terça-feira, 15 de setembro de 2009







Olá, meninas!

Depois de alguns meses (quase 3 pra ser um pouco mais exata...) coloco algumas fotos do debate que a editora Malagueta promoveu na Off Flip. Já escrevi aqui sobre a 1ª Conversa Lésbica Literária de Paraty logo que voltei e pude refletir sobre minhas impressões depois daqueles dias maravilhosos.

Mais uma vez digo, foi muito legal, valeu muito à pena... Todas as vezes que vejo as fotos fico animada com a possibilidade que temos de nos fazer vistas e ouvidas. Eu não gosto muito de uma atitude planfetária e tal (não é meio estilo), mas não tem como não se tornar torcedora da causa, assim como uma torcedora de time de futebol... e vestir a "camisa".

O debate teve seu ápice durante uma polêmica discussão: só uma lésbica é capaz de produzir literatura lésbica?

O que vocês acham?

Depois eu posso dizer, mas, primeiro de tudo, sou a favor de uma literatura de qualidade.

Depois podemos falar mais disso também...
Por enquanto vão as fotos. Nelas estão também a Karina Dias, a Laura Bacellar e a Lúcia Facco.

Espero que gostem.

Beijos,
Mari.

sábado, 12 de setembro de 2009

A carta


São Paulo, 16 de setembro de 2009.

Minha querida,

Hoje faz 3 anos que nos conhecemos.
Impressionante como o tempo voa e, ao mesmo tempo, parece que nos conhecemos ontem, tamanha a paixão que ainda me arde, tamanha é a minha vontade de você.

Lembra-se do primeiro dia?
Um nervoso...

Cheguei uns 3 minutinhos atrasada, mas você insiste em dizer que foi uma eternidade. Parei o carro e esperei você se aproximar, observava-a pelo retrovisor em pânico, mas com alegria, com aquela sensação de “é ela! Eu consegui...”. Como um prêmio? Um troféu? Sim... você é meu prêmio, é a personificação do meu amor.
Quando entrou no carro e me olhou, senti medo de perder o momento, quis agarrá-lo com desespero... mas você me agarrou antes, e me beijou... e vi borboletas e passarinhos verdes, azuis e amarelos sobrevoarem em círculo meu juízo.
Seus olhos penetraram os meus. Foi só o primeiro passo... depois eu já estava perdida pensando na melhor ocasião de dizer que estava apaixonada: na hora do sexo ou enquanto tomávamos o suco? Questões que hoje não tenho porque digo que te amo todos os dias, todas as horas, nos e-mails e no término das ligações.
Até parece que se tornou citação automática.

Mas não é.

Quando digo: “te amo” é porque o amor grita em mim, jamais será gratuito, será sempre com força pra você. E lembrar que num período de minha vida tive muita dificuldade em dizer “eu te amo”. Simplesmente porque não amava, agora amo e preciso dizer, pra que você sempre saiba.
O tempo passou/passa e o encanto, se não é o mesmo, porque já te conheço, o reencanto é constante porque você me surpreende nas pequenas atitudes do dia a dia. E eu amo isso.

Você larga as roupas espalhadas pela casa e penduradas pelas fechaduras das portas... Isso enche meu espírito de caos, que às vezes gera uma irritação que, dependendo da fase de TPM, se transforma num sentimento terno: “é mesmo uma criança...”, ou num sentimento de fúria: “Você não pode passar pelos lugares sem deixar o rabooo???”. Não importa, no fim tudo termina com um cheiro no pescoço.

Mas, como a vida não é feita só de flores, eu estou aqui e você aí.
Separadas.
O trabalho nos separa... e talvez seja justamente ele o responsável por nos fazer assim: sempre apaixonadas.

Faz quanto tempo que não nos vemos? Duas semanas? Acho que um pouco mais.
E justamente hoje, no dia do nosso aniversário, você recebe uma carta contando de maneira sucinta o nosso imenso amor... Uma injustiça do destino me deixar longe do seu sorriso e de suas pernas que se prendem nas minhas na hora de dormir. Injusto eu aqui morrendo de vontade e você aí assistindo seriado no canal de TV a cabo (mas provavelmente morrendo de vontade também).

