseguiu falar tanto... dizer “parabéns”, “muitas felicidades” e “que sua vida seja repleta de conquistas”, votos nem um pouco originais, mas eram tão verdadeiros e ditos num momento em que todos os seus sentidos agiam aguçadamente. Quando Rê a olhou com olhos desejosos, sentiu o chão desaparecer, as pernas bambearem e a boca secar. Uma loucura!
Logo outros amigos da aniversariante se aproximaram e Lu achou melhor dar uma circulada para rever mais pessoas e encontrar Camila. Dependendo de como a amiga zen estivesse teria que tirar o copo de sua mão ou logo entraria em alfa. Mas Camila nem estava com um copo, estava escorada no bar conversando com dois rapazes que a paqueravam. Quando viu Lu de longe, dispensou os garotinhos e foi ao seu encontro.
— Dois de uma vez, amiga?
— Dois que não valem por um! – riram e seguiram para o outro lado do bar.
Conversaram sobre a festa... nada muito sério... até que Camila tomou coragem e:
— Lu, posso te fazer uma pergunta?
Luciana sorriu e balançou a cabeça afirmativamente tomando um gole da batida.
— O que você sente pela Renata?
Quase se engasgou com a bebida. Luciana não esperava por aquela pergunta tão assim... direta. Fez-se de desentendida, precisava de tempo:
— Ora! O que eu poderia sentir pela Rê? Ela é minha amiga querida, por quem tenho um carinho enorme e...
— Nãããooo!!! Não é disso que estou falando. Estou falando de um sentimento diferente, além... mais forte.
A garota tímida se transformou num pimentão. Camila a observava com doçura... uma doçura quase maternal. Sorriu, puxou a amiga pela mão e sentaram-se em uma das mesas.
— Lu, não se preocupa... sou sua amiga. Precisa parar de impor essa barreira que impede amigos como eu de saber o que vai dentro de você. Todos nós precisamos de um confidente, de alguém que nos ouça porque não dá pra resolver tudo sozinha... não dá mesmo. – Lu a olhava, mas, às vezes, sua timidez a fazia baixar os olhos. — Eu já te conheço um pouquinho pra saber que sente algo legal pela Rê... posso parecer meio aérea demais, mas observo as pessoas e já senti um clima entre vocês...
— Entre vocês não. Só de minha parte. – confessou finalmente Luciana num impulso que se tornava cada vez mais frequente. Ela olhou para Camila e continuou: — Sinto sim algo especial por Renata. Não sei como isso foi acontecer porque me lembro que a odiava há algum tempo, mas esse mesmo tempo fez com que eu a conhecesse e descobrisse que ela é demais, uma pessoa linda... mas...
— Mas?
— Mas nunca deixou de ser a “pegadora”. Somos tão diferentes nesse aspecto, Cá... sou tão calma, tranquila e ela tão intensa, sempre caçando, sempre com todos os sentidos em alerta. Nunca teremos nada além da amizade que temos hoje.
— Por que, Luciana???
— Porque não quero ser apenas mais uma na lista de conquistas dela... não é uma necessidade matar minha curiosidade ou passar apenas uma noite de sexo com ela. Não gosto disso.
Camila pensou por um momento.
— Eu entendo sua insegurança. – mais um momento de silêncio para que a Cupido pensasse e tramasse: — Mas, e se eu dissesse que ela também sente algo especial por você?!
Lu sorriu sarcasticamente.
— Não acreditaria. – tomou o resto da bebida. — Eu até acredito que ela possa se sentir atraída por mim, mas não acredito em nada além disso.
— Então, vou te dizer uma coisa: Renata está apaixonada por você e, se prestar atenção, verá que não estou mentindo.
Cá se levantou e foi em direção ao bar. Luciana ficou ali sentada, com o copo vazio entre as mãos, pensando.
A festa bombava e Rê dispensava atenção a todos os amigos presentes. Gostaria muito de ter um momento a sós com Luciana. Pensava seriamente em lhe dizer o que sentia naquela noite. Camila enchia tanto sua cabeça com suas histórias que ela acabava acreditando e sentia que aquele poderia ser o dia ideal para se declarar. Mas a todo instante alguém se aproximava e seu plano era adiado, até que sua paixão se aproximou:
— Rê, já são duas horas... preciso ir...
— Não acredito! – disse frustrada.
— Eu não queria ir, mas... você sabe...
— Claro! Eu sei... – abraçou mais uma vez a amiga. As duas estremeceram... as duas disfarçaram.

