sábado, 30 de agosto de 2008

ORQUÍDEA

CAPÍTULO 1

Estava lendo em minha mesa quando um homem grande, vestido numa roupa de borracha, aproximou-se:

— Me disseram lá na recepção que a senhorita é a Sofia...

Ergui meus olhos por cima dos óculos...

— Sou eu.

— Então essa flor é pra senhorita.

Tirei os óculos.

— Não... deve ser engano, não é meu aniversário...

— A senhorita não é a Sofia Tomaz?

— Sim...

— Então... Por favor, dê um vistinho aqui pra dizer que a senhorita recebeu.

Peguei o protocolo e rubriquei mecanicamente sem entender.

Mal pude olhar o belíssimo arranjo de orquídea e o departamento já estava ao redor dele em meio a aplausos, gritos e assovios... A princípio pensei que fosse o pessoal me sacaneando.

— Quem foi??? – as meninas perguntaram deslumbradas, e algumas invejosas.

Logo aquele departamento transformou-se num pregão da bolsa de valores: “Orquídea é flor exótica... o cara tá de quatro!!” , “Será que é alguém daqui??”, “Foi seu pretendente, Sofia?”... Depois de inúmeras perguntas sem respostas, o pessoal me concedeu um segundo de silêncio para que eu pudesse me pronunciar a respeito, mas logo o silêncio se transformou na frustração de um lance a gol... que não foi gol:

— Não sei quem me mandou. Não se identificou.

Uhhhhhhhhhhhhhhhhhhh... bola fora.

— Ah! Só pode ser alguém daqui, então!!!

— Ou não... vai que é um amigo apaixonado por ela...

— Quem será???

— Só alguém que está querendo recompensa faz um negócio desse...

— Como a Sofia vai recompensar se o idiota não se identifica...

— Deve ser um maricas...

— Vocês homens são uns insensíveis... a Sofia tem que agarrar esse que ainda se lembra de mandar flores.

— Tá mandando flores porque quer comer ela, tonta!

— Cala a boca, Serginho...

— VAMOS PARAR COM ISSO?! Se a pessoa não quis se identificar, não vou forçar a barra. Deixem minha orquídea em paz ou ela morrerá da inveja de vocês.

O pessoal foi saindo aos poucos... riam, especulavam, davam-me idéias de como descobrir o tal admirador. Outras pessoas, de outras sessões, observavam curiosas de longe. Havia o cartão da floricultura e, se eu ligasse, talvez... O Rodolfo quis ligar, mas tirei o cartão de sua mão.

— Você sabe quem é e está disfarçando, né? – perguntou ele com cara de cafa.

— Juro que não sei... não faço a mínima idéia.

— Então deixa eu descobrir pra você. – disse já com o telefone fora do gancho.

— Não. Deixa rolar... quem sabe a pessoa não se identifica...

Ele e outros ainda remoeram a situação até que aparecesse outra situação mais interessante.

Tive um dia estranho, mas interessante, fora da rotina. Receber uma flor tão linda e cheia de significados assim... dá uma sensação boa, o ego vai pra lua. Estava me achando a bolacha mais recheada do pacote. Foi legal, me senti bem e... observada. Pois é, certamente alguém gostava de mim e eu não sabia... ou alguém queria me testar, sei lá. E essa pessoa me conhece, sabe onde trabalho e sabe meu nome completo... Estranho. Não foi o pessoal do departamento... pelo menos não do MEU departamento, não fazia sentido. Eles são uns amores e me dou superbem com todos, mas, dos homens que trabalham comigo, acho que nenhum faria isso porque eram meus amigões mesmo... brincavam comigo, almoçávamos juntos às vezes e tal, mas... só isso, nunca percebi nada além de um coleguismo legal de trabalho.

Alguém de fora da empresa? Não sei. Também não conseguia pensar em nenhum dos meus amigos, ficantes ou ex-namorados... não consigo imaginar nenhum deles, nenhum me olhou diferente nos últimos tempos, nenhum me deu indícios de querer algo mais do que uns beijinhos... Na verdade não estou no espírito romântico-afetivo ultimamente, faz um tempo que estou tranqüila como água em repouso, só quero amigos e baladinhas descomprometidas.

Fiquei o dia inteiro tentando encontrar explicação praquela orquídea. Linda. Seu caule se entortava e aquela flor ficava olhando pra mim. “Quem te mandou pra mim, hein?!”. Será que a pessoa que fez isso tem noção do que essa atitude significa? O que será que ele viu em mim? Por que não me diz? Mas, e se for alguém de quem não gosto muito... se for alguém que não me atraia nem um pouco... o que faço? Bom, não faço porque não sei quem é. Por esse lado, não saber é bom. Mas deve ser alguém sensível, romântico, de bom gosto... como não gostar de alguém assim? Só se for um psicopata, um maníaco sexual, sei lá... Esse mundo é tão louco.

Arrumei minha bolsa e fui embora, sem antes escutar alguns assovios e gracinhas do tipo “Se rolar alguma coisa à noite você conta quem mandou as flores, tá?”.

Tá.

Tirei o carro da garagem e fui pensando. Poderia pensar bastante porque o trânsito das 5 da tarde estava em pânico. Liguei o rádio e ouvi as últimas notícias no mundo do meu dia estranho. Antes dessa flor – tenho que confessar para mim mesma – minha vida estava andando sem muito entusiasmo... empurrada com a barriga.

Ultimamente era um vácuo. Talvez crise da segunda idade. 26 anos é segunda idade? Preciso ler algo sobre isso. As questões são: eu já não tenho tamanha vontade de cair na balada na sexta-feira e sair dela no domingo em frangalhos... também estou com preguiça de voltar a estudar... Terminei a faculdade de artes plásticas e nunca mais voltei pra sala de aula. Faz dois anos que estou na editora, faço o caderno de arte de uma revista mensal e amo fazer isso... mas preciso me atualizar, visualizar coisas novas, outras possibilidades.

Acho que sei o que falta. O vácuo é a falta de paixão, mas não a paixão que sinto trabalhando ou caindo nas baladas pra beijar na boca e tomar cerveja. Quero a paixão da minha vida ou, pelo menos, a primeira paixão da vida dentre várias que virão. Mil coisas.

Sou querida pelos meus amigos. Eles me chamam para as festas, dizem que sou gente fina, engraçada e “lindinha”, fazem festa surpresa no meu aniversário, enchem meu quarto com salgadinhos chips, bolacha de chocolate recheada e coca-cola pra gente assistir DVD e ouvir música. Meus pais são legais, já não pegam mais no meu pé... Está tudo certo, mas tem algo que fica vazio aqui no peito (só falta eu esmurrar o lado esquerdo do peito e fazer cara de deprimida com música do Roberto Carlos ao fundo). Enfim... essa orquídea veio para dizer que há uma pessoa que repara em mim, e que talvez tenha enxergado o que falta na minha vida, mesmo quando eu pareça tão feliz... Mas essa pessoa não disse quem é.

No dia seguinte as perguntas recomeçaram. Dessa vez foi minha amiga mais próxima, que trabalha em outro editorial e ficou sabendo pela “rádio peão”:

— Sofia, fala sério... você não sabe quem mandou as flores? – perguntou Vanessa puxando a cadeira e sentando-se perto de mim. Ela era a mais cômica, todos os caras descomprometidos já quiseram ficar com ela, e ela já ficou com a maioria.