Eu poderia largar tudo e ir...
Talvez, se você for até a janela...
... E olhar para baixo...
... talvez encontre um pontinho preto (estou de camiseta preta) olhando para cima com a testa franzida, afinal olhar para 15º andar e encontrar um par de olhos amarelos é difícil.


Te amo.
Sua Duda.

Depois que terminou de ler a carta, Júlia aproximou-se da janela e olhou para baixo. Lá, na calçada, do outro lado da rua, Duda sorria erguendo alto um buquê de flores do campo.
Duda subiu e as duas passaram o fim de semana comemorado o 3º aniversário de namoro.

Mariana Cortez
16-09-2009


Oi, meninas!

Como estão?!! Sol aqui na terra da garoa...

Estou neste fim de semana colocando as coisas em ordem, finalmente, depois de um tempo em que tudo era prioridade e as coisas que gosto tanto de fazer estavam ficando de lado, de lado, de lado... Agora acho que consigo acompanhar melhor minha escrita. Escrever com vontade, sem tanta pressão... com responsabilidade... com gosto e tesão.

Vou dar mais atenção para o blog. Aqui é meu espaço, aqui eu faço do meu jeito, faço dele a minha casa, com minha cara. Apesar de não ter muita (nenhuma) intimidade com as linguagens da web (designer) posso expor aqui mais à vontade, deixar o registro do que me vem à cabeça e posso preparar, despretensiosamente, um espaço pra vocês. Afinal, pra quem escrevo?

Quero, de verdade, dar mais atenção às pessoas que hoje me conhecem e querem ler o que escrevo porque leram o que eu escrevia antes.

Sei, vejo e participo de um "movimento" que tenta colocar o público LGBT na mídia, nos meios de comunicação, nos meios intelectuais. Vejo sites, blogs, portais, uma editora... (ainda muito pouca coisa) lutando para oferecer a esse público material de qualidade... e quero fazer parte disso.

Aos poucos as coisas estão acontecendo e tenho certeza que logo teremos uma vasta variedade de bom material para nós, lésbicas, para todo o público LGBT.