Foi como se o encanto da festa tivesse acabado. Rê já não achava a noite tão legal e começou a ficar entediada. O brilho de tudo aquilo era Luciana... Lu iluminava tudo. Resolveu incrementar o restante da balada bebendo. Bebeu, bebeu e foi em busca de Camila chorar suas mágoas. Estava extremamente triste, como todos os bêbados ficam em algum momento de sua bebedeira.
Camila estava agarrando um grandão desconhecido. O beijo era tão sensual, demorado e bonito que Renata esperou que terminassem. Assistiu a tudo com uma certa inveja. Depois que terminou a puxou.
— Camila, ela já foi!
— Eu sei... Da pra falarmos nisso depois?!
— Cá, estou doente de amor... não aguento mais, vou explodir e sairão vários coraçõezinhos de dentro de mim!!!
Camila olhou para o grandão e pediu que ele a esperasse.
— Me escuta que vou falar só uma vez: você precisa tomar a iniciativa, Renata. É sério. Hoje, aqui, ela me disse que sente algo especial por você. Mas é o seguinte: se você não estiver a fim de assumir nada, não vá atrás dela, não tome porra de iniciativa nenhuma. Se você estiver a fim apenas de trepar com ela, esqueça... a Lu também é minha amiga e ela não merece que você brinque com seus sentimentos. Agora, faça o que você achar melhor... não quero ouvir mais nada sobre isso por hoje. Tchau, vou beijar!
E foi.
Renata ficou ali, estática... pensando. Mas bêbados não pensam, agem impulsivamente. Impulsivamente demais.
Foi até a chapelaria, pegou sua bolsa e saiu. No estacionamento respirou fundo e chegou à conclusão de que estava bem para dirigir e, se não estivesse, teria que estar porque agora era tudo ou nada e ela não poderia deixar esse ataque de impulsividade passar.
Chegou em frente ao prédio de Luciana em dez minutos. Mascou rapidamente um chiclete, cuspiu-o ao entrar no elevador. Estava tremendo, ansiosa demais, absurdamente excitada. Não havia racionalidade ali... nenhuma. Apenas desejo, instinto, emoção. Respirou fundo algumas vezes para não ter um ataque cardíaco ou perder a voz diante de seu amor.
Tocou a campainha.
Alguns segundos... eternos segundos.
A porta se abriu. Luciana.
— Rê?! O que você está fazendo aqui?
Renata a olhou nos olhos. Luciana tinha que enxergar o ardor de seu olhar cor-de-mel.
— Vim buscar meu presente.
Lu, já vestida para dormir, sorriu sem entender:
— Mas, eu te entreguei... você o está usando... – e apontou para o braço da amiga. Renata, além de bêbada, estava tomada pela impulsividade e não enxergava mais nada, só a boca de Lu diante de si. Avançou lentamente, uma de suas mãos segurou seu pescoço, a outra a puxou cuidadosamente pela cintura e em segundos não via mais os lábios desejosos de Lu porque os seus os tocavam com volúpia, muita vontade... um desejo absurdo. Sentiu as mãos de Luciana em suas costas, ela a apertava com força e arrepiou-se quando sentiu a coxa nua da amiga encostar em sua calça. Suas bocas se encaixavam, se devoravam e Renata nunca havia imaginado uma boca tão perfeita, tão macia e um beijo tão amoroso e intenso. Tentou empurrar sutilmente Luciana para dentro do apartamento, para dentro do seu quarto e em cima de sua cama, mas, repentinamente, Lu se desvencilhou dela, virou as costas e passou as mãos pelo cabelo:
— Renata, o que é isso?!
— Lu, estou apaixonada por você... há tempos... eu não sabia como dizer...
— E aí você entra assim, já vem me beijando... Você está bêbada!!!
— Não, Lu... não o suficiente para não saber o que estou fazendo. Eu quero você.
— Você me quer como quer todas as pessoas que te atraem de alguma maneira. Sou mais uma para entrar na sua imensa lista... – Lu estava furiosa. — Como você chega assim... faz isso como se eu não tivesse vontade! Você nem teve a sensibilidade de me contar, foi entrando como um furacão...
— Você quis!!! Você correspondeu ao beijo!!!
— Não é tão simples assim, Renata.
— Eu não quero simplesmente te beijar, Lu... quero ficar com você.
— Você não sabe o que está dizendo...
— Sei muito bem o que estou dizendo.
— Acho melhor você ir... precisa tomar um banho frio.
— Lu...
— Por favor, Renata! – finalizou a discussão indicando a porta para Renata que saiu sem olhar para trás.

continua...

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Capítulo 9: A véspera do aniversário de Renata