— Não sei, Vã... sério... Você sabe que estou numa maré totalmente peganínguem*[*]... Fico com uns caras mas não me apaixono, não rola nada, só curtição.

— Mas, será que um desses caras não achou que rola algo mais?

— Acho difícil...

— Pô, Sofia, tem que agitar essa vida aí, tem que sair pra guerra.

— Ultimamente só estou pegando canhão!! – começamos a rir até que a editora do caderno de esporte chamou Vanessa para uma reunião.

Liguei meu computador e o e-mail da editora. Lá havia uma mensagem:

Gostou da orquídea?

Foi lindo vê-la tão surpresa diante de uma flor tão apaixonada. Ela foi com a missão de ficar olhando pra você.

Ela levou apenas um pouco do meu olhar.

Um beijo.


CAPÍTULO 2

Faz 6 meses que estou na editora. Chamaram-me para assumir a editoria de meio ambiente. O salário é legal, a localização da editora também, então... Arrumei minhas coisas e fui deixando bons amigos para trás, mas a fim de assumir novos riscos. Não tenho idade para passar muito tempo num mesmo lugar, quero novos ares, novas pessoas... e foi aí que conheci Sofia.

Ela quem me recebeu quando subi as escadas rumo à redação. Ela ouvia música com fones de ouvido, mas me viu subir com cara de perdida e sorriu. Indicou-me a sala do diretor, desejou-me boa sorte e me deu um toque: “diga que você adora cachorro.”

Deu tudo certo. Saí da sala do chefe feliz e olhei para a mesa dela, que estava vazia naquele momento.

No dia seguinte eu estava de volta, de “mala e cuia”, quando nos encontramos na escada.

— Deu certo. Eu disse que tinha um cachorro e ele se apaixonou por mim.

— Eu sabia... mas tenho certeza de que você também é talentosa.

Rimos e ela me ajudou a carregar uma das caixas cheias de material para o começo de meus trabalhos. Sentei-me numa outra ala, mas, o vão entre armários fazia com que eu a observasse o tempo todo.

Tão espontânea, sorridente... cheia de vida. Maravilhosa. Maravilhosa mesmo, em todos os sentidos. Que bunda! Uma bundinha redondinha linda... nem grande nem pequena, certinha. Usava calças sociais com tênis, elas – as calças – marcavam ainda mais o contorno da bunda redonda... perfeita. Tinha um ótimo gosto ao se vestir, supermoderna. Alta, morena, cabelos longos castanhos com franja, que vez ou outra se transformava num topete quando desmanchada, olhos enormes, atentos, que sorriam com a boca carnuda cheia de dentes brancos e alinhados. Seios fartos, usava decotes que os valorizavam sem vulgaridade, mãos de dedos longos e anéis estilosos, pernas de coxas firmes e tornozelos grossos... eu os vejo quando ela vai de saia.

Óbvio que me encantei. A primeira pessoa que me despertou curiosidade depois que terminei com Júlia. Depois de um tempo de “ressaca amorosa” voltava a fim de encontrar alguém legal, e Sofia era muito legal.

Mas, havia um detalhe importante: ela não me parecia gay. Muito pelo contrário, cada vez que a observava enxergava uma hetero quase convicta. Recebia muitas cantadas dos caras que trabalhavam na editora, flertes, enfim... machos em busca da bela fêmea, e ela se esquivava sutilmente, sempre encarando as situações embaraçosas com graça... E que graça!

Talvez essas recusas fossem um indício de que ela gostasse de outras maneiras de flerte, mas quando saíamos para almoçar – sim, sim... já almoçamos diversas vezes juntas – ela sempre me contava sobre os caras que beijava na balada. Eu ficava meio incomodada, mas fingia interesse só para vê-la sorrir, e falar, e gesticular com alegria.

Quando percebi meu incômodo, cheguei à conclusão de que estava apaixonada.

Pensava em Sofia o tempo todo. Dormia cedo para que a noite passasse mais rápido e rápido eu a reencontrasse no dia seguinte. Sempre encontrava pretexto para encontrá-la na máquina de café, no bebedouro, nos corredores, enfim. A Vanessa, amiga dela, trabalhava próxima a mim e, confesso, tornei-me amiga dela para estar mais perto de Sofia. Vanessa sempre me convidava para almoçar e eu adorava.

Era difícil disfarçar meu interesse. Estava diante de uma mulher que se dizia hetero, então tinha medo de estragar tudo. Até determinado momento eu apenas observava, apenas ficava com os restos de sua atenção, mas agora chegou num ponto que não dá mais, não me agüento mais. Quero Sofia pra mim.

Não quero ser sua melhor amiga, recuso-me a criar este laço de amizade, acho que seria desonesto com ela e sofreríamos muito se eu derrubasse sobre ela minha paixão. Mesmo querendo estar próxima, quero jogar limpo. E já que não tenho coragem de chegar de vez, nada como usar das “armas” de sedução.

Vi de minha mesa Sofia recebendo as flores e fazendo cara de boba, a vi sorrindo sem graça, a vi pensativa e a vi olhando profundamente nos meus olhos representados pelos olhos daquela orquídea linda, tão linda quanto ela. Eu vi tudo isso através do vão dos armários. Ela ficou encantada, e eu mais apaixonada pelo seu encantamento.

No dia seguinte ao recebimento enviei a primeira mensagem... e ela me respondeu:

Adorei a orquídea, sim. Muito obrigada!

É estranho ser observada e presenteada por coisas que não fiz.

Ainda não sei como me sinto, mas se for uma brincadeira...

Sofia

Quando li sua resposta fiquei com vontade de responder em seguida, mas não poderia. As pessoas passam por trás do meu computador o tempo todo, perceberiam, elas são curiosas. Tive que controlar minha ansiedade e me contentar em, vez ou outra, abrir sua mensagem e relê-la. Eu já tinha uma resposta mental prontinha.


CAPÍTULO 3

A ID da mensagem era

Fiquei relendo o e-mail um tempão. Essa mensagem me fez juntar algumas poucas peças: 1. é alguém da empresa; 2. é alguém próximo; 3. só isso.

Estava ainda fazendo o jogo dele pra tentar descobrir. Se fosse uma brincadeira ficaria puta porque não se brinca assim, mandando orquídeas para alguém.

Telefone. Reunião de pauta. Editorias: arte, esporte e meio ambiente.

— Sentem-se meninas. Vamos discutir qual será o assunto comum em arte, esporte e meio ambiente no próximo mês. – disse o Alfredo, nosso velho e bom editor chefe, fechando a porta assim que eu, Vanessa e Isabela entramos na sala. — Mas antes de começarmos tenho que felicitar Sofia pelo admirador secreto que nos trouxe novamente o romantismo que existe em cada um de nós. – declarou sorridente e de braços abertos me deixando sem graça, com um sorriso amarelo estampado no rosto. Vanessa gargalhava e Isabela sorria discretamente.

A reunião terminou no horário de almoço e saímos juntas para o restaurante. Pensei em contar a elas que havia recebido um e-mail do tal admirador, mas achei melhor não dar ibope por enquanto, melhor saber sozinha aonde isso tudo vai dar.

