terça-feira, 31 de agosto de 2010

CAPÍTULO 27 – A CHAMADA

A relação entre mim e Pedro, por incrível que pareça, melhorou... pelo menos não estávamos mais nos agredindo ou fingindo que estava tudo bem, pelo menos voltamos a nos cumprimentar, ou seja, parecia que o respeito mútuo havia se restabelecido. Pedro estava mais calmo, mas também acho que mais triste, submerso numa tristeza resignada... e isso me enchia de remorso. Consequentemente eu também estava triste por essa situação, por não ter conseguido ser uma boa esposa, nem ter lhe dado um filho.
Deve ser mesmo difícil ouvir da pessoa que se ama (acho que ele ainda me ama, amava... não sei) que ela não ama mais, não sente mais vontade de estar junto. Sei como é isso de outra maneira, porque quem amo, amava... não sei, não me disse que não me queria, simplesmente desapareceu e sinto que meu amor nunca foi correspondido.
Somos, no fim das contas, dois mal amados, que amam as pessoas erradas.
Estou dando um tempo a ele. Pedro disse que precisava amadurecer a ideia do divórcio, então que pense, reflita e voltaremos a conversar como pessoas civilizadas e, se conseguirmos, como amigos que viveram três anos juntos... casados.
Na sexta é o lançamento da exposição de Laís e Pedro estará lá fotografando. Combinamos de não comentar nada com os amigos por enquanto, portanto estarei lá acompanhando-o pacientemente, para evitarmos constrangimentos.
Por falar em Laís, tínhamos combinado de jantar.
Tinha bastante trabalho na agência e isso ocupava minha mente, para que eu não olhasse a todo momento o relógio. Quero muito vê-la porque estou com uma imensa vontade de falar, desabafar, contar o que tive que fazer para me refazer... queria ter com ela a conversa que tive com Júlio. Foi ótimo o desabafo, animou-me a continuar minha guerra interior.
Liguei para Nana a fim de saber se os últimos riscos estavam prontos para serem aprovados. Preparei-me antes porque se sentisse receptividade na conversa gostaria de estender para um papo informal e mais pessoal. Gosto dela e gostaria que fôssemos mais próximas. Porém, não obtive dela o que pretendia. Nana me atendeu um tanto reticente, respondendo apenas às minhas perguntas, a fim de encerrar logo a ligação. Estranhei sua atitude, pois nas primeiras vezes que nos vimos ela foi muito simpática e comunicativa. Combinamos que na segunda-feira ela me levaria as provas finais. Provavelmente não estava num bom dia.

Cheguei primeiro que Laís, pedi uma água e folheava uma revista quando ela, deslumbrante, chegou. Estava, como sempre, vestida para matar num jeans agarrado, salto e blusa generosamente decotada. Era como a personagem sensual de um filme, que chama a atenção intencionalmente, que gosta de se sentir desejada. E eu a desejava como vários olhos que a devoravam enquanto se encaminhava para minha mesa no restaurante. Vê-la chegar me excitou instantaneamente, fez com que eu me esquecesse dos problemas e da consciência. Laís despertava meu ID, minha vontade de cometer o pecado da luxúria. Imediatamente lembrei-me da noite que tivemos... e me deu uma vontade enorme de repetir a dose. Vendo seu sorriso malicioso aproximando-se de mim, acho que pensava a mesma coisa. Ela sabia que vários olhos a acompanhavam e, por isso mesmo, o azul de seu olhar se tornava ainda mais provocante.
— Boa noite, querida. – beijou-me (sexualmente) no canto da boca e cochichou no meu ouvido com a mão acariciando minha cintura: — Você está ainda mais linda hoje.
Sorri encarando-a, pensando no quanto ela instiga meus instintos sexuais.
Sentamo-nos e ficamos nos olhando por algum tempo antes que eu quebrasse o gelo, ou melhor, a onda de calor.
— Sexta-feira está próxima... você deve estar com os nervos à flor da pele... – comentei enquanto o garçom anotava nossos pedidos.
— Agora estou no estágio de relaxar e apenas esperar o grande dia. Só quero passar momentos agradáveis com as pessoas que gosto. – responde-me piscando.
Quando o garçom se afastou, ela passou a mão no meu rosto e o trouxe para o seu. Deu-me um selinho e isso me assustou... ainda não tinha me separado de Pedro, e se alguém visse essa cena?! Claro que muitos viram e, se estavam impressionados com a presença dela, certamente ficaram ainda mais. Senti meu rosto corar e, dessa vez, não foi de excitação.
Claro que também fiquei excitada, mas preciso tomar cuidado, ser prudente, já estava causando estragos demais. Laís sorriu, provavelmente da minha timidez, do meu rosto vermelho, da prudência e do juízo que ainda tenho.
— Você não me contou o que aconteceu quando saiu da minha casa às seis da manhã...
— Muitas coisas aconteceram.
— Temos tempo, querida... sou toda ouvidos...
Contei as diversas discussões que tive com Pedro e a última conversa, em que propus a separação. Laís me ouviu calada e seu olhar me analisava, parecia que vasculhava o que ia no meu mais profundo e inconfessável íntimo... parecia que queria descobrir coisas que nem eu mesma sabia. Não conseguia saber o que pensava a respeito de tudo o que eu contava, apenas me olhava, sorria e vez ou outra tomava um gole do vinho. O jantar chegou e resolvi mudar de assunto, dizer que tinha muito trabalho e isso me ajudava a esquecer um pouco meus problemas pessoais.
— Podíamos jantar e ir para minha casa... – convidou de maneira quase irresistível.
Sorri sem responder. E assim entramos num jogo sedutor, cheio de diálogos um tanto ambíguos, insinuantes. Conversávamos banalidades enquanto comíamos... uma noite agradável em ótima companhia, com boa comida, boa bebida. Falávamos sobre o cardápio daquele restaurante e começávamos a discutir sobre as sobremesas quando meu celular tocou.
Senti meu sorriso se fechar e minha boca secar.
Fiquei imóvel, com o olhar paralisado naquele número, no visor do meu celular.
Senti meu coração disparar, meu estômago embrulhar... uma vertigem. Aquele número que eu sabia de cor tocou, chamou apenas uma vez. Depois de três anos aquele número me salta aos olhos no display luminoso do meu celular.
— Fernanda? – ouvi longe a voz de Laís, que me olhava assustada. Tocou na minha mão e tentou me tirar da perplexidade. — Você está bem? Está pálida, sua mão está gelada... – olhei para ela, mas não sabia o que dizer... acho que precisava de ar, ficar sozinha.
— Fernanda, o que aconteceu?!
— Nada. Foi um mal-estar. Preciso ir embora. – respondi com a voz trêmula e trêmula tirei o guardanapo do meu colo e o coloquei sobre a mesa encerrando o jantar. Laís ficou me olhando sem entender.
— Calma, Fernanda. – fez sinal para o garçom e novamente segurou minha mão. — Não quer esperar um pouco? Você não está bem. – continuou me analisando: — Que ligação foi essa que te deixou assim?
— Não foi nada. – tentei sorrir. — Acho que foi uma queda repentina de pressão, mas prefiro ir embora.
Acertamos a conta e a acompanhei até o carro em silêncio enquanto ela me olhava séria, com o cenho franzido.
O que poderia significar aquela ligação depois de tanto tempo... nem esperou que eu atendesse. Por que isso? Por que cutucar essa lembrança de uma maneira infantil? Depois de três anos sem uma explicação, uma satisfação... simplesmente desapareceu e hoje isso! Meu Deus!
— Fernanda, a ligação te deixou perturbada, não foi? Por que não me conta, querida... não confia em mim?
Meus olhos estavam ardendo. Parei e, sem conseguir encará-la, respondi:
— Era Clarice.
Precisava dizer esse nome/tabu, contar, se não explodiria, se não certamente não conseguiria chegar em casa. Precisava de ajuda.
— É o número dela no meu celular, Laís. Ela ligou para mim.
Laís parou de andar e encostou-se no carro com expressão quase tão assustada quanto a minha.
— Sério?
Não respondi. Fui até meu carro abri-lo para me sentar...
— E por que não falou com você?
— Como vou saber? – peguei o celular novamente e fiquei olhando para ele simplesmente. — Não sei por que está fazendo isso...
Laís apoiou-se na porta e olhou-me séria.
— Ela não podia fazer isso com você agora. Justo agora, que você está conseguindo ficar bem... agora que está conseguindo se libertar dela! – parecia furiosa, realmente preocupada comigo. — Já pensou que provavelmente ela encontrou seu cartão no fundo de uma gaveta ou dentro de um livro depois de três anos e, por estar sozinha hoje, resolveu ligar? Que é muito pouco provável que ela sinta algo por você, caso contrário já teria ligado há muito, muito tempo porque quem está apaixonada não aguenta esperar tanto, Fernanda. – respirou e finalizou: — Ela está apenas se divertindo... não se esqueça que ela não apareceu no encontro, portanto, não faça papel de boba de novo.
Depois dessa metralhada de acusações iradas permaneci em silêncio observando sua reação. Estranha. Não pensei que fosse ficar tão nervosa... mas ela tinha razão. Se Clarice tinha meu telefone esse tempo todo, por que me ligar só agora quando liguei feito doida semanas depois de ter retornado ao Brasil?
— Não farei papel de boba. – consegui responder com a voz embargada.
Laís segurou meu rosto com as duas mãos e me olhou com carinho, enquanto eu tentava conter as lágrimas.
— Vamos dar uma lição nela, minha querida. Não vou deixar que ela te machuque mais... – e me beijou com..., ..., ... paixão???
Fiquei confusa.
Mais ainda...
Ela sorriu com ternura e me aconselhou:
— Diga que não foi ao encontro... Se ela não apareceu, diga a ela que o que combinaram também não foi importante para você.