— Acho que ela gosta de você...
— Ué, claro que gosta! Somos amigas... Você gosta de mim, não gosta?!
— Não, sua tonta... estou falando de um gostar diferente...
— Ah é?!!! Ela disse alguma coisa???
— Não, mas pude ver em seu olhar, no modo como se comportava quando eu falava de você .
— Lá vem você com o papo-furado de “energias se encontrando”...
— Não zombe da transcendência das coisas.
— Desculpa.
— É sério. Conheço Luciana... ela não demonstrará que está morrendo de paixão por você porque ela foi criada para ser contida, controlar emoções e essas coisas que pessoas chiques fazem. Mas ela sente algo especial por você sim!
— Camila, para! Assim você me enche de esperanças e será pior...
— Desde quando você tem medo?
— Desde que descobri que estou apaixonada por uma amiga...
— Poderia ser eu... seria mais fácil...
— Ah, com certeza! É uma pena mesmo não podermos escolher por quem nos apaixonar. – um momento de silêncio. — Mas você não está apaixonada por mim... está?
— Não.
— Ah bom...
— Só que tem uma coisa, Renata: se quiser conquistar a Lu, terá que sossegar esse fogo!!!
— Como assim?
— Parar. Parar de sair beijando todo mundo que você acha que tem um charme especial. Todo mundo tem um charme especial pra você! Incrível!!! Luciana não gosta disso. Se quiser ter alguma chance terá que conquistar a confiança dela.
— Sim senhora.
As duas estavam deitadas no tapete da sala de Renata. Rê pensava que bem poderia se apaixonar por Camila... seria tão mais fácil, não teria dificuldade nenhuma em dizer isso à amiga e Cá era tão linda... tão sensual nos seus vestidos, nas suas minissaias, blusinhas que deixavam a mostra o contorno de seus seios bem-feitos. Ela transmitia tanta paz, tranquilidade e segurança... seria perfeita. Mas eram tão amigas que mesmo se um dia viessem a fazer amor seria como se não tivesse acontecido. Elas já eram tão íntimas que o contato carnal parecia ínfimo. Camila era demais, o amor fraterno de sua vida.
Camila, do seu lado, pensava o mesmo: como seria uma noite de amor com sua melhor amiga?! Simplesmente não conseguia imaginar. Ela não era preconceituosa e até beijaria uma mulher se sentisse vontade, mas nunca sentiu... muito menos beijar sua amiga gostosíssima, de olhos provocantes cor-de-mel. Já pegou em suas coxas e em seus seios durante as brincadeiras que faziam e deixavam Luciana morrendo de vergonha, mas nunca sentiu tesão... nunca se sentiu atraída por nenhuma das duas. O que rola é uma amizade absurda, coisa de irmã mesmo, de querer o bem, de querer que Renata e Luciana fiquem juntas de uma vez por todas.
— Já pensou em abordar a Lu?! – virou-se para a amiga e ficaram cara a cara. — Mas de uma forma sutil. Ou então, simplesmente, contar o que sente... Luciana te adora, jamais a trataria mal...
— Quando o assunto é Luciana fico completamente insegura...
— Confia em mim. Ela não é mais aquela garota careta de anos atrás. – Camila sentou-se e encarou Renata séria: — Você poderia tentar algo na festa do seu aniversário.
— Como? – perguntava Renata numa súplica.
— Ah, minha querida! Faça sua lição de casa!!!
Renata passou as mãos pelo cabelo em sinal de desespero e sentou-se para encarar melhor a amiga:
— Eu faço lição de casa todos os dias, meu amor! Minha lição é todos os dias antes de dormir pensando nela!!! – as duas começaram a gargalhar e deitaram-se novamente no tapete sem fôlego!
Um dia antes do aniversário de Renata, as três foram numa balada muito ruim. Nem sempre acertamos os programas de fim de semana. Rê estava com o carro e deixou Camila em casa antes da uma da manhã, depois seguiu para o apartamento de Luciana. As duas conversavam sobre o desastre da noite: lugar cheio demais, cheio de pirralhos, lugar quente demais, caro demais, chato demais. Ambas prestavam muita atenção no que a outra dizia... bebiam suas palavras. Quando o silêncio se instaurava, disfarçavam ouvindo a música que tocava no rádio... todas baladinhas para casais.
Ao chegarem à casa de Lu, Renata parou o carro e a olhou sorrindo: “Que linda! Que vontade de beijá-la!”. Lu correspondeu ao seu sorriso: “Meu Deus! Esses olhos me enlouquecem!!!”.
— Quer subir? Está cedo ainda...
“Não acredito! Mas será que vou conseguir me controlar?!” – pensou Renata diante da proposta.
— Bom, tudo bem... acho que podemos bater-papo até mais tarde então... – “eu queria fazer muito mais...”.
Estacionou o carro e subiram conversando trivialidades. Entraram no apartamento e enquanto Luciana ia até a geladeira, Renata respirava fundo e tentava relaxar: “Como ela ainda não percebeu que estou completamente apaixonada por ela?”. Observava a amiga caminhar em direção à cozinha: blusinha branca frente única e saia preta acima dos joelhos, cabelo solto... linda... linda! Rê sentou-se e tentou desviar sua atenção. Poderiam falar de jazz, ela havia estudado muito sobre jazz ultimamente e até comprou alguns CDs. A paixão é capaz de tudo!
Lu foi até a geladeira e ficou alguns instantes apoiada na porta: “Será que fiz bem em convidá-la? Acho que estou pirando!!!”. Pegou a jarra com suco, derramou-o sobre os copos e, depois de respirar fundo, voltou fingindo naturalidade para a sala. Como Renata já era íntima na casa, havia ligado a TV e se acomodado no sofá. Lu ficou na dúvida se sentava ao seu lado ou na poltrona... Resolveu sentar-se junto de Renata.
— Está um calor aqui... – abanou-se Renata levantando-se repentinamente indo até o outro lado da sala abrir a janela. “Deus me dê forças para não perder a cabeça!”. Voltou para o mesmo lugar.
Na TV passava um filme desinteressante, então ficaram “zapeando” enquanto conversavam. Deixaram na MTV. Passava um clipe da Norah Jones.