Conversamos sobre outras coisas: falamos de cinema, teatro, o que faríamos no fim de semana (era sexta-feira), etc. Vanessa queria ir numa balada nova no sábado. Isabela disse que ficaria em casa, assistiria DVD e comeria pipoca.

— Pô, Isa!! Você aí lindona fica morgando em casa... Vamos todas pra balada!! – esperneou Vanessa entre uma bola de chiclete e outra.

— Quer saber, estou mais pra um programa assim também, viu?! Estou cansada de balada, balada, balada... – eu disse terminando o sorvete.

— Nossa!! Duas velhas!! – lamentou a adolescente do trio levantando-se da mesa. Nós a acompanhamos.

— Poderíamos marcar uma sessão de filmes, né Isa? – propus à Isabela que estava meio calada durante o almoço. Estava viajando e assustou-se quando falei.

— Ah! Sim... podemos!

— Vai fazer alguma coisa no domingo?

— Não...

— Então por que não vai em casa? Pego um filme legal, você leva outro... A pipoca e a coca-cola ficam por minha conta. – convidei-a sorrindo e ela me pareceu estranhar o convite. Não sei por quê...

— Tá. Levo um filme legal. Pode ser às 3?

— Combinado.

— Eu vou chegar às 5 porque aí já acordei da balada do sábado. – intrometeu-se Vanessa divertida. — Estão pensando que farão programinhas sem mim?!!

Cheguei em casa, larguei a bolsa, tranquei-me no quarto e abri meu computador. Sem querer a expectativa começava a me dominar.

Havia e-mail.

Você faz muito por mim, faz com que eu me sinta feliz em vê-la sorrir, brincar. Sua felicidade faz a minha alegria diária.

Entendo que seja estranho, mas minha intenção não é causar um problema, é só dizer que você é especial pra mim.

Um beijo.

E o cara ainda escreve bem... Deus do céu, quem será? O Rodrigo... o Gustavo... o João... não, eles não. O Farias, não. O Rodolfo? Menos ainda! Não consigo adivinhar... não imagino nenhum deles escrevendo algo assim... sensível, bonito.

Fui tomar banho... relaxar, pensar, encontrar alguém em quem não tinha pensado ainda. Assim que saí do chuveiro o telefone tocou. O pessoal iria beber num bar aqui perto de casa. Eu disse que estava com sono. Voltei para o computador... queria saber quem era ele naquela noite.

Não entendo como, sem querer, consegui fazer isso.

Você não me conhece, talvez eu não seja quem você pensa que sou...

Se queria apenas dizer que sou especial pra você, por que não se identificou?

Quem é você?

Sofia

Às 8h30 da noite veio a resposta.

Sabe quando há coisas que precisamos fazer ou nos arrependeremos para o resto da vida? O caso é este.

Acho que ainda não posso me identificar, mas acho que você poderia prestar mais atenção aos detalhes, porque eles dizem muito a meu respeito, e queria que você soubesse quem sou sem ter de me ver... ainda... entende?

Você sabe o que pode representar a orquídea?

Um beijo.

Fui até o Google pesquisar. Às 9h respondi.

Tenho que confessar que não conhecia muito de flores, mas foi divertido pesquisar. Gostei da orquídea, além de ser linda é interessante. O “cruzamento” de duas espécies diferentes gera uma outra orquídea.

Mas, o que isso tem a ver com tudo? É um enigma? O que você quis dizer me presenteando com uma orquídea?

Desculpa dizer, mas você é uma pessoa muito sensível para ser algum dos meninos que trabalham comigo...

Estou enganada?

Sofia

Às 10h chegou nova resposta. Eu não sabia mais o que fazer de ansiedade. Ao mesmo tempo que aquele mistério me encantava, estava me deixando cismada, angustiada.

Sim. As orquídeas dizem muito, representam muitas coisas...

Quando eu lhe dei, quis que representasse o que você é e o que poderíamos ser... Mas, deixa pra lá, um dia, se tudo der certo, te explico.

Você está dizendo que os homens são insensíveis???

Eu poderia me ofender com essa afirmação, mas não me ofendo porque não me sinto homem ou mulher, apenas uma pessoa que se apaixona.

Um beijo.

Apaixonar?

Já estávamos indo por um caminho bem delicado. Gente, como eu pude mexer tanto com uma pessoa e não saber, não me dar conta. Será que a insensível sou eu? Cega, que olha apenas para o próprio umbigo.

Eu precisava saber.

Enviei uma mensagem curta e grossa às 10h30:

Mande-me seu MSN.

Será que fui rápida demais? Já passava das 11... Fiquei perambulando pelo quarto, entrei em sites desinteressantes, fui até a cozinha e minha mãe estranhou me ver em casa àquela hora... “estou meio indisposta, mãe... nada de mais...”. Voltei para o quarto e tranquei a porta. Resisti mais alguns minutos até que abri meu e-mail:

adorosofia@hotmail.com

Senti um frio na barriga, mas adicionei. Estava on-line.


sofia.tomaz: Oi.

adorosofia: Olá, linda!

st: aqui as respostas têm de ser mais rápidas...

as: pode ser que eu não responda a todas as suas perguntas...

st: por que isso? Por que as flores, por que não veio falar comigo?

as: porque preciso tomar cuidado...

st: como assim?

as: porque primeiro preciso fazer com que vc se apaixone por mim...

st: assim não é a maneira mais difícil?

as: por que vc não se deixa levar? Não te farei mal...

st: é que é difícil falar de sentimentos com alguém que não vejo...

as: nunca teclou com ninguém desconhecido numa sala de bate-papo?

st: não... nunca fui adepta desse meio de relacionamento.

as: não quer tentar? Vc já deve ter perdido sua balada de hoje...

st: é verdade. Já que estou aqui né...

as: o que vc gosta de fazer?

st: como assim? No lazer, no trabalho?... Bom, vc deve saber o que faço no trabalho...

as: no lazer...

st: gosto de ler, ir ao cinema, teatro... vc sabe que gosto de arte.

as: mas gosta de baladas também...

st: gosto, mas ultimamente estou mais calma... não é mais tão divertido...

as: por quê?

st: não sei... já não acho mais tão emocionante passar a noite fora, ir pra uma balada a fim de beijar sem sentimento algum... apenas um tesão que passa assim como veio...

as: eu sinto falta de ter alguém, alguém com quem eu possa comer pipoca assistindo filmes...

st: farei uma sessão de filmes com pipoca amanhã... se dissesse quem é poderia vir até aqui...

as: você é perspicaz...

st: muito...

as: o que mais vc é?

st: sou emocional... e ficaria furiosa se tudo isso fosse uma brincadeira de mau gosto.

as: de minha parte não é...

st: vc pode ser um psicopata, nesse mundo tem tanto doente a fim de acabar com a vida de alguém...

as: jamais te faria mal... já disse. Um dia vai saber quem sou e vai decidir por si só. Só não queria que soubesse antes... Você não me deixaria falar...

st: por que não? Por que acha que eu não deixaria vc falar??

as: não sei... resolvi não arriscar... Assim vc me lê, me vê em outro aspecto... acho que terei mais chances...

st: isso tá estranho... E se eu parar de falar com vc por e-mail e MSN?

as: não te perturbo nunca mais...

st: e não saberei quem vc é...

as: exatamente.