Beijo.
Mari.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

O carro ao lado

Tati estava parada no farol vermelho.
Estava com um braço sobre o volante e o outro apoiava-se na janela, que sustentava sua cabeça pendente, esperando, ainda sonolenta, o farol verde acender.
Ouvia rádio, mas nenhuma música em especial, apenas ocupava os ouvidos e, para os olhos, tinha o céu azul com horizonte claro e sem nuvens de uma manhã calma, quase bucólica... Era sábado sete e meia da manhã, a maioria das pessoas dorme até mais tarde, menos Tati, menos a pessoa do carro ao lado... menos todos os carros que cruzavam a estrada sob o sinal verde, subindo a serra em direção à capital.
Quando o farol abriu, Tati acelerou, mas um louco, provavelmente ainda carregando resquícios da bebedeira de sexta-feira, cruzou seu caminho e ela brecou. Agradeceu ao céu azul não ter confundido o freio com o acelerador, agradeceu estar com o cinto de segurança, mesmo que ele quase a tenha asfixiado. O carro que estava ao lado buzinou longamente, como que gritando, e brigando, e xingando... E foi o fim da manhã bucólica de sábado.
Tati assustou-se. Mesmo estando trêmula por conta do inconsequente, estava mais abalada com o escândalo da buzina que veio feito tiro do carro ao lado. Na verdade, ao lado quase atrás, ou seja, ele (o carro) nem corria o risco de ser atropelado pelo ridículo.
Não conseguiu ver quem dirigia o automóvel robusto, grande, que, depois de berrar, passou por ela após uma breve buzina. Tati entendeu que aquela buzina era uma fala mais mansa, talvez amigável. Talvez o grande carro tivesse tomado suas dores... afinal seu carro era tão pequeno. Sorriu meio sem graça e retribuiu a breve e simpática buzina.
Entraram na estrada, finalmente misturaram-se aos demais carros. A velocidade lá era maior, e Tati estava com pressa. Justamente o carrão que berrou e passou por ela estava atrapalhando sua corrida rumo à aula.
Informações sobre Tati: fazia curso de crítica de cinema aos sábados pela manhã e, durante a semana, trabalhava como cenógrafa. Estava numa fase de querer abraçar o mundo, já que ninguém lhe abraçava...
Tentou ser paciente correndo atrás do carrão, esperando que ele se tocasse e fosse para a faixa da direita, a faixa dos lerdos, ou melhor, a faixa daqueles que não querem estar no limite máximo da velocidade permitida. Encostou um pouco mais, quase ao ponto de ser tão inconsequente quanto o bêbado, pensou em lhe dar farol alto, mas não poderia ser indelicada com o carro que a defendeu daquele outro carro preto, com suspensão rebaixada e cara de mau.
Carro tem cara?
No trânsito carros são pessoas. Há os bonitos, feios, capengas, estilosos, metidos, velhos porém charmosos, os educados, grosseiros, perigosos, amigos... enfim, no trânsito alguns códigos definem o tipo de motorista com o qual se está lidando.
O carrão, aparentemente amigo, deu-lhe passagem; ligou a seta e vagarosamente mudou de faixa. Tati o ultrapassou com seu carrinho mil, mas nem parecia menos potente, já que acabara de colocar o gigante para escanteio.
Cantarolou a música, deu uma olhada na vista de montes verdes e céu azul. Colocou os óculos escuros e olhou pelo retrovisor. O carro grande estava a uns cinco metros atrás dela e não fazia menção de ultrapassá-la. Só estava lá, atrás dela. Tati pensou em sentir medo, afinal, o que aquele carro queria? Por que não a ultrapassava e seguia seu destino? Esses pensamentos passaram a atormentá-la. Tati começou a trocar de faixa para testá-lo, “quem sabe ele não acelera e vai embora”, mas ele só acelerava para não perdê-la de vista.
Em um determinado momento acelerou para ficar exatamente ao seu lado.
Tati queria que o carro abaixasse o vidro para que ela pudesse ver quem dirigia, mas o vidro negro permanecia suspenso e ela realmente começou a ficar com medo. “As pessoas andam tão loucas...”.
No fim da rodovia, pegou uma via expressa e perdeu de vista, no meio de tantos carros, o tal grandão. “Ainda bem...”. Entrou na multidão e a passos, ou melhor, a marchas lentas seguiu a caminho da faculdade distraindo-se com as notícias do fim de semana.
Mas sua tranquilidade não durou muito: misteriosamente o carrão surgiu e pediu com sua buzina “cafa” para Tati o deixar entrar na sua frente. Tati deixou, mas já fazia manobra para entrar na fila ao lado. Não deu certo porque, assim que trocou de faixa o farol avermelhou e ela se viu, novamente, ao lado daquele carro apavorante.
A distância entre os dois era mínima e Tati se preparava para gritar, chamar a polícia e buzinar no congestionamento até que todos aqueles carros tivessem toda a atenção voltada para ela... e aí nada aconteceria.
O vidro do carrão abaixou e Tati fechou os olhos, tamanho era seu medo de ver quem estava ali. Abriu um deles e viu.
Era uma morena estonteante de óculos escuros e um sorriso capaz de parar exatamente aquele trânsito.
Tati abriu o outro olho... e a boca também... e ficou sem saber o que fazer.
— Oi, tudo bem?
— Oi...
— Desculpa a loucura, mas é que já vi esse carro antes, no casamento da Gabriela, semana passada e... a mulher que entrou nele depois da festa era maravilhosa... Era você, não era?
— Eu conheço a Gabriela... e fui ao casamento, mas..., ..., ...
O sinal verde acendeu e os carros que estavam atrás delas começaram a buzinar desesperadamente. A morena simplesmente jogou algo pela janela, que caiu sobre o colo de Tati, e saiu em disparada. Era um celular.
Tati quase não prestou atenção na aula esperando o aparelho tocar. Depois das onze tocou e elas combinaram de se encontrar após a aula, num restaurante, para começarem a se conhecer de verdade.

Mari Cortez
1-9-2009
Quem é lésbica?

Quem é lésbica assumida?
Quem é lésbica assumida mais ou menos?
Quem é lésbica no armário?
Quem é lésbica enrustida?

Se fôssemos somar todas essas categorias, acho que um terço das mulheres do mundo, hoje, são gays.
Quantas amigas não se “assumem” depois que você conta quem é? Quantas, vez ou outra, dão uma declaração bombástica depois de algumas cervejas, do tipo: “a Angelina? Nossa! Até eu pegaria!!”

Pois é, as pessoas que habitam esse mundo louco são uma incógnita, e acho legal elas serem assim, pois nos reservam surpresas que tornam nosso dia a dia muito mais emocionante.