— Sabia que comprei um CD dela? Ela canta jazz, não é? – perguntou Renata esparramando-se no sofá e encostando-se, sutilmente, em Lu... que também se esparramava... sutilmente.
— Sim, ela é ótima, mas prefiro os tradicionais... John Coltrane, Miles Davis, Billie Holiday...
— Você tem um gosto musical muito refinado... – comentou Renata tomando um pouco do suco.
— Não começa com essa historinha de que sou fresca... – rebateu Lu em tom de brincadeira.
— Nãããooo!!! Não foi uma crítica! É que me interessei em escutar jazz porque você vive dizendo que é muito legal... e realmente é maravilhoso, mas é preciso ter sensibilidade, sentir mesmo a música para que o estilo realmente nos toque.
— E você gostou?
— Amei.
— Então é sensível...
Lu, às vezes, surpreendia Renata. Às vezes insinuava, dizia coisas importantíssimas nas entrelinhas. Ao terminar a última frase olhou Rê nos olhos com firmeza, nem parecia a amiga mais tímida das três. Às vezes Luciana a intimidava e isso a deixava sem fala... e a excitava demais.
— Sim. Por incrível que possa parecer sou sensível sim...
— Posso te fazer uma pergunta? – “Não sei onde estou me metendo, mas... a impulsividade toma conta de mim e preciso aproveitar antes que passe”.
— Claro!
— O que te leva a ficar com tantas pessoas e não se envolver com nenhuma delas?
“Nossa?! Essa pergunta precisa ser respondida com muita cautela...”.
Renata ficou em silêncio por algum tempo enquanto assistia a um clipe qualquer, na verdade apenas olhava para a TV para não ter que encarar Luciana enquanto pensava. Pensava em uma resposta sensata e verdadeira... talvez mais verdadeira do que sensata... Estava com vontade de ser totalmente sincera com Luciana, a garota pela qual estava apaixonada e que assistia ao clipe ao seu lado – quase com a cabeça em seu ombro – e esperava por uma resposta.
— Fico com as pessoas que me atraem de alguma forma: um jeito de olhar, um bom papo, um charme... sei lá. Mas é sempre uma atração momentânea, eu me divirto, a pessoa se diverte e ficamos bem. – uma pausa... um gole... um silêncio... Luciana queria mais. — Tá! Eu me sinto vazia, às vezes, quando fico com uma pessoa e percebo que não a quero mais em pouco tempo... me sinto só, sinto falta de ter alguém sempre comigo. – um ar melancolicamente sincero ao final de sua sincera confissão: — Não tive a oportunidade de amar muitas vezes...
Lu tomou o restante da bebida como se tomasse o restante de sua coragem:
— Você amou Júlia?
“Bom, já que fui sincera até aqui...”
— Sim. Muito. Ela foi meu primeiro amor real e agradeço a ela por isso.
— E você ainda a ama?
— Não. – respondeu com firmeza olhando nos olhos da amiga. — Passou. Foi muito dolorido e cheguei a me revoltar contra o amor, que nos dá tanta felicidade, mas também nos machuca tanto... Fiquei mal, péssima mesmo... mas o tempo é ótimo, estanca a dor, transforma a ferida em cicatriz e aí fiquei bem novamente. – sorriu de maneira meiga ao concluir: — Agora sinto falta de um novo amor.
Luciana permaneceu em silêncio pensando no que Renata havia acabado de lhe confessar. Já haviam conversado bastante sobre vários assuntos, mas nunca sobre o amor e nunca sobre relacionamentos... assuntos tão íntimos. Acabava de conhecer mais um pouco da amiga que sempre lhe pareceu imune a sentimentos tão profundos. Agora descobria que Renata, mesmo em seus relacionamentos relâmpagos, havia sentido muito mais intensamente do que ela, que sempre acreditou no compromisso e na fidelidade.
As duas já estavam em silêncio por algum tempo, olhavam para a TV mas não a enxergavam, quando Renata perguntou:
— E você? Amou seu ex-Namorado?
Lu pensou, movimentou-se no sofá, trocou de posição para ganhar tempo... para encontrar palavras tão sinceras quanto as de Renata.
— Nunca o amei. Se amor é aquele sentimento maior, forte, que faz com que queiramos a pessoa sempre por perto, a fim de dividir tudo e ainda contém sexo, tesão e uma intensa paixão... não, não o amei. Eu gostava muito dele e, com o passar do tempo, me acostumei com a situação. – olhou fixamente para os olhos cor-de-mel de Renata antes de continuar. — Lembra quando você disse que eu vivia de aparências? Pois é... eu vivia. Meus pais o escolheram pra mim e os pais dele me escolheram pra ele. Seríamos o casal perfeito pra dar continuidade aos negócios da família... Como éramos muito novos, acabamos aceitando e ficamos assim durante muito tempo. Ele se sentia envaidecido por me ter como namorada porque os amigos dele me cobiçavam... eu também tinha orgulho de ter um cara bonito como ele ao meu lado. Mas não éramos felizes. Ainda bem que despertei. Dolorosamente, mas despertei. Descobri que ele ficava com várias amigas minhas e hoje eu até o agradeço por ter me feito cair na real. Foi a partir daquela situação que dei um basta na minha vidinha besta.
Renata sorriu com carinho. Sua vontade era pegar o rosto de Luciana entre as mãos e beijar-lhe os lábios, aqueles lábios rosados que lhe diziam coisas tão verdadeiras. Controlou-se, apenas tirou alguns fios do cabelo de Lu que estavam sobre seu rosto lindo.
— Eu sabia que você era muito diferente daquela garota que sempre levava para as festas o Namorado a tiracolo. – Lu sorriu timidamente e Renata se encantou. Era por aquele sorriso que ela esperava. — Você tem um sorriso maravilhoso, mas, naquela época, deixava pra mim apenas o sorriso cínico ou irônico.
As duas começaram a rir e se lembraram do tempo em que trocavam farpas constantes. Acomodaram-se melhor no sofá e esticaram as pernas sobre um pufe que estava no meio da sala. Rê acomodou a cabeça no ombro de Lu, que se arrepiou inteira e sentiu-se excitada... queria abraçar Renata e dizer que estava apaixonada, mas não sabia o que fazer. Em meio a seus pensamentos, ambas adormeceram... e a TV ficou ligada.