Não sei se quero isso. Ele sabe instigar minha curiosidade como ninguém nunca fez!

st: e vc gosta de fazer o quê?

as: além de assistir a filmes e comer pipoca gosto muito de conversar, passear, rir, beijar...

st: vc é comprometido?

as: não... fazia um bom tempo que não me apaixonava... até surgir vc.

st: vc é cafa?

as: eu??? rsrs... não, não sou... sou sempre de uma pessoa só.

st: qual seu livro preferido?

as: a disciplina do amor

st: sério?! Nossa, esse livro é maravilhoso... também adoro... Vc sabia que eu gostava desse livro, por isso falou dele???

as: juro que não sabia...

st: tô ficando paranóica...

as: é, acho que tá...

st: sua culpa...

as: desculpa, é necessário...

st: um filme?

as: O fabuloso destino de Amelie Poulan e uma infinidade de outros...

st: esse eu não assisti...

as: assistiremos

st: qual seu chocolate preferido?

as: todos...

st: boa...

...

st: loucura isso... Vc tá mexendo com a minha vida, tem noção?

as: tenho sim, Sofia. Eu precisava fazer isso, precisava de alguma forma dizer que vc é linda, inteligente, atraente... que vc precisa ter alguém que te faça feliz...

Quando ele escreveu meu nome: Sofia... senti um frio na barriga.

st: vc me acha atraente?

as: muito. Vc tem um olhar tão expressivo! uma fisionomia de paz constante... adoro seu sorriso, ouvir sua voz que sorri também...

st: nossa! Não falou de nenhuma parte do meu corpo...

as: vc quer que eu faça isso? Posso começar agora, rs.

st: não, é que é estranho não falar dos atributos físicos da pessoa pela qual se sente atraído...

as: outros “atributos” além da beleza física são muito atraentes, pelo menos pra mim... Mas... adoro suas pernas, rsrsrs.

st: Ahhhhhhhh!!!

Sentia um calor e uma falta do que dizer a esta pessoa tão habilidosa com as palavras. Não sei o que acontecia comigo, mas acho que estava ficando excitada e a fim de provocá-lo... Já que eu não o via... já que ele poderia estar brincando comigo... poderia brincar com ele... ou não... o tiro poderia sair pela culatra.

st: o que mais?

as: mais muitas coisas... mas acho melhor vc não me provocar...

st: por quê? Vc está me provocando desde que enviou aquelas flores... por que não posso mexer com suas emoções como vc mexe com as minhas?

as: o que vc quer que eu faça?

st: que vc pense no que faria se eu fosse sua...

Não sei onde estou me metendo... de verdade... acho que apertei o gatilho.

as: primeiro olharia nos seus olhos com força pra vc, finalmente, perceber que não estou brincando. Depois te beijaria devagar pra que vc pudesse sentir meu coração disparado... e eu tocaria o seu pra saber se ele estaria tão agitado quanto o meu... Mas... como já estaria com a mão no seu coração, desceria um pouco mais até seu seio e o sentiria enrijecer em minha mão, que o acariciaria com carinho e cuidado... Quer que continue?

st: sim, vamos ver até onde vc vai...

Não sabia mais o que estava fazendo. Estava na cara que perdia, gradativamente, o controle... e estava ficando totalmente excitada com aquilo. O tiro, que achei que fosse contra ele, voltou-se contra mim.

as: abriria sua camisa e olharia para seus seios com adoração até beijá-los e ir descendo por sua pele macia até chegar em sua barriga, e no zíper de sua calça... Eu apertaria sua bunda com tesão, desabotoaria sua calça... e beijaria seu ventre próximo à sua virilha... E depois de ter abaixado sua calça até os joelhos, afastaria sua calcinha para que meus dedos pudessem entrar em vc e, ao mesmo tempo, eu pudesse beijar seu sexo com toda paixão que explode em mim...

Eu estava molhada.

Eu precisava me tocar.

Fechei o MSN. Não poderia continuar lendo aquilo e me excitando com uma pessoa que eu não conhecia, não via. Que absurdo!! Fui tomar outro banho. Já passava das 2h da manhã.

Ela fechou o MSN. Alguma coisa ela sentiu... se ela sentiu o mesmo que estou sentindo deve estar pegando fogo. Desliguei rapidamente o computador e fui para a cama. Não pude resistir. Reconstituí novamente toda a cena, imaginei-me tocando-a, beijando-a, dizendo que a amava em seu ouvido. Depois de segundos acariciando meu ponto mais sensível, gozei.

Que mulher! Parece que a senti em cima de mim... que loucura!

Depois de, virtualmente, mentalmente, fantasiosamente, fazer amor com Sofia, senti a paixão me invadir ainda mais. Preciso contar a ela, preciso que ela saiba antes que eu exploda e faça alguma besteira em público.

Mas, depois do que aconteceu hoje, acho que não consigo encará-la amanhã... Preciso contar, mas não amanhã. Preciso de tempo para me preparar.

No chuveiro fiquei imaginando a cena que ele descreveu. Enfiei meus dedos em mim como ele disse que faria. Lembrei-me de cada palavra, cada expressão... Era diferente. Não soava grosseiro, nem vulgar... era sensual, cheio de um tesão que me tomava. Fui escorregando os dedos num movimento frenético enquanto a outra mão tocava meus seios e a água acariciava meu corpo inteiro. Gozei.

— Alô!

— Sofia, é Isabela...

— Oi, Isa. Tudo bem?

— Mais ou menos. Estou com uma dor de cabeça... Acho que não conseguirei ir até sua casa...

— Ahhh!!! Que pena, Isa!... já tinha até escolhido o filme...

— Desculpa...

— Não, tudo bem... você precisa melhorar. Será que nos veremos amanhã?

— Com certeza. Amanhã estarei melhor.

— Isa?

— Quê?

— É só isso mesmo?

— Sim..., ... vou ficar bem. Um beijo.

— Outro e... melhoras.

Veio a ressaca da dose de ontem. Acordei mal, como se tivesse abusado de Sofia. Eu sei quem ela é, sei seu corpo, seu rosto... ela não sabe nada sobre mim, ela pensa que sou um homem!! Não é justo nem comigo, nem com ela.

Ou então sumo da vida dela. Volto a ser apenas Isabela, a colega de trabalho que, vez ou outra, almoça e assiste filmes com ela.

Isabela estava com a voz péssima. Parecia algo além do físico, mas não somos tão amigas pra que ela me conte. Também não sei se eu contaria o que aconteceu ontem. Hoje me sinto estranha, sinto-me usada, apesar de também ter sentido prazer. Na verdade estou confusa. A conversa, aquelas palavras... jogos de palavras que fizeram aquilo comigo. Só palavras... porque não tenho a imagem, nem ao menos a descrição de quem fez sexo comigo. É isso o que chamam de sexo virtual?


CAPÍTULO 4

Segunda-feira

Cheguei disposta a ser mais observadora. Comecei a olhar para as pessoas que trabalham comigo a fim de enxergá-las. Precisava descobrir quem estava bagunçando minha vida. Ontem abri meu e-mail um milhão de vezes pra ver se havia mensagem dele. E nada. Insustentável esta situação!