— Nem sei se falarei com ela...
— Seria mesmo melhor que não falasse.
Estava atordoada demais para continuar ali. Disse novamente que precisava ir embora, afinal de contas, mesmo estando com raiva daquela ligação (ainda mais depois da elucidação de Laís) foi um choque, está sendo um choque. Também é estranha essa reação passional de Laís... preciso ficar sozinha.
Ela insistiu que não me deixaria ir sozinha, mas eu não via necessidade de deixar meu carro ali. Então decidiu me seguir até em casa... foi inacreditável seu gesto. Laís mora no outro extremo da cidade e sua preocupação, seu carinho comigo me impressionaram.
Quando embiquei o carro na porta da garagem, meu celular tocou novamente e quase o deixo cair tamanho é meu nervosismo. Mas era Laís.
— Entregue, mocinha. Pense no que te falei e, se quiser, a qualquer hora, me liga e venho correndo.

***

Estúpida.
Como essas mulheres carentes são fáceis.
Foi só uma ligação, uma única chamada e Fernanda fica daquele jeito. Deus! Onde essas mulheres vão parar assim?!
E ainda tive que dar uma de amante apaixonada que está com medo de perder a amante lesa para um antigo caso de... um dia! Lamentável. Mas acho que interpretei bem o papel, acho que ela pensa que estou enciumada. Porém, não basta que ela pense isso, ela precisa realmente estar magoada com Clarice a ponto de dizer que também não foi ao encontro. Aí sim consigo o que preciso, afastar as duas por motivos de mágoa, raiva e frustração. São esses sentimentos que uma deve nutrir pela outra, pelo menos até que Clarice se convença que sou muito melhor que uma “senhôura” carente e medrosa.
Claro que não me custaria nada ser amante de Fernanda... ela é bonita, gostosa, tem um potencial incrível... As duas não podem se encontrar e preciso pensar numa maneira de impedir que isso aconteça. Preciso conversar com Gustavo.
Que inferno ter que atravessar novamente a cidade.
Bom, de qualquer maneira está sendo divertido esse joguinho de gato e rato no qual sou a cachorra e como os dois... gatinho e ratinho. Incrível como esse destino é engraçado e sensacional ele ter me dado de bandeja essa situação tão sexy, cheia de adrenalina, como em um filme. Quando o lançamento da exposição passar vai ficar muito mais divertido... por enquanto estou estressada com essa festa.
Inclusive é nela que Clarice e Fernanda não podem se encontrar.

continua...

domingo, 29 de agosto de 2010

CAPÍTULO 26 – E AGORA?

Óbvio que não dormi.
Revirei o que consegui sobre a vida de Fernanda na internet. Fui a todos os sites de relacionamento que conhecia para tentar encontrar mais informações sobre ela, mas Fernanda sabia bem dosar o que poderia ser exposto e não consegui muito mais do que encontrei com Nana ao meu lado. De qualquer forma, o que li e vi me deixou desanimada.
Fiquei horas observando uma das fotos, analisando cada detalhe de sua fisionomia para saber se realmente ela estava feliz naquele momento em que abraçava o marido (Pedro) numa mesa de restaurante no Chile. É... devia estar bem feliz, pois o sorriso era largo... seus olhos verdes sorriam junto, e eu estremecia só de lembrar que já havia tocado aquela pele macia, já tinha olhado profundamente naqueles olhos e aquela boca já sorriu na minha.
Na maioria das fotos ela estava com o marido. Observei cada detalhe dos cenários, das roupas e pude constatar que ela tocou a vida, que provavelmente nossa história não a tenha marcado como marcou a mim. Bom, mas como esquecer se, além de todo o amor que senti, carrego as marcas físicas, que me acompanharão pelo resto da vida.
Li os recados, os depoimentos... e tomei um susto quando encontrei em meio aos seus amigos Laís. Como assim?! Como ela estava tão próxima e eu não sabia! Como elas se conhecem? Fiquei abismada com as coincidências e com as evidências de que mais cedo ou mais tarde nos conheceríamos, seja por meio de Laís, por meio de Nana ou de mais algum amigo em comum. Já sei como ter mais informações, investigar... Se eu tivesse contado para Laís provavelmente teria chegado à Fernanda mais rápido. O mundo virtual deixa esse mundo ainda menor...
Os recados sempre eram no intuito de marcar algum encontro porque os amigos estavam com saudades, sempre comentando a vida corrida que Fernanda levava e não tinha tempo para eles, enfim... recados que, de alguma forma, cobravam sua atenção. Os depoimentos eram sucintos, mas carregados de palavras carinhosas. Posso concluir, portanto, que ela, como imaginei, é querida, mas que não dedica muito tempo às pessoas que gostam dela.
Não vi crianças, nem seus pais nas fotos... parece que não tem filhos. Havia um e-mail para contato... pensei em enviar-lhe uma mensagem. Eu a escrevi milhões de vezes, mas acabei desistindo. Desisti, por enquanto, quando os primeiros raios de sol adentraram meu quarto.

***

Levantei-me depois de horas sentada diante da tela, tomei um banho, fiz um café e saí para a Universidade.
Sentia-me fora de órbita, sem domínio total dos meus gestos e das minhas palavras. Estava dando aula, mas parecia que minha voz saía mecanicamente porque meus pensamentos estavam longe: em Fernanda, em um jeito de abordá-la, em como resolveria minha vida a partir de então.
Eu precisaria ser mesmo muito fria para não tomar nenhuma atitude precipitada.