continua...

Capítulo 8: Quando pensam que já se conhece o(a) outro(a)

Ambas já sentiam que haviam sido flechadas, sentiam a tal flecha invisível arder no coração e liberando o vírus intenso da paixão. Flechas atiradas por alguém que não tinha consciência de que realmente era um Cupido enviado pelo Destino. Cada uma delas lidava de modo diferente com esse encanto avassalador que, quando chega, arrebenta e atropela. Nós administramos a paixão da forma que nos convém... elas também, ainda mais quando há dúvidas, questões. O vírus da paixão estava ali, devastando tudo, mas elas ainda precisavam resolver algumas coisas... dentro delas e fora também.

Luciana já estava curada da gripe, mas adoeceu de paixão. Os sintomas, famosos sintomas de uma paixão. Quando via Renata tremia... não conseguia mais ficar tão à vontade ao seu lado, mas, como aprendeu – com seus pais e no meio em que viveu durante tantos anos – a esconder seus sentimentos, disfarçava muito bem e apresentava-se diante de Renata serena e segura de suas atitudes... mas por dentro havia um vulcão prestes a cuspir paixão... intensidade de um sentimento indócil. Continuavam a sair juntas, as três. Vez ou outra Renata levava uma outra “amiga” ou um “amigo” e Luciana quase enlouquecia de ciúmes, mas se continha... sorria, era amável e após presenciar algumas cenas de beijos dados entre Renata e suas “amizades”, ela dizia para seu coração que jamais poderia confiar numa garota tão... tão... superficial no que diz respeito aos sentimentos. Apenas sofreria se se deixasse encantar por aquele par de olhos e aquela boca convidativa. Sua razão dialogando com sua emoção... um debate interminável, mas era só Renata caminhar em sua direção e sorrir que seu coração dava o assunto por encerrado.
A intimidade entre as duas havia aumentado. Assim como Rê e Camila brincavam de seduzir, Lu foi incluída nessas brincadeiras, às vezes, de mau gosto para com alguém que já está tão sensível a investidas... mesmo que de brincadeira. Quando passavam no apartamento de Lu para irem a algum lugar, Renata sempre dizia que ela estava “irresistível” e a olhava provocativa; Camila assoviava, grudava na cintura de Lu, mas nenhuma carícia de Camila era mais ousada do que os olhares de Renata. Lu era tímida e não brincava muito dessa brincadeira... geralmente era quem ficava vermelha, e as duas amigas tão extrovertidas se divertiam e achavam “bonitinho” o “jeitinho” dela.
Renata, assim que constatou a paixão ardendo, tentou fugir. Seus casos relâmpagos aumentaram 30% desde que se descobriu encantada por Luciana naquele sofá, naquele dia, naquela hora. Lu dormiu em seu colo e ela ficou horas observando a ex-pati dormir um sono inquieto por conta da febre. Rê alisava seu cabelo e em seguida passou a acariciar sua face quente e lisa: estava apaixonada. “Que droga!” Resolveu sair dali e beijar várias bocas, independentemente do sexo. Por quê? Porque Luciana era hetero, porque Luciana não acreditaria nos seus sentimentos, porque Luciana não se permitiria ser amada por outra mulher, porque Luciana adorava preto e ela, vermelho! Várias coisas. Ajeitou-a no sofá depois de algumas horas admirando seus traços delicados... olhou-a pela última vez antes de sair e pensou em dar um selinho naqueles lábios vermelhos como brasa, mas resistiu. Foi embora respirando fundo, abanou-se, encostou-se à porta do carro e ficou olhando para cima, para o apartamento da amiga: “Que loucura!”
Camila que não era boba percebeu que a amiga tinha algo a dizer. Se Luciana conseguia esconder sentimentos, isso não acontecia com Renata, que demonstrava nos gestos, na postura, no olhar.
— Conta.
— Conta o quê?
— O que está acontecendo...
Estavam no quarto de Camila sem ter o que fazer. Renata tentou disfarçar, negar, mas... putz, era Camila, sua melhor amiga! Mas, também era amiga de Luciana... mas, ... mas... melhor dizer... não conseguiria esconder por muito tempo da amiga. Ela era Cupido!
— Você é culpada! – acusou Renata nervosa. Camila franziu a testa sem entender nada.
— Eu? Culpada do quê? Tá louca?!
Rê olhou bem nos olhos da amiga porque diria de uma só vez:
— Você é culpada por eu estar apaixonada pela Luciana.
Camila engasgou-se com o chiclete que mascava e fez cara de não-ouvi-direito. Mas, Rê não deu chances de ela se manifestar:
— Eu e ela nos odiávamos... eu não a suportava, queria distância dela. Mas você, como é tããããooo popular, quis ser a melhor amiga dela também e colocou nessa sua cabecinha oca que nós tínhamos que ser amigas pra facilitar o seu lado. Pois então, ficamos amigas e aí pude ver que ela é maravilhosa, é sensível, inteligente, meiga, possui uma timidez que me encanta, tem uma boca que dá vontade de beijar e um corpo escultural. Pronto!!! Você conseguiu mais do que queria: estou apaixonada pela Lu! – levantou-se da cadeira onde estava e, de costas, terminou: — E agora não sei o que fazer.
Camila estava de boca aberta. Várias fichas caindo e ela tentando digerir. Sempre sonhou com a união de Renata e Luciana, mas não esperava por... tanta união!
— Putz! – foi só o que conseguiu dizer. Renata virou-se para ela com uma expressão de desespero:
— Putz? É só o que me diz?
Camila se levantou e começou a andar pelo quarto.
— Nossa! Não sei o que dizer... Acho que sou boa mesmo nessa coisa de juntar casais, né?
— Camila!!! Não brinca! Não é brincadeira...
— Desculpa.
Rê sentou-se desolada:
— Não é só uma atração, é paixão mesmo... já conheço como é. Só que somos amigas, ela nunca demonstrou nada além de uma amizade legal. Tenho medo de estragar tudo se contar pra ela...
Camila sentou-se ao lado da amiga e a segurou pelas mãos:
— Vamos pensar em alguma coisa.
Renata foi embora péssima. Só viu a amiga nesse estado quando estava de quatro por Júlia. Era mesmo sério! “Puta que pariu! Exagerei na dose! Era só para serem a-mi-gas!!!” – culpou-se enquanto se jogava na cama e olhava para o teto: “Bom, mas bem que seria bem legal se elas ficassem juntas...”. Cá poderia ficar louca de ciúmes como aconteceria com qualquer mortal que vê suas duas melhores amigas apaixonadas uma pela outra, mas Camila não era qualquer mortal... era uma mulher de sentimentos nobres e, por ser assim, começou a desenvolver dentro de si uma alegria sincera por saber que Renata havia se apaixonado por alguém tão legal quanto Luciana. Só precisava saber se Luciana sentia o mesmo. Conhecia a amiga e sabia que não era tão fácil tirar dela o que sentia. Ela era tímida, guardava muito suas emoções: “culpa de uma educação ‘fina’!” Teria que encontrar um jeito de abordar sutilmente Lu... saber o que ela achava de Renata agora, depois de tantos anos de “ódio”. “As porras das energias estão vibrando e não posso perder isso por nada!!!” – concluiu pegando apressadamente o casaco. Saiu correndo até o carro. Foi à casa de Luciana.
— Lu, estava morrendo de saudade e vim te ver! – disse uma Camila lindamente cínica na porta do apartamento de Luciana que estava de pijama com um livro na mão.
— Oi!!! Entre, mas não repare na bagunça... hoje nem tirei a roupa de dormir. – justificou-se sorrindo e retirando os óculos.
— Sabe que não ligo para isso, né? Gosto de sentir a energia boa que vem daqui! Adoro sua casa!!! – ela nunca tinha reparado na qualidade das “energias” do apartamento de Luciana, mas foi o que lhe veio primeiro à cabeça.
— Acho que no apartamento da Rê há melhores energias... lá há tanta cor...
Luciana podia ter razão.
— É... mas, às vezes, cor não tem muito a ver não, sabia?
— Ah é?
— É.
Cá entrou, deixou a bolsa no sofá e iniciou sua pesquisa de campo:
— Aliás... você sabe da Rê?!
Luciana foi até a cozinha buscar uma lata de cerveja para a amiga.
— Não, não a vi hoje.
— Estou achando ela meio estranha ultimamente... – observou um certo ar de preocupação no semblante de Lu, que lhe entregou a bebida e sentou-se ao seu lado abrindo seu refrigerante.
— Como assim?
— Está quieta, pensativa... acho que está gostando de alguém... mas não quer me contar quem é. – soltou pausadamente parte de seu plano observando cada movimento da fisionomia sempre calma de Luciana que, por sua vez, estava atenta a cada palavra da amiga. Mesmo assim, Lu não deixava claro nenhum tipo de sintoma que acometia Renata. “Muita calma nessa hora... com Luciana tem que ser com cautela.” – pensou Camila antes de propor: — Você bem que poderia me ajudar a descobrir, né? – Lu levou um susto e – xeque-mate – “aí tem!!!”
— Eu??? Mas, por que eu?
— Ora, porque você também é amiga dela! – tomou um gole da cerveja e continuou: — Acho muito legal vocês, finalmente, terem se tornado amigas! – Lu sorriu:
— Pois é... você insistiu tanto...
— Mas se ela não fosse legal você não a teria aceitado em sua vida...
— Claro. – Lu bebeu e olhou Camila nos olhos com a calma que lhe é peculiar. — Renata me surpreendeu... ela é mesmo uma pessoa maravilhosa; ou ela não era nada do que imaginei na época em que a conheci ou mudou muito durante esses anos.
— As duas coisas. – a Cupido a olhava nos olhos e enxergava um brilho diferente, sua voz continha carinho... não era impressão sua, Luciana sentia algo por Renata também, só não sabia se era algo assim tão especial. Resolveu colocar mais lenha naquela faísca: — Ela também gosta muito de você... – Luciana corou e Camila vibrou por dentro: “Yes! Ela sente algo forte pela Rê!”
— Por que acha que ela está apaixonada? Ela pode estar com algum problema... – questionou Luciana após se recompor.
— Conheço nossa amiga... Ela está gostando muito de alguém. – olhou nos olhos da amiga tímida. — Só não entendi ainda porque não me disse nada.
E assim foi a conversa entre as duas amigas. Camila colocou seu plano em prática e já tinha chegado a algumas conclusões: Luciana estava envolvida por Renata, mas ainda não sabia dizer se era paixão ou apenas um encantamento passageiro – Rê causava isso, esse encantamento em virtude de seu modo delicioso de ser –, Lu não dizia tudo o que pensava a respeito da amiga... era como se não quisesse se comprometer e dizer mais do que a razão permitia. “Minha missão será juntar essas meninas!!!”
Instantaneamente lembrou-se que Renata faria aniversário na próxima semana e teria que organizar uma festa e tanto para ela. Talvez fosse um ótimo pretexto... “sei lá... sempre vamos a festas, qual seria a diferença?!” – refletiu enquanto voltava para casa.