Passei pela recepção do prédio, subi as escadas calmamente, fui pra minha mesa cumprimentando quem cruzasse meu caminho – “bom-dia, tudo bem?” –, sentei-me, liguei o computador (automaticamente abri meu e-mail... nada), olhei discretamente ao redor. Parecia que todos já haviam esquecido, estavam correndo, no fax, na máquina de cópia, compenetrados em seus computadores... nenhum sinal, nenhum olhar ou movimento suspeito.

Levantei-me, fui ao banheiro fazer xixi e me olhar no espelho. Instantaneamente comecei a arrumar meu cabelo, esticar minha roupa... misteriosamente quis ficar mais bonita. Misteriosamente nada: queria estar mais bonita para quem estivesse me olhando. Acho que estou pirando.

Fui pegar água no bebedouro próximo à copa quando ouvi a seguinte conversa:

— Adoro rosa e flores do campo, mas minha paixão é a orquídea.

— Ela é mesmo linda. Além de bonita, traz tantas mensagens subliminares...

— Já ouvi falar...

— O cruzamento de duas espécies diferentes gera uma outra orquídea, por exemplo. Mas ela também sugere amor, sexo, luxúria...

— Não sabia disso... você é entendida de orquídea, hein, Isabela?!!

Quando ouvi esse nome despertei do torpor e, cambaleante, voltei para meu lugar sem fazer barulho. Deixei meu copo d’água sobre a mesa – estava trêmula – e voltei a me trancar no banheiro.

É ELA!!!

Meu Deus!!! Foi Isabela quem me mandou a orquídea!!! Debrucei-me sobre a pia e olhei-me no espelho com olhos inundados... tentando ver minha expressão e reação diante da descoberta.

Agora muita coisa fazia sentido. Ela dizer pelo MSN que se eu soubesse quem ela era não a deixaria falar; que precisava tomar cuidado, que antes de se mostrar eu precisaria me apaixonar! Por isso ela não quis ir até minha casa no domingo! Por isso ela disse que sentia falta de assistir a filmes e comer pipoca com alguém! É ELA!!! Ela almoça comigo, conversa comigo, sempre muito gentil, sempre me olha nos olhos, está sempre entre o vão dos armários... Ela estava diferente na sexta-feira...

Minhas lágrimas escorriam, meu nariz ficava vermelho, meu aspecto horrível. E eu nem sabia, exatamente, por quê. Por que fui enganada? Por que me senti usada? Por que ela é uma... mulher???

Não sei. Não sei exatamente se sentia raiva... mas ainda sentia o choque.

Lavei o rosto, assoei o nariz e saí do banheiro.

Alguns estranharam meu comportamento aquele dia, inclusive Isabela. E eu tentei fugir de todas as formas.

— Tá tudo bem com você, Sofia?

Ela me perguntou preocupada, franzindo o cenho e segurando meu braço, quando, inevitavelmente, cruzamo-nos num dos corredores. Olhei-a fixamente e respondi tentando ser espontânea:

— Mais ou menos. Acho que a sua dor de cabeça passou pra mim. – ironizei, mas, óbvio, ela não entendeu.

— Tenho remédio, posso buscar pra você.

— Não, obrigada. – e fui saindo apressada, sem chance para esticar a conversa.

Vanessa também me perguntou, dei a mesma resposta. Chamou-me para almoçarmos, mas inventei uma desculpa e acabei saindo depois delas e dos meninos. Antes queria ver meu e-mail. Havia uma mensagem:

Desculpe-me se te aborreci no sábado, mas não posso continuar reprimindo em mim o que sinto... e você me provocou...

No domingo acordei com um certo incômodo. Preciso te contar quem sou antes que, em vez de me amar, você me odeie.

Um beijo.

Não sabia o que responder. Primeiro eu teria de resolver algumas questões comigo mesma:

O que significava estar sendo desejada por uma mulher?

O que eu sentia antes e o que sinto agora depois de descobrir que meu “admirador” é uma mulher?

O que pode ser eu me apaixonar por uma mulher?

Acho que preciso resolver essas questões comigo e, talvez, com ela.

Fui embora. Foi um dia mais entranho que quinta-feira. O que mais pode acontecer?

Nunca cogitei que meu admirador pudesse ser mulher. Por quê? Nunca tive problemas em aceitar o amor entre pessoas do mesmo sexo, mas acho que nunca me coloquei na situação. Ser amada por uma pessoa que eu ame acho que é mais importante do que estabelecer se quero que esse amor venha de um homem ou de uma mulher. Nunca amei de verdade mesmo... nem homem nem mulher. Sempre senti falta da paixão que tira parte ou todo o controle da razão, sempre senti uma ponta de inveja das amigas que vivem as paixões arrebatadoras – paixões longas ou curtas, mas vivem intensamente esse sentimento que só percebo nelas, nos filmes que vejo e nos livros que leio.

Tranquei-me no quarto. Atirei-me sobre a cama de roupa e tudo, inclusive com a dor de cabeça, que agora era verídica. Refletir estressa... refletir sobre si mesma e sobre a vida que se leva até o momento pode levar à estafa. Abracei uma almofada e concentrei-me em montar um filme mental que me mostrasse quem era Isabela desde quando chegou à editora.

Fui eu quem a indicou a sala do Edson, lembro bem. Ela subiu as escadas com olhos perdidos e me encontrou na mesa ao lado. Fui eu quem deu a dica pra ela dizer que adorava cachorro – falei isso porque achei-a simpática, educada –, e fui a primeira da editora a saber que tudo tinha dado certo quando cruzamo-nos na escada e eu a ajudei a carregar as caixas da mudança.

Minha primeira impressão? Além de simpática e educada, achei-a elegante, pensei até que seria nossa nova editora executiva, mas foi posta na vaga da Carmem. Chegou discretamente, mas logo ouvi histórias de que era uma grande editora na revista da qual saiu. Saiu porque queria novos desafios, novas experiências e queria participar do crescimento da editora e tal. Alguns já a conheciam, todos falam bem dela, que é uma profissional ética, competente e dura nos momentos que exigem decisão e firmeza de opinião. Também já tinha ouvido falar que é uma pessoa to-tal-men-te voltada para o trabalho... que ninguém nunca a viu na companhia de um marido, namorado, caso, cachorro... enfim. Nunca falei sobre isso com ela... nunca me senti tão próxima pra isso. Na verdade, acho que a vejo/via como uma pessoa “superior” a mim.

Isabela sempre foi na dela, nunca quis ser minha melhor amiga... e acho que não é a melhor amiga de ninguém ali. Sempre senti nela a divisão clara: trabalho é trabalho, fora da editora ninguém sabe, é vida a parte. Agora isso se mostra misterioso pra mim... Uma vez Rodolfo perguntou se eu era amiga dela, disse que a achava linda e queria ter uma chance de aproximação. Não me lembro o que respondi, não dei atenção ao desenrolar da história, mas sei que ele se aproximou dela e ficaram... colegas. Ele sempre diz que queria uma mulher como ela, mas também nunca disse se tentou tê-la ou não. Outros homens a olhavam e a desejavam, mas parece que perdiam a “força” de conquistá-la com o tempo... eu nunca me preocupei em saber o porquê.