Na hora do almoço peguei um táxi e fui me encontrar com Laís.
Ela já estava lá e isso me surpreendeu, novamente. Incrível como Laís descia do pedestal na minha presença... isso me envaidecia, me comovia até. Acho que ela sente algo por mim, algo além da necessidade/objetivo de transar comigo porque se mostra disposta a mudar – desde tirar o salto alto para estar à minha “altura” até chegar no horário marcado (coisa que sei que ela nunca fez). Não que ela tenha que mudar por minha causa, claro que não, mas fica evidente um esforço em querer me cativar cada vez mais. Assim que me viu levantou-se e sorriu encantadoramente e, como um “cavalheiro”, puxou a cadeira para que eu me sentasse depois de estalar um beijo no meu rosto. Seu perfume era maravilhoso.
— Querida, estava ansiosa para te ver, pena não ter conseguido marcar algo antes porque estou alucinada com o lançamento...
— Eu sei, Laís. Você precisa se concentrar para o grande dia... está muito próximo.
— Mas, de qualquer maneira, não estava conseguindo pensar em nada além de você.
Putz.
Não sei como assimilar essa declaração. Fiquei mais corada pelo fato de eu quase não ter pensado nela do que pela declaração em si. Gosto de Laís, mas meus pensamentos ficaram cheios de Fernanda, ainda mais agora que estamos tão próximas. Sorri sem graça e desviei o assunto... não queria ter que dizer coisas que não sentia.
— Bom, os textos que fiz para suas obras já ficaram prontos. Hoje à tarde encaminharei para que você os leia e, se estiverem ok, terão de ser confeccionados o quanto antes para serem afixados na abertura de cada seção.
— Não os lerei agora, confio na sua leitura crítica. Eles serão uma surpresa para mim também, no dia do lançamento.
Hoje Laís estava realmente a fim de galantear. Ela me olhava profundamente, com olhos azuis brilhantes e sorriso nos lábios carnudos moldados por batom vermelho. Assim que fizemos nosso pedido, ela apertou minha coxa por debaixo da mesa e avançou em busca de um beijo, mas eu não queria beijá-la em pleno restaurante, não queria que ela achasse que estávamos namorando, não queria beijá-la quando minha cabeça estava completamente longe dali e quando meu corpo não sentia a excitação adequada naquele momento.
Esquivei-me um pouco e sorri, novamente, sem graça. Ela percebeu e seu sorriso esmoreceu um pouco.
— Está acontecendo alguma coisa? Você parece preocupada... – lançou a observação depois da minha atitude um tanto arredia.
Acho que o melhor que posso fazer por mim e por ela é ser sincera, afinal, minha excitação era outra: era a pressa da curiosidade em saber qual a ligação dela com Fernanda.
O garçom trouxe os pratos e as bebidas e, enquanto nos servia, ficamos nos olhando em silêncio. Percebia que Laís tentava decifrar o que ia no meu pensamento, que me deixava com expressão mais séria e inquieta. Eu a observava tentando saber qual sua reação quando eu lhe contasse a verdade e ficasse claro que não estou tão interessada nela como ela pode estar em mim. Resolvi ir direto ao assunto assim que nos deixaram a sós.
— Laís, quando estive na Espanha conheci uma pessoa... acho que nunca te contei detalhes a respeito... – a reação foi imediata. Parece que Laís interrompeu o gole do suco pela metade e me olhou assustada, porém... tentou disfarçar.
— Não, nunca me contou. – recolocou o copo sobre a mesa e depois de alguns segundos olhando para ele, voltou a me encarar séria. — Na verdade, pensei que você tivesse superado isso.
— Foi difícil para mim. – não sei como dizer... — É que eu queria reencontrá-la para saber como ela está, sei lá... até para tirar certas impressões que tenho.
— Eu não sei o que aconteceu, Clara... não entendo o que está falando.
É, eu estava sendo evasiva, me perdendo em palavras soltas.
— Marcamos um encontro na Espanha, mas não pude ir por causa do atentado... por isso nunca soube como poderia ter sido se eu tivesse ido, entende? – ela ficou em silêncio me observando de modo que me intimidava. Mas, de qualquer forma, não poderia deixar escapar a chance de dizer que ela, Laís, conhecia a pessoa em questão e que eu pretendia reencontrá-la.
— O mais irônico disso tudo é que descobri que você a conhece.
Laís, que levava uma garfada da salada à boca, interrompeu o percurso e sorriu incrédula.
— Eu a conheço?! Como eu a poderia conhecer, Clara?!
— Sim, conhece. – respirei fundo para prosseguir... Laís parecia irritada. — O nome dela é Fernanda Lemos. Encontrei-a no seu facebook. Entrei no perfil dela e me certifiquei disso... você a conhece.
Ela arregalou os olhos e sua expressão era de pura surpresa.
— Não acredito! Mas..., ... Fernanda?! Fernanda Lemos, a publicitária toda fingida a certinha, caretinha, casada há anos com Pedro, meu amigo de faculdade?! – perguntou em tom de fofoca, que me incomodou.
— Essa mesmo...
Laís ficou pensativa e, de repente, estalou os dedos como quem se lembra:
— Ahhh, então é você!!!
Eu? Ela sorria maliciosamente e parecia que o “jogo” tinha se invertido, parecia que, agora, quem tinha as novidades era ela. Fiquei aguardando imóvel o que ela tinha a acrescentar àquele comentário carregado de significados.
— O que tem eu?
— Meu Deus, como pude ser tão burra!! Como não liguei uma coisa na outra!! – Laís me olhava sorrindo e meneando a cabeça numa negativa que estava me irritando. — Um dia eu e Fernanda nos encontramos num restaurante, pois Pedro, às vezes, trabalha para mim. Então, entre uma bebida e outra (e ela já estava bem alta), começou a me confidenciar loucuras e acabou me dizendo que já tinha tido uma experiência homossexual... – ela dava um tom malicioso a tal revelação que Fernanda lhe fez e isso me perturbava, mas eu precisava saber.
— E o que mais ela disse?
Finalmente (e para desespero meu) Laís garfou uma porção da salada e mastigou calmamente enquanto sua expressão mostrava que tinha sacado a sacada do ano. Acho que nunca me senti tão exposta. As duas falaram de mim e...
— Ela disse que foi muito divertido.
... me senti o objeto de gozação de um assunto.
— Divertido?
— É, Clarinha... disse que foi a melhor viagem de trabalho que ela fez. Contou que se divertiu bastante e que vocês tinham combinado de se encontrar e voltar juntas ao Brasil. – deu uma pausa, tomou mais do suco e sua expressão, agora, estava séria. Olhou-me em silêncio e hesitou em dizer: — Clarinha... ela não foi ao encontro.
Inclinei-me para mais perto dela para ouvir novamente o que ela disse.
— Ela me disse que foi ótimo o que vocês passaram juntas, mas que jamais deixaria de ter a vida que tem para mergulhar numa aventura.
Fiquei pasmada... não consegui disfarçar.
Depois de alguns instante de tenso silêncio:
— Desculpa, Clarinha.
— Obrigada por ter me contado.
— Se eu soubesse dessa coincidência antes, teria te contado há mais tempo... para que você se desligasse logo dessa mulher que jamais deixará o status que tem, nem as relações que construiu. Certamente, tudo o que vocês viveram, para ela, não passou de uma aventura exótica. – ela parou e ficou me analisando em silêncio. — Ela é acostumada a esse tipo de “aventura”... – finalizou Laís fazendo as aspas com as mãos.
— Como assim?
— Até para mim, que sou uma pessoa bem liberal, ela extrapolou quando teve um caso com o amigo de Pedro, marido dela e meu amigo de faculdade. Descobri e fui dizer umas poucas e boas para ela porque, porra, o Pedro é meu amigo! – fez uma expressão de nojo. — Desde então não nos falamos. Não quero nenhum contato com ela e vou tirá-la de minha lista de amigos imediatamente.
Voltei a comer em silêncio, chocada, com um nó indissolúvel na garganta.
Como Fernanda pode? Não posso acreditar que o que ela me disse foi mentira, nem que o modo como me olhava era falso, raso. Não era. Não é possível que alguém pudesse fingir tanto, ser tão leviana... não conseguia aceitar isso. E se Laís estiver inventando tudo isso?! Ela realmente parece interessada em mim. Nada mais natural vindo dela! Conheço um pouco seu lado de intrigas, junto ao seu fiel escudeiro Gustavo. Mas... Laís realmente sabe... Fernanda contou a ela, caso contrário, como saberia do nosso combinado, do encontro?
Despertei com Laís segurando minha mão.
— Querida, esqueça Fernanda. Ela tem um outro estilo de vida, não tem nada a ver conosco. – e chegando mais perto, de modo que pudesse me olhar profundamente: — Me deixa fazer você feliz.

***

Deixei Clarice em casa tentando disfarçar minha vontade de esmurrar alguém... mais especificamente a mim mesma por não ter pensado, por ter sido burra demais. Como deixei Fernanda na minha lista de amigos depois que descobri que as duas se conheciam? Imbecil. É essa exposição que não me deixa pensar direito... se eu estivesse em sã consciência jamais daria uma gafe dessa.
Clarice estava calada, provavelmente chocada com tudo que eu disse, muito a fim de que ela acreditasse. Visivelmente triste, decepcionada. Doía-me fazer isso, minha querida, mas é para nosso bem...juntas.
Voei para casa tentando entender como ela descobriu. Será que ficou fuçando meu perfil, me investigando?
Cheguei, subi para meu apartamento, larguei a bolsa em qualquer lugar e me joguei no sofá para pensar. Não é só o lançamento que me preocupa.
Bom, é fato que agora ela sabe que nos conhecemos... e é certo que elas vão se encontrar mais cedo ou mais tarde porque Clarice é curiosa e não vai simplesmente desistir assim... por isso preciso estar atenta. Fernanda não pode saber que conheço Clarice... Vou minando as expectativas de Clarice enquanto encontro uma maneira de ir trabalhando a imagem de Clarice para Fernanda. Caso elas se falem, se encontrem, chegarão à conclusão de que aquilo que elas dizem terem vivido não passou de um momento.
Vou confirmar meu jantar com Fernanda.