continua...

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Capítulo 7: Pequenos episódios de quem pretende conhecer o(a) outro(a)

Primeiro episódio

Camila tratou de marcar uma simples baladinha, só para que Renata e Luciana voltassem a se encontrar. Seria em seu próprio apartamento. Seus pais haviam viajado e ela organizou uma “reuniãozinha” com vários amigos da época da faculdade para conversar bobagens e sobre o mercado de trabalho. Ela queria voltar a alguma redação o mais breve possível e arregaçar as mangas.
Claro que todos se divertiram, inclusive as duas amigas da Cupido, que não perdia um só lance. Desejava sinceramente que elas se entendessem. Gostava muito das duas, cada uma a sua maneira e queria que elas se gostassem, respeitando o modo de ser uma da outra. Desarmadas elas já estavam e depois que souberam que uma “falou” bem da outra, a simpatia aflorou e sempre encontravam um pretexto para conversar. Camila fazia questão de deixá-las sozinhas... ia para outra roda de amigos e as abandonava para que se conhecessem cada vez mais.
Nessa reunião havia vários “ficantes” de Renata, na época em que “pegava” todos – bom, ela ainda “pegava” – mas com menos frequência. Enquanto ela e Luciana conversavam na sacada do prédio, vários desses ex-ficantes se aproximavam para cumprimentar Renata. Mostravam-se gentis e carinhosos com a amiga que retribuía o afeto com simpatia e sorrisos. Luciana observava o modo como ela tratava aqueles homens, antes garotos-hormônios, e sentiu vergonha de um dia tê-la chamado de vulgar com tanta convicção e desprezo. Reconhecia que Renata não era vulgar, simplesmente curtiu uma fase de sua vida que consistia em se descobrir, em conhecer pessoas e, consequentemente, se conhecer. E, pelo que sabia, ela nunca foi sacana com os caras, nunca os iludiu com promessas de paixão ou amor eterno. Um desses garotos, transformado em homem, comentou sobre a época em que ele e Renata ficaram juntos por algumas semanas e, de maneira natural, lembraram e riram saudosos. Luciana ouvia tudo sorridente. Quando o rapaz se afastou, solicitado pela Namorada, Luciana achou conveniente se retratar:
— Eu queria te pedir desculpas por algo que disse há uns seis anos... – começou ela passando o dedo pela borda do copo encarando Renata que, de repente, ficou séria sem entender.
— Do que está falando?
— Do dia em que discutimos naquela chácara e te chamei de vulgar.
Renata sorriu e tomou um pouco do vinho. Ficou olhando para Luciana e, pela primeira vez, sentiu um imenso carinho pela nova amiga.
— Mas eu te chamei de pati...
— Eu era pati... – as duas sorriram.
— Ah! Mas eu não era vulgar! – riram novamente.
— Por isso quero me desculpar. Eu não te conhecia e fui logo te julgando...
— E agora? Você me conhece? – perguntou Renata olhando fixamente para Luciana que corou... e sentiu calor.
— Não muito, mas o suficiente para reconhecer que fiz um julgamento errado sobre você.