Recuperando algumas imagens, lembro-me de que algumas vezes elogiei seu jeito altivo de ser, coberta de uma dignidade e generosidade, que se mostrava em algumas situações delicadas de trabalho. Ela sempre me olha nos olhos e achei que fosse assim com todo mundo. Talvez não seja. Que tonta eu fui! Provavelmente Isabela me avisa quando me encara com olhos castanho-claros brilhantes, quando sorri tão meiga e radiante diante das besteiras que digo. No meu aniversário, há pouco mais de dois meses, ela me abraçou apertado e disse no meu ouvido que eu era especial, deu-me de presente um livro de poemas do Fernando Pessoa... ela já deveria saber que sou apaixonada por ele.

Isabela sempre me observou e eu nunca a observei com o mesmo cuidado.

Pensar nela apaixonada por mim chega a ser engraçado. Não que eu me menospreze... claro que sei dos meus valores, da minha beleza e do meu charme irresistível (e modéstia ímpar), mas é que Isabela sempre pareceu maior que eu em seus saltos, em suas roupas sempre tão bem esticadas, mãos tão bem cuidadas (às vezes rôo minhas unhas), sempre tão elegante... bonita. Por outro lado, pensar nela apaixonada por mim me lisonjeia, faz com que eu me sinta na mesma “altura” que ela... Que poder conquistar uma mulher como ela!

Conheci o outro lado de Isabela sem saber que era ela. Fazer o que ela fez... enviar-me aqueles e-mails tão sensíveis – bem que desconfiei de que não vinham dos homens da editora – aquela conversa no MSN, aquele clima de intimidade, aquelas palavras que diziam o que ela faria comigo... Levantei-me com calor ao imaginar a cena que imaginei antes com um homem... agora com ela. Nossa! De repente uma inquietação... tirei a roupa e fui para o chuveiro.

******************************************************************************

Ela não me respondeu.

Acho que coloquei tudo a perder naquela conversa de MSN. Foi rápida demais, sua imbecil.

E se ela não responder nunca mais? E se ela se cansou da “brincadeira”?

Eu disse que a deixaria em paz se ela me ignorasse. Tenho que cumprir minha palavra. Mas, sem antes tentar, sem dizer quem sou... ficar incógnita como um eterno ponto de interrogação na vida dela? Como vou continuar encarando-a se eu não disser... e se eu disser e ela reagir com indiferença, desprezo... aversão? Como continuar ocupando espaços tão próximos, vendo-a todos os dias pelo vão dos armários? Esperar um pouco mais? Enviar outra mensagem? Contar de uma vez?

Preciso ouvir música.


CAPÍTULO 5

No dia seguinte não fui pra redação, tive que fazer uma matéria no Museu da Língua Portuguesa, na estação da Luz. Não demorei, mas fingi que sim, porque não queria voltar para a editora.

Não dormi muito bem, estava inquieta, queria continuar pensando, chegar a uma conclusão dentro de mim, mas acho que precisaria da ajuda dela. Sentei-me diante do computador mil vezes e mil vezes escolhi tanto as palavras que não consegui responder ao e-mail de Isabela. Na verdade eu não conseguia parar de pensar nela, e ainda não sabia se queria que isso acontecesse.

Passei a manhã inteira no museu e à tarde voltei pra casa. Redigi a matéria e fiquei horas olhando para a tela em branco, até que escrevi.

Oi.

Demorei pra responder... acho que percebeu, não é?

Estou confusa. Antes estava, mas agora estou confusa elevada ao cubo porque acho que sei quem você é.

Você causou um reboliço em mim, sabia? Espero que saiba.

Antes eu encarava tudo isso com um certo humor adolescente, mas agora é diferente porque não se trata de uma paixonite de brincadeira... agora – que eu sei –, sei também que envolve mudanças de conceitos que estavam enraizados em mim e eu não sabia; envolve o meu jeito de encarar o amor e a vida...

Sofia.

Passei a noite em claro. Mais uma.

Andei pelo quarto, pela casa, já tinha uma letra de bolero inteira na cabeça. Pensei em beber, fumar, deprimir, mas, pra quê? Amanhã tenho que estar bem... pra ela.

Por que não me apaixonei pela Carlinha, que faz fit boxe comigo e já demonstrou interesse por mim? Ou pela Luísa, a pretendente que nunca foi correspondida por mim? Talvez esteja pagando meus pecados por nunca ter dado uma chance a ela. Sei lá.

Abri minha caixa postal a noite inteira e nenhum e-mail dela.

Acordei, mentalizei um dia maravilhoso e fui pra editora. Ela não estava lá.

8h30

9h30

10h30

Não resisti, meu coração não suportava mais a ansiedade, perguntei a Vanessa se havia acontecido algo com Sofia.

— Não. Ela foi fazer matéria no Museu da Língua Portuguesa... acho que não vem hoje.

Ufa! Não sei se senti a saudade aumentar ou alívio, assim não corria o risco de ir até sua mesa perguntar por que não respondeu à minha mensagem.

A mentalização foi uma droga. Nunca consegui ser mística e energética. Meu dia se arrastou, cheio de ansiedade e vazio de Sofia. Fui embora às 5 da tarde.

Passei pelo supermercado, pela farmácia e pelo posto de gasolina. Não fui à academia. Estava prestes a mudar o caminho e ir bater no apartamento de Sofia. A imagem da mãe dela abrindo a porta me fez recuar. Larguei tudo e liguei o computador. Havia uma mensagem. Era dela.

ELA SABE???

Como assim ela sabe??

Senti um frio na espinha, uma vertigem, o chão sumiu de meus pés, tive vontade de me esconder mesmo estando sozinha diante da tela do computador. Como ela sabe? Será que sabe mesmo? Será que não está blefando, pensando que sou outra pessoa? Mas, ela falou em “mudar conceitos”, seu “jeito de encarar o amor e a vida”. Acho que ela me descobriu... Mas, como?

Levantei-me, esfreguei as mãos, prendi meu cabelo, fui à cozinha buscar um suco. Sentei-me novamente e respirei fundo. Vamos lá:

Oi, linda

Será que sabe realmente quem sou?

Se não souber estou prestes a dizer, mas queria ir com cuidado para não te machucar.

Foi muito difícil pra mim tomar a iniciativa de começar esta conversa (por meio de uma orquídea), mas eu precisava porque estava me sufocando.

Desculpa causar o que estou causando a você, mas é necessário para que eu e você saibamos exatamente o que queremos e para onde seremos levadAS se aceitarmos o que está acontecendo... ou não.

É, levadAs... Se pretende mudar seus conceitos com relação ao amor sexual, é melhor que eu deixe claro – se é que há dúvidas – de que sou uma mulher que sabe bem o que quer e não pretende ser leviana com você.

Não sei mais o que dizer a princípio. Saberei se você estiver disposta a me ouvir abertamente.

Um beijo.

Espero que ela responda logo... e que aceite pelo menos conversar a respeito. Acho que lancei todos os dados, terei tudo ou nada. O nada implica muita coisa, inclusive sair da editora porque acho que agora fui longe demais para recuar. Nunca tive a intenção de brincar com ela, espero que entenda isso.

Minha vontade era ir até lá... mas preciso me acalmar. Fui dar outra volta na cozinha e assistir novela... isto é, fingir que assistia.

******************************************************************************

Isabela é corajosa. Eu poderia simplesmente ignorá-la, fazer de conta que nunca recebi essas mensagens para não ter que passar por isso. Poderia sentir aversão por um sentimento sentido assim por outra mulher.