Eu me encaixo no “sou lésbica assumida mais ou menos”, mas, pelos indícios que tenho, acho que por pouco tempo (logo mais subo para a primeira categoria). Pensando bem nas categorias que listei acima, acho que já fiz parte de todas elas... e agora, finalmente, estou chegando ao topo! Isso é ser bem resolvida?!

Quando estava na categoria “sou lésbica no armário”, fiz a confissão para minha mãe que se tornou meio “traumática” para mim, mas subi para a categoria “sou lésbica assumida mais ou menos”. A partir daí resolvi escolher as pessoas que merecem compartilhar intimamente da minha intimidade (como, por exemplo, saberem qual é minha orientação sexual).

O tempo passa e relaxo cada vez mais, pois fica cada vez mais claro para mim que sou maior de idade (há algum tempo já), que cumpro com todas as minhas obrigações sociais (mesmo que não concorde com várias delas), que sou muito bem casada e feliz, certamente muito mais resolvida do que muitos dos meus amigos heteros. Outro ótimo ponto é que percebo as pessoas menos preconceituosas e isso é determinante, me enche de fé e esperança na humanidade.

Bom, de qualquer maneira, resolvi, para meu próprio bem, ser discreta e não contar a torto e a direito com quem gosto de estar na cama.

Acontece que é difícil manter uma discrição quando uma das primeiras perguntas de alguém que não te conhece e quer conhecer é: “Você tem namoradO?” É nesse momento que começam as saias justas, o momento crucial de se assumir e passar para a primeira categoria ou descer um degrau e voltar a estar no armário.

Por que não perguntam: “qual o filme que marcou sua vida?” ou “qual é seu signo e ascendente?”. Não, elas sempre querem saber se sua relação sexual está em dia (como um carnê da felicidade). Será que isso é coisa de brasileiro? Talvez a Antropologia explique.

Enfim, quando a pergunta fatal é feita eu já tenho computada minha pesquisa sobre a fulana: é curiosa, é indiscreta e fofoqueira? Geralmente sim, porque uma fulana discreta é sempre sutil na abordagem para investigar sua vida sexual.

No meu trabalho há os dois tipos de fulanas. Dia desses uma delas me ofereceu uma grata surpresa, me fez pensar no quanto as pessoas são mesmo curiosas, mas também no quanto estão mais abertas a “aceitar” com naturalidade o que temos a dizer.

Fomos almoçar juntas depois de uma discussão desgastante sobre trabalho. Estou recente na empresa, ainda no processo de reconhecimento do terreno em que piso. Comecei a conversa ainda falando sobre prazos e problemas, mas logo fui desviada com a justificativa mais do que justa de que em almoço não se fala de trabalho:
— Escuta, você vem de tão longe todos os dias... Que coisa louca morar no litoral! Subir e descer a serra todos os dias!
— Pois é... mas não é mau. Sento na minha poltrona do fretado e vou lendo ou dormindo, garanto que mais confortável do que vocês nesse trânsito absurdo da capital.
— Isso é verdade. Mas, por que você faz isso? Seus pais são daqui, não são?
— Sim. É que mudei de vida, fui morar com uma amiga...
— Mas, ela é sua namorada, não é? Pois só amando muito alguém sobe e desce a serra todos os dias em vez de alugar um apê aqui perto...
— É..., ..., ...
— Ah! Então tá! Que legal!! Vocês tem filhos?

Saiu. Contei e não me pareceu a bomba largada que faz as pessoas engasgarem com o suco nem ficarem vermelhas sem conseguir te encarar. Foi natural e me senti à vontade, e feliz por perceber que o mundo muda e a cabeça das pessoas também. É ótima a impressão (cada vez mais comprovada) que algumas pessoas me passam de que a vida que tenho é minha e faço dela o que bem entender sem que meu caráter e meu desempenho profissional estejam em julgamento.

Essa pessoa, tenho quase certeza, é o retrato de uma sociedade mais madura no que se refere a aceitar o outro como ele é.

Tenho certeza também de que logo mais nenhuma lésbica precisará ser “mais ou menos”, nem estar no armário... nem ser enrustida, pois chegará o momento em que amaremos simplesmente e a pergunta será: “você tem namorado ou namorada?”.

Mari Cortez
19-08-2009