***

Entrei em casa sentindo um vazio imenso.
Passei esses últimos anos imaginando o que Fernanda sentiu quando não apareci no local e na hora marcados, e me dói agora saber que ela pode ter sentido, no mínimo, uma ponta de remorso por também não ter ido.
Na verdade, nunca tinha cogitado a ideia de ela não ir... engraçado. Talvez porque em nenhum momento passou pela minha cabeça não estar lá, por isso sofria tanto imaginando o que ela pensava de mim... Mas ela não deve estar pensando nada, não deve nem se lembrar... ou melhor, lembra-se como uma “aventura exótica”, como disse Laís.
Preciso assimilar tudo isso porque, neste exato momento, parece que a vida que levo desde aquele dia perdeu todo o sentido. Eu me recuperava para ir em busca de Fernanda e dizer que estaria lá se o acidente não tivesse acontecido para dar continuidade a tudo que combinamos. Estava pronta para dizer que ainda a amava e que se dependesse de mim poderíamos começar de novo.
Agora preciso encontrar outro motivo muito forte para continuar me empenhando.

À tarde inteira e parte da noite andei por todo o apartamento tentando arrancar da minha cabeça a ideia de tirar tudo isso a limpo diretamente com ela. Voltei para a frente do computador decidida a fazer alguma coisa. Mesmo que seja verdade o que Laís me contou, preciso falar com ela.
Pensei novamente em enviar-lhe um e-mail. Às vezes é muito melhor escrever, pensar e pesar as palavras sem a emoção do instante... dizer com cuidado, revisando, apagando e reescrevendo. Mas eu me privaria de sentir sua reação, de ouvir sua voz... preciso escutá-la.
Peguei o celular e, gradativamente, fui ficando nervosa a ponto de teclar o número errado duas vezes. Meu coração parecia que iria saltar do peito a qualquer momento.
Quando disquei o número dela e chamou pela primeira vez, a campainha tocou. Tive que desligar... era minha mãe.

continua...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

CAPÍTULO 25 – CRISES

Depois de mais um dia de trabalho, cheio de reuniões que ocuparam minha mente, voltei para casa carregando pensamentos e sentimentos que me afligiam (ultimamente andava bastante inquieta, perturbada) e tentando administrar uma consciência pesada.
Estava me sentindo a pior das pessoas: por ser egoísta desde o início, casando-me com Pedro mesmo sabendo que não seria feliz, nem o faria feliz... eu seria incapaz disso porque amava outra pessoa, porque me encontrei nela, e descobri que nada do que vivia era real, intenso, comparado aos poucos momentos que tive com a pessoa que, de verdade, amei. Por ser falsa e nunca mostrar a Pedro como sou, sem a máscara. Sou carente de paixão, carente de tesão, de sexo bem feito porque sou homossexual e, consequentemente, ele não atende às minhas necessidades como mulher. Sempre fingi, mesmo quando tentava me convencer de que estava tudo certo... não está... nunca esteve... e ele nunca soube disso. Por ser traidora, porque na primeira oportunidade dormi com a amiga de faculdade dele, sem pensar nas consequências, no quanto isso pode machucá-lo, no quanto isso me faz leviana. Muitos erros para uma pessoa só. Estou perdida, sem rumo e preciso me reencontrar de alguma forma.

Quando Pedro chegou eu já estava em casa.
Não voltamos mais ao assunto de minha noite fora de casa, mas também não voltamos a assunto nenhum. Ele chegava, tomava banho, jantávamos em silêncio, apenas trocando monossílabos patéticos e cada um ia para um canto da casa: eu, geralmente, para o escritório e ele para sala ou quarto. No outro dia era igual.
Dessa vez queria conversar, queria começar a dizer que não faz sentido essa situação, que a separação é inevitável.
Preciso recomeçar do zero e permitir que ele se livre de mim.
Quando abriu a porta eu estava estática diante dele. Na verdade, andava de um lado para outro esfregando as mãos, ensaiando o modo de começar essa conversa... ansiosa e angustiada. Ao ouvir o barulho da porta parei diante dela e meu coração disparou como um despertador: chegou a hora.
— Oi. – espantou-se por me ver feito estátua na sua frente, mas logo recobrou a frieza e passou por mim.
— Pedro, preciso conversar com você. – disse antes que subisse as escadas. Ele parou, abriu um botão da camisa e respirou fundo voltando para se sentar no sofá. Ficou me olhando em silêncio e isso me constrangia, minava minha coragem, era como se ele enxergasse tudo sem que eu precisasse falar.
— Acho que chegou mesmo a hora, não é? De sermos sinceros um com o outro. – disse encarando-me sério, mas com tranquilidade no olhar.
— Não podemos mais ficar assim. – não sabia como dizer, então melhor ser direta: — Queria propor a você o divórcio.
Pedro debruçou-se sobre os joelhos e passou a mão pelos cabelos desalinhados. Um nó se formou em minha garganta.
— Como chegamos a este ponto, Fernanda?
— Eu não sei... – minha voz saiu trêmula.
— Você sabe... tenho certeza, porque tentei muito cuidar para que isso não acontecesse.
Ele tinha razão.
— Não estou feliz.
— Por quê?
— Não sei... preciso mudar minha vida, quero recomeçar... não posso continuar dessa maneira...
— Por que nunca me disse o que estava acontecendo? É claro que você sabe o motivo da sua infelicidade, caso contrário você está doente...
— Pode ser que eu esteja...
— Por que nunca quis minha ajuda? Eu te amava tanto.
Lágrimas inundaram meus olhos, mas não queria deixar que elas caíssem. Andei pela sala antes de responder sua pergunta de forma sincera... devia isso a ele.
— Não sinto mais amor, Pedro... só um vazio, uma vontade de encontrar um motivo para voltar e me sentir feliz.
Ele me olhou e logo se desviou para o chão. Era um golpe, eu sei. Era dolorido demais dizer isso, mas ele precisava saber.
— Você, em algum momento, me amou de verdade?
— Eu o amei antes de nos casarmos.
Ele sorriu chocado com a revelação.
Na verdade eu tinha uma visão do que era amor. O amor que sentia por Pedro era meu parâmetro e para mim estava bom. Até conhecer Clarice e me convencer de que, perto do que ela me causou, o amor que sentia por Pedro era muito pequeno. Portanto, quando me casei já não sentia amor nenhum, apenas uma amizade, um carinho, a sensação de estar protegida ao lado dele e pensei que isso fosse suficiente... achei que este incômodo, esta insatisfação que sinto agora nunca fosse me incomodar, mas está me matando e fazendo Pedro infeliz.
— Então o casamento estragou tudo... Você vive comigo há três anos sem amor, Fernanda?
— Desculpa, Pedro... mas pensei que o companheirismo que tínhamos supriria essa necessidade.
— Existe outra pessoa?
Desviei-me de seu olhar e talvez isso tivesse respondido sua pergunta.
Agora não consigo dizer. Não tenho coragem de dizer que antes de nos casarmos conheci uma mulher que mudou minha vida, que tinha combinado com ela voltar para o Brasil, terminar com ele para viver com ela... mas ela não apareceu no lugar marcado, então resolvi voltar e me casar.
Entrei em crise na época, desmanchamos, mas fiquei com medo de ficar sozinha... foi aí que o erro começou de fato... e continuei errando até aqui.
— Não. – e continuo mentindo.
Pelo seu olhar, deve ter notado que minha afirmação foi manca, insegura.
Levantou-se, suspirou e:
— Amadureça a ideia que também vou fazer isso. Preciso pensar... pense também. Pense que você pode estar entrando numa depressão, querendo fugir de você mesma... a gente volta a conversar.
Subiu as escadas devagar enquanto eu enxugava minhas lágrimas que explodiam num choro intenso.

***

Não estava apaixonada por Laís, ela não teve influência definitiva na minha decisão. Simplesmente eu não aguentava mais. Até quando uma pessoa consegue viver uma vida que não sente ser sua? Meu limite chegou. Não consigo mais.
Pode ser que esteja doente mesmo, mas para me salvar disso preciso encontrar uma maneira de viver, nem que para isso tenha que regredir na idade e passar alguns dias dormindo fora de casa... não sei... só sei que não posso ficar assim.
Laís me ajudou a enxergar, fez com que eu percebesse que uma transa me dava muito mais tesão do que a vida que eu levava. Não posso permitir viver com tão pouco. Quero me sentir livre, inclusive de Clarice, para voltar a almejar uma paixão, um amor, uma felicidade intensa, mesmo que seja por tempo determinado... melhor do que viver uma vida morna pra sempre.