Decidir aceitar o que ela diz que tem a me oferecer é realmente mudar minha vida, é aceitar que minha paixão pode vir a ser por uma mulher... entregar-me a uma mulher é beijá-la, tocá-la, deixar que ela entre em mim com os dedos e faça amor comigo... É dizer pra todos... ou omitir... que amo uma pessoa do mesmo sexo que o meu, é enfrentar meus pais, meus avós, é testar a amizade dos meus amigos, é ver, do lado de quem é ofendido, a quantas anda o preconceito.

Eu não sei até que ponto sou corajosa para testar tudo isso.

Ela respondeu. Colocou-me contra a parede. Eu queria, mas não queria tudo aquilo.

Entrei no MSN.

sofia.tomaz

isabela.fontes

Ela estava conectada.

st: acho que aqui podemos conversar melhor...

if: sim... mas, na verdade, acho que conversaríamos melhor pessoalmente...

st: vamos com calma... isso tudo tá muito confuso pra mim...

if: desculpa, Sofia...

Senti o mesmo frio na barriga quando ela disse meu nome.

if: mas, antes de qualquer coisa... como descobriu que sou eu sua admiradora secreta?

st: escutei, na segunda, uma conversa sobre orquídeas na copa do editorial.

...

st: vc se apropria indevidamente das falas alheias, poderia te processar, exigir direito autoral...

if: nossa... que gafe... não queria que vc soubesse dessa maneira. Desculpa de novo... estou me descobrindo uma total atrapalhada.

st: pare de se desculpar... vc já fez, já era...

if: espero que não esteja muito brava comigo...

st: ainda não sei se estou, vai depender da nossa conversa...

if: então, deixe que eu me apresente: sou Isabela, a editora de meio ambiente que, desde que entrou no editorial, há 6 meses, ficou encantada por vc, Sofia.

st: por quê?

if: vc já me fez essa pergunta...

st: agora é diferente...

if: por que sou mulher, não sou um dos homens da editora que vc pensou que fosse seu admirador?

st: não conseguia imaginar que fosse algum deles... na verdade acho que agora as coisas fazem sentido... mas estou assustada...

if: com o quê?

st: ainda não sei...

if: com a possibilidade de se apaixonar por mim?

...

Não sabia o que dizer, mas acho que era isso, sim, porque meu corpo dizia que começava a se envolver.

if: linda, não precisa ser tão complicado, deixa eu te mostrar como pode ser especial. Estou há tanto tempo tomando coragem para mostrar a vc o quanto podemos aproveitar esse sentimento legal que está surgindo entre nós...

st: vc manipulou meu sentimento...

if: não fiz isso, apenas fiz com que ele viesse à tona.

st: vc não disse quem era, poderia ter se aproximado, deixado que eu a conhecesse mais... talvez assim fosse mais honesto... vc poderia ter me dito...

if: honesto? Vc acha que seria honesto me tornar sua melhor amiga pra depois dizer que sou apaixonada por vc? Aí sim estaria te manipulando... Eu quero que vc me conheça agora, do zero.

st: vc parece bem determinada...

if: sou totalmente determinada. Também sou outras coisas que gostaria de te mostrar...

st: sempre tão discreta...

if: sempre... principalmente porque eu já sabia que queria vc, assim que entrei na empresa.

st: eu não sei nada sobre vc, Isa...

Chamei-a de Isa... Estava começando a ficar angustiada.

if: o que vc quer saber para que possamos nos encontrar?

Mais frio na barriga.

st: não sei... diz alguma coisa...

if: tenho 31, nasci no interior de SP (São José do Rio Preto), mas vim pra capital bem nova, sempre tirei boas notas na escola, mesmo assim, talvez, eu não tenha sido boa filha para meus pais, pois quando descobriram que eu tinha uma namorada na faculdade de jornalismo me convidaram a ir morar sozinha. Eles me fizeram um bem, mesmo achando que me davam um castigo. Tornei-me totalmente independente, tornei-me uma boa profissional, acho que me tornei uma boa pessoa também. Tive dois relacionamentos sérios que foram ótimos enquanto duraram porque tiveram muito amor... os dois foram bem resolvidos e terminaram bem, nenhuma delas riscou meu carro ou me mandaram flores mortas dentro de uma caixa. Tenho ótimo humor, durmo muito tarde, gosto de dormir abraçada, adoro assistir DVD comendo pipoca, gosto de sair com os amigos, mas já não curto muito passar a noite em baladas... bebo socialmente e não fumo... sou meio desorganizada, mas me encontro na bagunça... gosto de cores fortes, geralmente como alimentos naturais, mas me acabo no chocolate. Que mais?

st: pensei que tivesse menos de 31...

if: eu me cuido...

st: vc, mais do que eu, sabe o quanto um relacionamento assim pode ser complicado.

if: um relacionamento HOMOSSEXUAL é como qualquer outro... mas pode ser complicado se vc se importar muito com a opinião dos outros.

...

if: as pessoas precisam parar de estabelecer padrões para o amor, a paixão, atração, seja lá o que for. Vc já se olhou no espelho? Vc é linda! Já conversou com vc mesma? Vc é interessantíssima. Esses são motivos suficientes para eu me apaixonar por vc, pouco me importa se vc é mulher e eu também.

st: não é tão fácil...

if: me dê uma chance pra eu te mostrar que pode ser...

...

if: diga que não ficou excitada quando conversamos pelo MSN pela primeira vez... diga que não sente um pingo de vontade de estar comigo pra descobrir se podemos ser felizes juntas... ou, pelo menos, boas amigas...

st: não sei ainda se o que estou sentindo é uma atração ou uma curiosidade...

if: descubra, Sofia! Comigo...

...

if: amanhã é feriado. Vamos almoçar, jantar, lanchar, beber, sei lá... vamos a um parque, ao shopping, a um barzinho... tanto faz. Deixa eu olhar pra vc agora que sei que vc sabe, me deixa sentir o alívio de te olhar sem o peso desse segredo que me atormentava há tanto tempo...

st: escolha o lugar.

if: pode ser no Ibirapuera, em frente ao portão 2? À tarde, às 15h? Se vc quiser podemos sair de lá e passar num bar bonitinho que freqüento às vezes...

...

...

if: Sofia?

st: estou aqui.

if: Te espero lá amanhã, então?

st: sim, estarei lá.

E desliguei.

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Desligou.

Estou nervosa, mas aliviada. Finalmente Sofia sabe... e ela foi tão meiga, sensível...

Entendo a confusão dela, entendo que tenha dúvidas e medos, também tenho, mais medo por ela não topar descobrir comigo o que podemos ser juntas. Tenho pavor de pensar que ela pode voltar atrás. Se bem que ela ainda não deu nenhum passo a frente. Devagar, devagar, Isabela...

Estou nervosa, mas feliz. Acho que fiz minha parte no que cabe à minha vida. O lema é sempre arriscar o que for preciso e possível para se sentir realizada. Foi o que fiz... joguei os dados e agora só me resta esperar, aguardar para saber se serei correspondida, afinal, minha felicidade, neste momento, depende dela.

CAPÍTULO 6

Dormi melhor, mas pouco porque parecia criança quando espera muito por algo inesquecível. Queria acordar sem olheiras, queria acordar sentindo-me a melhor pessoa do mundo, segura de mim e dos outros, queria que Sofia sentisse orgulho de mim. Dormi feliz e acordei cedo. Para esquecer um pouco e relaxar, fui à academia e ouvi dizerem que eu estava com um aspecto ótimo, como há muito não viam.