Segundo episódio

Camila, em pouquíssimo tempo, já estava empregada no mesmo jornal em que Luciana trabalhava. Departamento de Política Internacional. Camila estava se saindo muito bem. As energias estavam conspirando em seu favor! Queria comemorar e pediu sugestões de lugares legais para a amiga e, agora, também colega de trabalho.
— Tem um barzinho no centro da cidade que é bem agradável... fica cheio e é muito bem frequentado... – comentou Luciana enquanto terminava de digitar uma matéria.
— É caro? – perguntou Camila debruçada sobre a baia de trabalho da amiga. Luciana sorriu e a olhou por cima dos óculos:
— Não. Meu bolso não comporta mais baladas chiques.
Combinaram e saíram juntas dispostas a passar no apartamento de Renata.
Quando chegaram, Rê havia acabado de sair do banho. Ainda enrolada na toalha, pediu que entrassem e a acompanhassem até seu quarto para escolherem juntas uma roupa. Luciana nunca tinha ido ao apartamento da mais nova amiga e aprovou o bom gosto, as cores vivas, alegres... tudo identificava Renata e sua impulsividade, até o modo em que as coisas estavam, calculadamente, jogadas pelo ambiente. Olhou ao redor e comparou, por um breve momento, seus gostos com os dela. Seu apartamento era diferente... as cores eram neutras, frias... fazia questão de poucos móveis e muito espaço. Eram diferentes... sem dúvida, mas lhe agradava toda aquela cor, aquele estilo.
Ao entrar no quarto, Renata estava nua prestes a colocar um vestido escolhido por Camila. Lu não soube explicar o que aconteceu ao vê-la assim... nua em sua frente. Sentiu-se ridícula por corar, por sentir-se desconfortável diante de uma mulher – como ela – nua. Vislumbrou por um momento aquele corpo bonito, bem delineado, alvo e sentiu-se mal por tê-la olhado daquela maneira: “O que está acontecendo comigo!!!”
Renata percebeu. Seus olhares se cruzaram assim que ela entrou no quarto... sentiu-se arder por um instante. Sentiu o modo como Luciana a olhou e chegou a pensar que a mais nova amiga a tivesse olhado com olhos de desejo. “Não, não pode ser...” – tirou logo o pensamento da cabeça. Renata continuava a ser a “Don Juan” de saias, mas não jogaria charme para Luciana... não estragaria tudo justo agora que estavam se entendendo.

Foram para o tal bar. Sentaram-se e embarcaram num papo divertidíssimo: homens. Camila pretendia conhecer novas pessoas e, consequentemente, novos homens para que pudesse viver novas aventuras. Como ela mesma dizia “troca de energias” e as amigas morriam de rir com o jeito descontraído e espontâneo da Cupido. O ambiente era mesmo muito bom e, com o cair da noite, o bar foi enchendo. Um grupo de rapazes pagou bebidas para as meninas, que agradeceram à gentileza... em seguida já estavam sentados na mesma mesa. Conversaram e as três perceberam imediatamente o repertório “xavequista”; trocaram olhares, sorriram. Camila deixou-se cair, Luciana relutava e Renata competia com seu “opositor”. Riram bastante, jogaram no ar frases ambíguas, fizeram o jogo do “Manual dos cafajestes”. Num determinado momento Camila se rendeu e Luciana quis ir ao banheiro.
— Vou com você. – disse Renata, pedindo licença ao seu “pretendente” e acompanhou a amiga até o toalete.
— Bom, pelo menos o seu sapo tem um papo legal, já o meu só fala sobre bebida doce, destilada, forte, fraca... um expert em porres! – comentou Renata entrando em uma das cabines. Luciana sorriu e disse que o seu, em contrapartida, lia o “Estadão” todos os dias porque falava sobre tudo ao mesmo tempo sem um pingo de profundidade... tinha como arma de conquista esbanjar conhecimentos fragmentados. Hilário!
Elas saíram do banheiro às gargalhadas quando Renata deu de cara com Júlia, que entrava no toalete. As duas pararam chocadas uma de frente para a outra e Luciana observou a cena.
— Oi! Quanto tempo!!! – com um clichê Júlia quebrou o embaraçoso momento, sorrindo para Renata, e, em seguida, abraçando-a com carinho.
— É... que surpresa! – disse uma Renata atordoada e insegura, com um sorriso incerto e um olhar espantado. Luciana nunca a tinha visto assim diante de uma pessoa... nunca viu a rainha da sociabilidade tão desequilibrada.
Ficou de lado e não pôde mais ouvir o que as duas disseram, mas Renata estava vermelha e Júlia, aparentemente, feliz por revê-la. Porém, percebeu que a ex-namorada da amiga estava acompanhada por outra garota, que a esperava na porta do banheiro.
Conversa rápida terminada e Renata dirigiu-se para Luciana com um sorriso sem graça:
— Vamos?
Sentaram-se novamente ao lado dos respectivos profissionais do xaveco e Renata não perdeu tempo, beijou seu sapo que não virou príncipe. Não soube avaliar se o beijou foi para mostrar à ex-namorada – causadora de momentos terríveis de sofrimento – que já a havia esquecido – e isso era verdade – ou se para mostrar à Luciana que sua ex não mexia mais com ela. Às vezes se faz coisas sem saber exatamente o porquê e Renata, às vezes, agia assim... por impulso.
Lu, por sua vez, preferiu continuar conversando sobre tudo com seu sapo “intelectual” e quando ele tentou mudar, mais uma vez, de assunto com um beijo ela, delicadamente, recusou e investida. Olhou para os dois casais e chegou à conclusão de que estava feliz por não ter beijado ninguém... não queria beijar por beijar... queria apenas curtir. Que Camila quisesse conhecer novos caras e tirar o atraso, tudo bem. Mas Renata mostrava um pouco de imaturidade quando fazia questão de beijar pessoas aonde quer que fosse. Isso era o que Luciana pensava. Só que, Renata, com seu velho lema “beijo na boca sim, porém, não grude”, logo deu um jeito de escapar do seu homenzinho e puxou a amiga desinteressada pelo seu sapo para outro canto do bar, completamente cheio. Foram para o jardim de inverno a fim de tomarem um ar.
— Por que não ficou com ele? Era bonitinho...
— Sei lá, não gosto muito de ficar por ficar... e ele também é um chato.
Renata sorriu e ficou olhando o movimento enquanto tragava o cigarro. Depois de algum tempo:
— Aquela foi sua ex-namorada, não foi? – perguntou Lu observando a reação da amiga, que soprou a fumaça com força.
— Sim.
— Você ainda gosta dela?
Renata demorou para responder.
— Não. Hoje não posso negar que fiquei surpresa em revê-la depois de tanto tempo, mas pude perceber que meu coração não disparou, nem minhas pernas bambearam. Os sintomas sumiram. – tragou mais uma vez e soprou a fumaça com calma. Depois encarou Luciana. — Ficou um pouco de mágoa, mas ao mesmo tempo, agradeço a ela por ter me apaixonado de verdade... e até amado. Agora sei o que é isso... graças a ela.
As duas ficaram instantes mágicos se olhando. Em segundos, Luciana pensou no quanto Renata poderia ser sensível, meiga... e Renata apreciava os traços bem-feitos do rosto de Luciana e sorria com carinho, sem malícia.
— Você acha que só é capaz de amar mulheres? – perguntou Lu sentindo-se à vontade. O olhar de Renata lhe dava essa segurança.
— Não sei. Nunca me apaixonei perdidamente por um homem e menos ainda amei algum. Só sei que gosto de estar com as pessoas, não tenho pudor em demonstrar carinho por meio de um beijo na boca...
— Por isso você beija todo mundo? – e começaram a rir. Renata tinha uma resposta na ponta da língua: “Adoro você e nunca a beijei na boca...” – mas resolveu não dizer, não queria estragar a magia daquele momento de conversa íntima. Apenas sorriu e comentou:
— Pode ser... mas um dia paro... um dia encontrarei um amor. – encarou a amiga, agora, com malícia. — Mas, enquanto não encontro... – e sorriu seu sorriso mais sacana e Luciana se encantava, sentia-se instigada por toda aquela malícia, aquele olhar tantas vezes ambíguo. Renata era um mistério.