Peguei meu travesseiro e fui dormir no quarto de hóspedes.
No outro dia, quando acordei, Pedro já não estava em casa.
Tomei um banho, um café e logo Júlio chegou para a série de exercícios.
— Desculpa falar, querida, mas você está com o aspecto horrível... – foi o que me disse depois de alguns minutos, quando comecei a alongar.
— Obrigada por me dizer, Júlio... eu já sei.
Depois de um instante de silêncio...
— Se quiser me contar, fique à vontade.
— Queria te fazer uma pergunta... – ele me encarou esperando, mas sem deixar de me alongar. — Você sofreu quando teve que assumir seu relacionamento com Marcelo?
Claro que ele entendeu. Continuou me alongando.
— Sim. Muito. Não foi fácil assumir minha homossexualidade... para mim e depois para as pessoas que conviviam comigo. Eu não sou afeminado, então fica mais difícil porque não é evidente minha orientação sexual. Quando conheci Júlio e nos apaixonamos tive que escolher entre me esconder e não mostrar o quanto estava feliz com alguém ou escancarar e aguentar o tranco. – parou de me alongar e me olhou profundamente. — Foi barra dizer para meus pais e assumir para a sociedade... mas sobrevivi e hoje penso que faria tudo novamente.
— O Marcelo foi seu primeiro amor?
— Não. Primeiro eu me assumi, depois fui em busca de um amor. Conheci alguns, mas nenhum como o Marcelo. – continuou me observando: — Ou seja, é preciso primeira se aceitar, ter uma relação de amor com você mesma... depois as coisas vão acontecendo naturalmente.
Peguei a barra pesada de sua mão.
— Era isso que eu precisava saber...
— Quer dizer que você me faz esse questionário e não vai me dizer o que está rolando?... Muito legal, você... – comentou sorrindo enquanto fazia a contagem de uma de minhas séries. Quando terminei sentei-me e enxuguei o suor:
—Resolvi me aceitar, Júlio... depois de anos e anos tentando lutar contra, não dá mais.
— Está apaixonada?
— Não... quer dizer... estive...
Ele ficou me olhando com uma das sobrancelhas arqueadas.
— Bom, aconteceu uma vez e quando estava determinada a assumir tudo mudou e eu recuei.
— E o que te fez mudar de ideia?
— Estou me envolvendo com uma pessoa... não estou apaixonada, mas estar com ela me fez enxergar que não posso continuar fugindo de mim, que preciso ser quem sou pra ser feliz. – respirei fundo. — E para isso tenho que começar de novo... por isso não posso mais ficar com Pedro.
— Você disse tudo isso a ele.
— Não tudo, já foi doloroso demais dizer que não o amo.
Necessitava urgentemente conversar com alguém e ninguém melhor que Júlio. Os amigos que eu tinha nem imaginam que passo por isso, pra eles sempre fui bonita, rica e realizada... casada com um marido bonito, rico e realizado.
Olhar para Júlio me tranquilizava porque me identificava com ele, confiava nele porque de alguma forma éramos cúmplices... fazíamos parte da mesma “turma”. Ele segurou minha mão e diria algo quando meu celular tocou.
— Oi, Laís. – senti prazer em ouvir sua voz. Seria fantástico se conseguíssemos nos ver para que eu pudesse contar tudo o que estava acontecendo. — Jantar na quarta? Claro... estou livre..., ... Pode ser lá, sim. Ok. Nos vemos então. Beijo.
— É ela, não é? – perguntou assim que eu desliguei sorrindo maliciosamente.
— É... – sorri sem graça.
— Então malha e melhora essa cara porque amanhã à noite vai ter festa!

continua...

sábado, 21 de agosto de 2010

LÉSBICAS: 10 ESCRITORAS BRASILEIRAS

Oi, meninas!

ÚLTIMA CHAMADA!!!

Só pra lembrá-las do programa legal que vai acontecer no próximo sábado (28).
Quem estiver a fim vai se organizando pra gente se encontrar lá, ok?!!

Beijos e obrigada!!
Mari Cortez

Lésbicas: 10 escritoras brasileiras
Em agosto, dia 28, sábado, a partir das 17h30 na Livraria da Vila da alameda Lorena, 1731, São Paulo, vamos promover o encontro de nada menos do que 10 escritoras lésbicas. É para todos os gostos: mocinhas, moçoilas, sérias, gozadoras, com vários livros, com o primeiro no prelo... mas todas lésbicas e todas envolvidas com a escrita dirigida a nós. Vai ter até uma palhinha da Renata Pallottinni!
Veja a deliciosa variedade de mulheres inteligentes (em ordem alfabética) que comporá o fórum sobre as possibilidades de nossa literatura:

Adriana Agostini, autora de Lésbicas na TV – The L Word, breve lançamento pela Editora Malagueta.
Bertha Solares, que publicou dois livros pela Editora Brasiliense: Um ano, dois verões e Dores, amores e pincéis. E numa produção independente do Clube dos Autores: Cidades e destinos.
Drikka Silva, autora de Glamour, livro no prelo pela Editora Malagueta.
Karina Dias, autora de Aquele dia junto ao mar pela Editora Malagueta, um dos grandes favoritos das leitoras
Lúcia Facco, autora de As guardiãs da magia, pela Editora Malagueta; Era uma vez um casal diferente, pela Summus; As heroínas saem do armário: literatura lésbica contemporânea, e Lado B: histórias de mulheres, pelas Edições GLS.
Mariana Cortez, que também tem um original no prelo pela Editora Malagueta.
Naomi Conte, autora de A livraria da esquina pelas Edições GLS.
Stella Ferraz, autora de três obras de temática lésbica publicadas pela Editora Brasiliense: Preciso te ver, Pássaro rebelde e A vila das meninas.
Valéria Melki Busin, autora de dois livros muito queridos pelas leitoras, publicados pelas Edições GLS: O último dia do outono e Lua de prata.
• E quem prometeu dar também uma palhinha no evento, muito nos honrando com sua presença, foi a poeta e dramaturga Renata Pallottini, autora de importantes trabalhos para teatro e televisão, entre os quais Vila Sésamo, Malu Mulher e Joana.
Dá para perder?

Lésbicas: 10 escritoras brasileiras
28 de agosto, sábado, a partir das 17h30
Livraria da Vila loja da Lorena
Alameda Lorena, 1731, Jardins,
São Paulo, SP, fone (11) 3062-1063

CAPÍTULO 24 – ENFIM...