Almocei num restaurante e voltei pra casa a fim de ficar linda. Não a deixaria escapar... não fui tão longe pra perdê-la agora. Preciso ser cautelosa, compreensiva, mas quando ela olhar pra mim saberá... saberá que valerá a pena, tenho certeza. Imagino seus olhos sorridentes no meu, imagino meu nariz roçando seu pescoço, minhas mãos reconhecendo seu corpo, minha boca na sua. Ai, meu Deus! Vou morrer de tesão! Mas preciso me controlar.

Vesti um jeans, uma camiseta regata, um casaco de lã com zíper, calcei uma bota, soltei meu cabelo, olhei-me novamente no espelho depois de passar batom e saí.

Faz uma hora e dez minutos que espero por ela.

Deixei o carro longe e estou aqui sentada na guia, em frente ao portão 2 do parque do Ibirapuera, segurando uma garrafinha de água pela metade. Olhei pra dentro do parque pela nonagésima vez. Tirei o casaco porque o sol estava quente. Acho que meu cabelo já não está tão arrumado, as olheiras devem ter surgido pra denunciar as horas que não dormi. Já não me sentia a melhor pessoa do mundo – muito pelo contrário –, também não estava segura de nada e muito menos Sofia sentia orgulho de mim.

Sentia vontade de chorar.

Depois de uma hora e meia de espera voltei para o carro e fui embora.

******************************************************************************

Não fui.

Não tinha certeza de que queria ir, então não fui.

Cheguei a uma conclusão durante a noite enquanto pensava em Isabela e meu coração disparava: também estou apaixonada. Só pode ser paixão este sentimento que não conheço e que me invade. Esta febre interna, esta excitação, esta “arritmia cardíaca”, este pensamento constante em Isabela só pode corresponder à tal da paixão. Sinto-me sufocar.

Mesmo assim não fui porque me faltou coragem. Posso ser a mulher mais desencanada, engraçada e a-p-a-r-e-n-t-e-m-e-n-t-e segura do mundo, mas, na verdade, sou frágil e i-n-s-e-g-u-r-a. Talvez também seja muito covarde. É só descobrir a paixão e várias variantes negativas de minha personalidade vêm à tona... e eu me sinto um lixo por não saber lidar com elas.

Isabela é uma mulher madura, vivida, mesmo sendo jovem. Já tem uma vida totalmente independente, já amou, já desamou... Eu ainda nem saí da casa dos meus pais, nunca tive um relacionamento amoroso sério na vida... agora me aparece essa mulher dizendo que está apaixonada por mim!

Será que consigo?

Passei um feriado de quarta-feira péssimo. Não conseguia sair de dentro de mim... e mesmo estando como uma ostra não resolvia nada. Covarde.

Abri minha caixa postal, à noite, e havia uma mensagem dela. Era a letra de uma música do Paralamas.

A crueldade de que se é capaz

Deixar pra trás os corações partidos

Contra as armas de um ciúme tão mortais

A submissão às vezes é um abrigo

Saber amar

É saber deixar alguém te amar

Há quem não veja a onda onde ela está

E nada contra o rio

Todas as formas de se controlar alguém

Só trazem um amor vazio

Saber amar

É saber deixar alguém te amar

O amor te escapa entre os dedos

E o tempo escorre pelas mãos

O sol já vai se pôr no mar


CAPÍTULO 7

Quinta-feira.

Nada como um dia após o outro.

Ainda bem que tinha matéria pra fazer na rua. Se Sofia não queria me ver poderia ficar tranqüila, pelo menos naquele dia.

Entrar no orquidário da cidade de Santos depois do que aconteceu nas últimas duas semanas só aumentava minha dor-de-cotovelo. Por mera “coincidência” dessa vida tive que ir pra lá cobrir a feira de orquídeas vindas de diversos lugares do Brasil.

Dei uma volta por lá e parei bem diante da flor que havia dado a Sofia, uma Cattleya walkeriana, muito comum no Brasil e “uma das espécies mais bonitas e adquiridas para o comércio”, isso era o que dizia a placa explicativa. Logo o organizador da feira se aproximou e fomos dar uma volta enquanto eu fazia uma rápida entrevista.

Quando terminamos ele me ofereceu uma Laelia gouldiana. Agradeci a gentileza e fui em direção à saída.

— Isa!

Ouvi a voz atrás de mim e parei sem acreditar.

— Isabela!

Virei-me e vi Sofia a alguns metros atrás de mim. Veio correndo, estava ofegante. Fiquei imóvel com o coração na boca, esperando que ela se aproximasse.

— Quase não te alcanço. Não tenho a sua forma, sou uma patricinha sedentária...

Sorri sem dizer nada, só observando ela respirar fundo e recuperar o fôlego.

Isabela me olhava sorrindo com um vaso de orquídea nas mãos. Não havia lugar melhor pra nos encontrarmos. Eu tinha que dizer ali o que tinha que dizer.

— Desculpa não ter aparecido ontem. Sou lenta, sabia? Sou difícil de assimilar as situações, preciso de tempo pra virar ostra e depois voltar pro mundo, entende? Eu não costumo furar nos encontros...

— E por que veio até Santos? Não poderia esperar eu voltar pra São Paulo?

Perguntei aproximando-me de Sofia... olhava-a com carinho, e era correspondida com olhar luminoso e sorriso aberto.

— Não. Soube que estaria aqui no orquidário. Acho que aqui é o melhor lugar para nosso primeiro encontro.

Estava quase deixando meu vaso cair, mas consegui continuar ouvindo sem me mexer.

— É urgente o que tenho pra dizer, presta atenção: – respirou fundo e me encarou nervosa. — Eu poderia me sentir incomodada por você gostar tanto de mim, poderia negar o que aconteceu e voltar pra minha vida de baladas, tentando encontrar alguém interessante. Poderia também me sentir desconfortável com o que estou sentindo. Bom, na verdade, senti um desconforto, mas foi em razão do reboliço que você causou em mim... Eu pensei muito, senti muito também e, por um momento, pensei que fosse covarde e que deixaria você passar por medo das dificuldades que um relacionamento assim pode trazer, mas... eu não sou covarde e, nesses dias que entrei em parafuso quando descobri que meu admirador secreto era você, descobri que gosto de você, que a música que me mandou faz todo o sentido, que talvez você seja a pessoa que eu espero, sabe?

Isabela continuou me olhando com um sorriso nos lábios, imóvel. Quando terminei de derramar tudo o que estava em mim desordenadamente, ela colocou o vaso calmamente sobre um balcão e, calmamente, aproximou-se mais:

— Calma, linda. Tudo vai dar certo porque temos todo o tempo do mundo.

Segurou meu rosto delicadamente entre suas mãos e me deu um selinho. Fiquei estática ainda sentindo seus lábios macios nos meus.

— Vamos?

Ela segurou minha mão e, com a outra, pegou o vaso de orquídea.

Subimos a serra conversando e rindo muito, sabe-se lá do quê. Provavelmente porque estávamos bobamente apaixonadas.

Mariana Cortez – 16 de julho de 2008.



[*] peganínguem é o mesmo que pega ninguém, não beija ninguém.