Terceiro episódio

— Por que Luciana não veio?
— Putz, está com uma gripe terrível...
— Hummm.
Estavam na festa de aniversário de uma amiga de Camila e Luciana. Era uma amiga da faculdade que fez questão da presença de ambas, pois se gostavam muito. Luciana não pôde ir porque estava completamente sem forças para sorrir num evento em que estariam todos os seus ex-colegas de classe e muitos amigos do jornal. Camila, que também conhecia todos, arrastou Renata que sempre a divertia nessas festas que mais pareciam encontros para a avaliação de status: “O que você está fazendo; quantos carros você já tem; já casou e tem filhos; já assumiu um cargo de chefia???” Renata sempre se intrometia e oferecia cortes hilários e bem-humorados.
Mas Rê não conseguia deixar de pensar em Lu. Já tinha se acostumado a tê-la por perto em todos os programas de fim de semana. Gostava de sua companhia, de sua calma, seu modo de observar... sentia-se bem ao seu lado e começava a se questionar a respeito dessa amizade: “Não consigo parar de pensar nela! Meu Deus, o que está acontecendo!!!” – pegou o celular e foi até um canto menos barulhento.
— Alô!
— Lu? Sou eu, Renata.
— Oi amiga... – sua voz era quase inaudível, estava péssima!
— Como você está?
— Péssima... – começou a tossir: — Mas amanhã estarei nova.
— Posso passar por aí? – não resistiu.
— Claro...
Renata desligou, despediu-se de Camila e seguiu para o apartamento de Luciana. Sabia que começava a entrar em território perigoso, sentia que estava se apaixonando e também sabia que Luciana era uma hetero convicta e que, por mais que tenha mudado nesses anos, ainda carregava resquícios de uma necessidade de fazer as coisas conforme a maioria.

Luciana estava na cama quando o celular tocou. Mal conseguia abrir os olhos, sua cabeça parecia que ia explodir. Pensou em não atender, mas quando viu que era Renata, uma alegria súbita tomou conta de seu corpo cansado e até se sentiu melhor. Levantou-se e tomou um banho quente, olhou-se no espelho e achou-se horrível, mas quanto a isso não poderia fazer nada. Foi para o sofá esperar a visita mais que bem-vinda e, enquanto esperava, pensava no quanto a companhia de Renata era agradável... sua alegria natural, sua vivacidade a enchia de carinho. Passou a mão pela testa em brasa e chocou-se com o fato de estar se apaixonando pela amiga... “que desastre... eu me apaixonando por alguém que beija todas as bocas, que tem como lema ‘eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo’ e, ainda por cima, é uma mulher...” – pensava um pouco triste. “Se deixo que ela me beije me apaixono de vez e, para ela, não passarei de mais uma pessoa pela qual ela sente ‘carinho’!”
A campainha.
Renata estava atrás da porta sorridente – e que olhos! Já disse que Renata tinha olhos cor-de-mel?! Não? Bom, Renata tinha os olhos cor-de-mel mais maliciosos que Luciana já viu. Balançava em uma mão um saquinho de chá e na outra havia uma pizza.
— Já jantou?
Lu se esforçava para sorrir porque seu rosto doía. Abriu espaço para a amiga entrar e logo voltou para debaixo das cobertas no sofá. Renata a obrigou a comer e a tomar o chá antitérmico. Colocou as mãos na face de Lu – que quase derreteu de excitação – e pôde ver que a amiga estava ardendo em febre.
— Venha, deite-se aqui. – intimou Rê sentando-se no sofá e deitando Lu em seu colo. Cobriu-a com carinho, acariciava seu cabelo com ternura e as duas ficaram ali, assistindo TV, sem dizer nada... cada uma absorta em seus próprios pensamentos... sobre a outra.