Quando a campainha tocou, dei um pulo do sofá e deparei com uma Nana lívida. Sua voz ao telefone já tinha me prevenido de que algo sério tinha acontecido, sua cor diante de minha porta confirmava minha suspeita e me deixou assustada.
— O que aconteceu, Nana?!
Ela passou por mim, em silêncio e muito nervosa, remexendo a bolsa. Fechei a porta e cruzei os braços esperando que ela se acalmasse.
Mas Nana não encontrava sei lá o quê na bolsa imensa e remexia, remexia, até que, impaciente, a virou em cima da mesa de centro e um milhão de quinquilharias caiu de lá.
— Espero que você não esteja procurando uma agulha... – comentei tentando ser divertida, mas ela nem me ouviu.
De repente retirou daquele monte de coisas um pedaço de papel.
— Você reconhece isso? – estirou-me um cartão.
Quando o tirei de sua mão e li o que estava escrito, tive que me apoiar no encosto do sofá e me sentar: era o cartão que Fernanda havia me dado antes de ir para Ávila. Agora eu estava pálida, com a boca seca e pernas sem forças.
— É o cartão de Fernanda. – disse num fio de voz depois de algum tempo.
Nana agachou-se na minha frente e com as mãos nos meus joelhos me olhou com seriedade.
— Agora você tem o que precisava: informações sobre ela.
Tirei os olhos do cartão e a encarei pasmada.
— Como você conseguiu isso, Nana?! – ela deu um meio sorriso.
— Por uma imensa coincidência ou ironia do destino, estou trabalhando para essa mulher, Clarinha. – disse pausadamente, como se aquele reconhecimento tivesse que ser seu também. — A agência dela é a responsável pela campanha da universidade.
— Universidade em que estou dando aula... – concluí em estado de choque. Foi tão forte o impacto que comecei a tremer e meus olhos se encheram de lágrimas. — Ela está tão perto... – consegui dizer enquanto tentava impedir o choro. — Como ela está?
Nana baixou os olhos e levantou-se. Respirou fundo e deu uma volta pela sala. Ela também estava tonta com isso porque sabia o quanto essa descoberta significava para mim.
— Ela realmente é uma mulher muito bonita. Eu te disse que fiquei impressionada na primeira vez que a vi... Hoje ela parecia muito cansada. É tudo que posso dizer, Clara... não conversamos nada que não fosse trabalho.
Voltei a ler o cartão: Fernanda Lemos. Os telefones, o endereço da agência Circuito. Deus, estava tudo ali! Eu só precisaria ligar. Ir até lá. Não sei o que fazer agora que tenho o que mais queria durante tanto tempo.
— Clara, por favor, vá com calma. – pediu-me Nana como se houvesse lido meus pensamentos. — Não tome nenhuma atitude precipitada.
Peguei minha bengala e levantei-me devagar. Nana começou a jogar todas as suas coisas de volta para a bolsa.
— Você vai embora? – perguntei assustada. Não queria ficar sozinha agora... senti medo do que tinha nas mãos.
— De jeito nenhum. – respondeu minha amiga segurando minha mão. — A menos que você queira ficar sozinha.
— Não quero. Quero que você me ajude a decidir o que fazer. – nunca me vi num estado tamanho de fragilidade, insegurança.
Nana pensou, observou-me por alguns instantes intermináveis e:
— Agora podemos pesquisá-la na internet. Fernanda é muito conhecida no meio, deve haver mais informações sobre ela.
Queria que toda essa burocracia evaporasse e eu pudesse sair correndo daqui (modo de dizer) direto para o endereço desse cartão. Passaria a noite na porta da agência e esperaria Fernanda chegar. E no momento que ela chegasse, uma borracha apagaria esses três anos e seguiríamos os planos feitos naquelas poucas horas em que nos conhecemos e nos apaixonamos.
Mas não era tão simples assim porque essa lacuna de tempo permitiu que muitas coisas mudassem... Agora eu saberia o teor dessas mudanças.
Sentei-me diante do computador com o cartão na mão. Abri a página do Google e digitei “Fernanda Lemos – publicitária”. Nana estava ao meu lado.
Logo veio uma lista imensa de ocorrências desse item. Cliquei num link que me levou a uma reportagem que a destaca como talento na área de comunicações e diz que ela é uma das sócias da agência Circuito. Há uma foto dela: Fernanda. Deus, como ela está bonita! Seu olhar seguro, de mulher forte e decidida, transmitia poder e confiança, típico dos profissionais que encabeçam matérias ou capas de revista de negócios, investimentos e dinheiro. Mas um dia eu soube o que havia por trás da imagem dessa grande empresária de sucesso. Havia outros links, todos destacando sua trajetória de publicitária e os prêmios que ganhou. Entrei no site de sua agência, vi quais eram seus clientes, seus sócios... Só não sabia o que mais queria: se ela ainda se lembrava de mim.
— Clara, procure-a no orkut ou no facebook. Se ela estiver num desses sites você terá informações pessoais sobre ela.
Hesitei por um momento. Era estranha demais essa situação.
Meus batimentos estavam alterados, o que sentia era um misto de medo, alegria e confusão. Uma adrenalina, um frio na espinha... estava sem chão, como se toda minha vida estivesse nos dados daquele cartão e como se cada atitude minha determinasse o desenrolar dessa história, para o bem ou para o mal.
Daí vinha o meu medo. Medo de me decepcionar.
Mas, como uma dádiva, Nana adentrou minha casa trazendo-me a emenda da ponte que se rompeu lá em Madri, em 2004. Era como ganhar na loteria, encontrar o bilhete premiado, a agulha no imenso palheiro do tamanho do mundo... o destino maquinava a meu favor e isso era um grande sinal.
O meu medo e a minha alegria só podiam me levar à confusão. Por isso mal consigo respirar, por isso estou na dúvida entre recuar ou me atirar.
— Quer um tempo, Clarinha? Quer deixar o choque passar? – perguntou Nana percebendo meu receio.
Senti-me como se tivesse que tomar uma medida extrema e rápida: pular ou não pular.
— Não. – abri minha página no facebook e pensei em digitar seu nome na busca.
Porém, se tomei a decisão de pular e mergulhar nessa descoberta, precisava ser objetiva: digitei, então, o nome da agência. E lá estava ela, a agência Circuito e, em sua página encontrei os links que me levavam aos sócios dela e, dentre eles, estava Fernanda ao alcance de um click.
Cliquei.
Fernanda Lemos. Havia recado de seus amigos, era uma página relativamente freqüentada. Cliquei finalmente em informações e lá vi a lista essencial, o que eu precisava saber para levar outro choque. No item relacionamento ela dizia que era casada.
Nana apertou minha perna e olhou-me cautelosamente assim que leu o mesmo que eu. Dei um meio sorriso como se não esperasse outra coisa.
— Claro que ela estaria casada, imagina que estaria solteira por todo esse tempo... – tentei imprimir a esse comentário dolorido um tom de naturalidade que, óbvio, não convenceu Nana.
— Você está solteira todo esse tempo por causa dela. – seu tom era acusador, indignado.
— EU não fui ao encontro Nana. EU não apareci enquanto ela me esperava. – estava nervosa.
— VOCÊ não apareceu porque quase morreu! – ela também estava. Tentei desviar meus olhos do dela porque começava a sentir vontade de me esconder e dar conta dos meus sentimentos sozinha. Mas Nana pegou delicadamente meu queixo e trouxe meu olhar para o dela novamente. Eu tinha que encarar a situação tal como era. — Clara, Fernanda tinha muito mais pistas para te encontrar do que o contrário. No entanto, ela se casou, tocou a vida durante esse tempo em que você enlouquecia sem saber como ir atrás dela. – parou um pouco, fechou os olhos por um instante, como se meu olhar triste a ferisse, mas continuou: — Eu já tinha te alertado que talvez ela não sentisse o mesmo que você (ver). Clarinha, se ela te amasse como você a ama, ela teria vindo atrás de você para saber o motivo de você não ter estado lá no local marcado.
— Mas nas primeiras semanas depois do atentado eu estava incomunicável. – não sei por que tentei argumentar, mas tentei me agarrar ao frágil fio de esperança.
— Fernanda teve muito tempo para pesquisar. Ela tinha seu telefone, ela teve todas as informações das primeiras semanas após o atentado para ter cogitado que talvez você tivesse sido uma das vítimas... e ido atrás, e se certificado. – suspirou diante dos meus olhos cheios de lágrimas suplicando que ela parasse. — Ela tinha como ter te encontrado antes de você ter encontrado ela.
Ficamos em silêncio.
Nana parecia aliviada por ter dito tudo o que pensava e eu me sentia pesada, como se o mundo tivesse desabado nas minhas costas.
Minha vida, mesmo incompleta, tinha encontrado uma maneira de se adaptar e voltar a se organizar. Agora estava tudo um caos novamente.
Se naquele item eu lesse o status solteira sentiria-me livre e alimentaria minhas expectativas, imaginaria que nela também havia uma lacuna, uma ponte rompida. Agora, diante de suas fotos, que eu abria no site que deixava a vida as pessoas expostas como uma vitrine, via uma Fernanda sorridente, aparentemente feliz, abraçada a um bonito homem sobre a legenda: “Eu e Pedro aproveitando as férias.” Isso me deixava vazia. Talvez mesquinhamente triste por saber que não fiz parte daquele momento feliz, que ela havia dado rumo à vida enquanto fiquei esperando reencontrá-la.
Depois de alguns minutos ausente, Nana reapareceu com a bolsa pendurada no ombro.
— Clarinha, acho que agora você precisa ficar sozinha. – e deu-me um beijo na cabeça. — Mas não vá ficar se torturando diante de fotos felizes. Se precisar me ligue a qualquer hora.

continua...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

CAPÍTULO 23 – LIBERDADE X CORAGEM

Foi uma noite muito louca. Em toda minha regrada vida nunca transgredi tanto. Considerando que tenho 35 anos, acho que demorei tempo demais para fazer isso: o que me deu vontade de fazer. Claro que vou ter que arcar com as consequências desse surto de liberdade e provavelmente pareça ridículo que uma mulher da minha idade, ou seja, aparentemente adulta, durma fora de casa deixando o marido esperando acordado (pelo menos espero que ele ainda se preocupe comigo). Mas, o que posso fazer se me descobri mais tarde do que seria considerado habitual? Que culpa tenho se a liberdade chegou até mim aos 35 anos?
Bom, a culpa é toda minha, mas se o preço é bancar o que vier pela frente, ok, estou disposta. Chega de me preocupar com que os outros vão dizer, não vou mais me esconder para ser conveniente.
Foi bom. Foi mais que bom... foi... libertário, como uma luz que ilumina as ideias e esclarece que ainda posso ir em busca de sentimentos e emoções mais complexos e profundos.
Eu tive tudo isso com Clarice, mas me foi dado e tirado com tanta rapidez que não houve tempo de saborear o quanto emoções e sentimentos intensos trazem sentido à vida e a deixa muito mais alegre. Agora Laís me oferece novamente fortes emoções. Não incluo os sentimentos porque o que aconteceu ontem foi causado pelo desejo e prazer que me trouxeram a gostosa sensação de liberdade, da qual não quero abrir mão.
Estacionei o carro na garagem de casa às seis e meia da manhã e liguei o celular. Lá havia mais de doze ligações de Pedro. Agora sim, sentia culpa, conforme o momento de encará-lo se aproximava. À medida que me encaminhava para a porta de entrada sentia-me péssima por ter de sacrificar a felicidade de alguém para ter a minha. Sentia-me mesquinha... egoísta. Já me lamentei por ter “usado” Pedro para me esquivar das minhas verdades, mas agora eu iria machucá-lo de fato.
Mas, será que ele é feliz? Feliz em ter apenas parte de mim? Será que ele já percebeu que nunca me entreguei completamente ao nosso relacionamento? Talvez seja um consolo pensar que também vou libertá-lo, para que viva um amor inteiro.
Meu coração batia forte, e não era de excitação.
Girei a chave com cuidado e abri a porta.
Dei de cara com meu marido cochilando, sentado no sofá. Ele despertou quando ouviu o barulho da porta se abrindo.
— Fernanda! – pulou do sofá em minha direção. — O que aconteceu?!
Parei diante dele sem coragem de dizer nada.
— Você está bem? Liguei milhares de vezes para seu celular, por que não atendeu? – sua expressão, a princípio, era de preocupação, mas depois de me tocar e constatar que fisicamente eu estava bem, sua angústia transformou-se em impaciência por conta do meu silêncio.
— Você não vai dizer nada? Fiquei aqui a noite inteira preocupado, esperando notícias suas!!!
— Passei a noite na casa de Laís. – tentei trazer naturalidade à minha voz. — Desculpa, Pedro. Jantamos, bebemos um pouco além da conta e acabei dormindo.
— O quê? E não podia ter atendido o celular, não podiam ter me avisado?!! – Pedro agora estava furioso.
— Meu celular estava descarregado... não pensei que... Desculpa, Pedro.
— Desculpa, desculpa! Você nunca fez isso, Fernanda! Que irresponsabilidade é essa? O que está acontecendo?
Estava de saco cheio dessa gritaria. Queria dormir.
— Pedro, eu só dormi na casa de uma amiga...
Ele continuava furioso, mas repentinamente silenciou me observando com desconfiança.
Preciso conversar com ele sobre nós, mas não consigo agora.
— Podemos conversar melhor, assim que eu tomar um banho...
— Não tenho tempo agora. – analisou-me demoradamente e em seguida saiu batendo a porta.
Mergulhei debaixo do chuveiro anestesiada. Um turbilhão de pensamentos dentro de mim. Não conseguia parar de pensar e não queria mais pensar... estava cansada, precisava desligar. Saí do banho enrolada na toalha e caí sobre a cama desfeita.

Desliguei.

Acordei às onze da manhã com uma sensação de ressaca, os pensamentos estavam um pouco mais calmos, não se atropelavam. Acho que agora consigo refletir... mas preciso trabalhar. Liguei para a agência a fim de saber meus horários de reunião e avisar que chegaria logo após o almoço.
Ontem parece que vivi um sonho, que nada aconteceu realmente – ir até a casa de Laís, jantar com ela e fazer sexo com ela. Sentia-me perdida... um pouco como naquele dia, já no Brasil, dentro do meu quarto, relendo pela centésima vez o bilhete que Clarice deixou no meu bolso antes de partir. A diferença é que agora sou eu quem tem o poder de conduzir as coisas, não estou esperando por ninguém para tomar a decisão de mudar minha vida.
Preciso de um tempo sozinha, mas preciso trabalhar.

Quando passei apressada para minha sala, Rogério, meu assistente, veio ao meu encontro com uma pilha de papéis para serem assinados.
— Tudo bem, Fernanda? – perguntou diante de minhas olheiras e expressão cansada.
Sorri amarelo sem responder e assinei o que considerei mais importante.
— Ana Paula já chegou? – quis saber enquanto dava uma olhada nos e-mails.
— Sim, está te esperando na sala de reunião.
— Ok. Por favor, mande café e água para nós.
Levantei-me e fui me encontrar com a bela ilustradora. De repente estou me transformando numa piranha lésbica que passou a noite em claro transando com uma e já está se lembrando da beleza morena da outra. Bati na porta e entrei.
Ela estava fazendo anotações na agenda e, quando me viu entrar, acho que se assustou um pouco com minha aparência, afinal hoje eu não estava num bom dia para ser A executiva poderosa. Ana estava linda num jeans que moldava suas pernas bem torneadas e numa camisa branca e jaqueta de camurça marrom. Levantou-se e estirou a mão em minha direção.
— Boa-tarde, Fernanda.
— Oi, Paula, tudo bem? – apertei sua mão e sorri sinceramente porque aquela mulher me transmitia leveza e confiança. Era agradável estar em sua companhia e agradeci mentalmente por ela estar ali.
— Tudo ótimo. – respirou fundo, abriu sua pasta e retirou esboços das imagens da campanha. — Trouxe riscos e provas para você olhar. – sentei-me ao seu lado e esperei que ela me passasse o material.
Olhei alguns riscos e algumas ilustrações coloridas e analisei-os em silêncio. Realmente eram muito bons, só precisavam de alguns ajustes, que pedi a ela rasurando as próprias provas para explicar o que eu queria. Ela aceitou a maioria das alterações e contestou outras, argumentando de modo que me convenceu.
O café chegou e paramos um pouco.
Estava num dia sem assuntos. Hoje, definitivamente, não sou uma boa companhia, mas Ana estava se esforçando para fazer com que aquela reunião fosse agradável. Eu também queria que fosse, mas não tinha forças.
Diante do silêncio que se instaurou, ela tomou um gole do café e sorriu me observando.
— Nada como uma xícara de café forte para recarregar as energias.
— Eu teria que tomar um balde. – sorri desanimada enquanto ela continuava me observando, acho que analisava a causa do meu estado.
— Não deve ser fácil cuidar de uma conta imensa como esta. – eu sabia que ela estava me analisando, e agora especulando.
— Se todos os problemas fossem as contas... – não sei por que disse isso. Escapou a lamentação para alguém que mal conheço.
— Claro. Há sempre mais contas... contas de trabalho, contas de família, contas de conta...
— É... também há contas perdidas que não recuperamos mais.
— Sim, nem todas conseguimos pegar.
Aquela conversa maluca, em códigos me pareceu engraçada porque nos entendemos perfeitamente. Eu não me sentia atraída por Ana Paula, apesar de ela ser belíssima, mas gostaria de ser sua amiga. Resolvi tentar.
— Você é muito talentosa, Ana. Posso chamá-la assim?
— Como quiser, meus amigos me chamam de Nana.
— Como não conheci você antes? Quero dizer, você é ilustradora e eu publicitária... geralmente as pessoas dessas áreas se conhecem.
— É que antes eu trabalhava mais com artes plásticas. Mas talvez você tenha ido ao Festival Ilustra, de 2004. Foi lá que ganhei meu primeiro prêmio e, consequentemente, notoriedade.
— Eu me lembro do festival e, agora, me lembro do seu nome como ganhadora, mas na época estava na Espanha.
Ana, subitamente, pareceu desconfortável. Mexeu-se na cadeira, cruzou os braços sobre a mesa, inclinou-se e encarou-me curiosa.
— É mesmo? O que foi fazer lá? – encarei-a um pouco confusa com a pergunta. Mas rapidamente Ana percebeu a indiscrição e, gaguejando, tentou consertar o inconveniente: — Desculpa, não foi isso que quis dizer... é que... adoro a Espanha! Tenho muitos amigos lá da área de arte... – parou a frase no meio e não entendi muito bem, pareceu-me que ela queria que eu complementasse a ideia ou desse prosseguimento à conversa. Achei estranho seu modo de me olhar.
— Gostei muito de lá, sim. – senti-me um pouco intimidada com seu olhar indagador. Sorri e tentei evitar um embaraço. — Há mais ilustrações para eu aprovar? – ela ainda me olhava, mas parecia que estava longe. — Ana?
— Oi, desculpa.
— Tudo bem?
— Sim. – ela juntou o material e o colocou na pasta com pressa. — Vou fazer as alterações que me pediu e marcamos outra reunião para a próxima semana. – levantou-se desastradamente, pendurou a bolsa no ombro e enfiou a pasta debaixo do braço. — Lembrei-me de um compromisso inadiável, me desculpa.
— Não precisa se desculpar, já terminamos.
Ana Paula saiu feito uma louca em crise.
Estranha...

— Alô!
— Clara?
— Fala, Nana.
— Estou chegando aí.
— Aconteceu alguma coisa?
— Aconteceu, me espera.

continua...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

CAPÍTULO 22 – OUTRAS COISAS CONTINUAM ACONTECENDO

— Fui lá na agência, te contei, não contei? Pois é, fui lá e você não tem noção de como é bonita a tal da responsável pela campanha... – dizia Nana lambuzada de restos do leite condensado que eu usava para preparar o bolo. — Um olhar, Clarinha, uma maneira de conduzir a conversa... Nossa, molhei!
— Acho que você está quase como eu: precisa dar, amiga...
— Quase como você? Acho que você está bem saciada, viu! Dizem que Laís sacia qualquer um...
— Vocês são um bando de fofoqueiros, isso sim.
— Se não fosse esse bando de fofoqueiros você ainda estaria virgem, ok, querida?!
Rimos de nossas próprias besteiras. Percebi que Nana queria saber mais sobre a noite que tive com Laís e, com jeitinho, ia arrancando tudo de mim.
— Mas... me fala uma coisa, Clara... você curtiu? Acha que rola uma coisa a mais com ela?
— Nana, não estou pensando em me apaixonar por Laís.
— Você consegue pensar por quem vai se apaixonar e por quem não vai se apaixonar? Me ensina isso?!
— Não é isso que quis dizer... – voltei-me para Nana depois que coloquei o bolo no forno. — Não está nos meus planos ficar alimentando mais do que sei que Laís pode me dar. Foi legal, foi ótimo, voltei a me reconhecer completamente graças a ela, mas, por enquanto, é só. Não nos falamos depois e provavelmente não nos falaremos até o dia da exposição.
— Essa exposição será um bafão.
Encostei-me na pia e fiquei pensando na ideia que tive de procurar alguma pista de Fernanda na internet.
— O que está pensando, pequena? – Nana me observava sentada sobre a mesa ainda lambendo os dedos.
— Pensei em fazer uma busca por Fernanda na internet.
— Mas, até para encontrar uma pista na net você precisa ter um dado qualquer. Lançar no Google apenas o nome Fernanda não vai ajudar. – lavou as mãos em silêncio e, como eu, pensava. — Clara, você recebeu um cartão dela, não se lembra mesmo do que estava escrito lá?! O sobrenome, o nome da empresa onde ela trabalha, o endereço...
— Ontem passei a noite em claro tentando me lembrar... e nada.
Eu me lembro de ter olhado muito para aquele cartão, mas não consigo recuperar à memória o sobrenome dela. Que droga!
— O que ela foi fazer na Espanha? – Nana enxugou as mãos e foi olhar como estava o bolo no forno.
— Foi fechar um negócio. Ela é publicitária, marqueteira, não sei bem... só sei que conseguiu uma conta superimportante, mas também não me lembro do nome da empresa da qual era a conta.
— E você não se lembra do nome da agência...
— Não. – respondi ainda mais desanimada. Toda vez que me esforço para lembrar de algo que me leve até Fernanda fico péssima e me sinto uma inútil de mãos atadas, impotente.
O telefone.
— Alô!
— Oi, Laís! Tudo bem? – Nana me olhou o sorriu com malícia cruzando as pernas, indicativo de que escutaria nossa conversa. Fi quei feliz em ouvir a voz doce de Laís, mas estava desanimada com o “rumo” de minhas investigações.
— Sim... foi muito bom. O quê? Na quarta? – Nana fazia sinal positivo para que eu aceitasse fosse o que fosse. — Bom, na quarta darei aula no período da manhã, mas podemos almoçar então. Ok... combinado!
Depois que desliguei, Nana pegou sua bolsa para ir embora, me deu um beijo e:
— Pense na possibilidade de Laís estar apaixonada por você... pense na possibilidade de voltar a se apaixonar.

continua...

terça-feira, 10 de agosto de 2010

CAPÍTULO 21 – UM TRIÂNGULO E O JOGO DE XADREZ

Eu sabia.
Incrível como esse mundo é mesmo pequeno, e dá voltas, jogando evidências e coincidências aos nossos pés. Incrível...
Clarice voltou da Espanha toda remendada e, com o passar dos meses, anos, achei que os ferimentos também haviam atingido seu modo de ser porque voltou mudada, diferente e eu não conseguia atingir meu objetivo: tê-la para mim. Mas, então, há pouco tempo, por meio de intensas e incansáveis “pesquisas”, descobri que a mudança vinha de outro tipo de ferimento: um coração partido. Antes de ela embarcar eu estava conseguindo, mas ela teve que ir para aquele mestrado idiota, do outro lado do mundo, e tudo aconteceu. E voltei à estaca zero.
Eu, como peça em um jogo de tabuleiro, numa jogada do destino, fui parar próxima à mulher que feriu os sentimentos de Clara. Fernanda. Como eu poderia imaginar que a esposa de meu amigo de faculdade fosse ter um caso relâmpago com a mulher por quem estou apaixonada? Como imaginar que Fernanda, toda convencional, certinha, burguesinha, ardesse de amores por outra mulher? E a hipócrita fica se escondendo atrás da máscara “família tradicional”. Bom, mas ela está tentando mudar, é fato. Eu mais do que qualquer pessoa testemunho essa mudança... e até a estou ajudando. Claro, o que me custa ajudar uma mulher como Fernanda (linda!) a sair do armário, e ainda ser uma das primeiras a prová-la? Afinal, a primeira foi Clarice, sempre disputando minhas presas...
Estava sentada na poltrona da sala escura de meu apartamento pensando em tudo que me aconteceu nos últimos dias e planejando o que fazer quando a campainha tocou.
— Oi, Gustavo.
— Que cara é essa? – entrou e foi direto para o bar servir-se de bebida. Eu já estava com a minha e voltei a me sentar sem cerimônia. — Deveria estar feliz, o lançamento da exposição tão próximo...
— Descobri por quem Clarice sofre todos esses anos.
Gustavo virou-se para mim com aquele brilho no olhar. Ele, assim como eu, simplesmente ama uma novidade, ainda mais quando tem a ver com a vida de outra pessoa. Mas, agora, o que está em jogo é o amor de Clarice... e esse jogo não vou perder.
Ele agachou-se à minha frente com o copo de uísque na mão.
— Ela apareceu depois de três anos?
— Não. Eu a descobri, mas ela não sabe que conheço Clarice. – sempre me diverti atiçando a curiosidade de Gustavo. Quanto mais suspense melhor. Eu sorria com o canto dos lábios e o olhava intensamente para não perder nenhuma de suas reações.
— Quem é ela, Laís? – já estava desesperado. Tomei mais um gole da vodka calmamente, acendi um cigarro e voltei a encará-lo.
— Não quer arriscar um palpite?
— Não faço a menor ideia de quem é? Você conheceu alguma mulher ultimamente? – tomou mais de sua bebida e tirou o cigarro de minha mão para tragar.
— Posso dizer que a conhecemos há algum tempo. Mas, intimamente, só a conheci ontem à noite. – sorri maliciosamente e triunfante. Gustavo entendeu e gargalhou maquiavelicamente.
— Eu conheço a pessoa em questão?! E você já comeu o caso de Clarice?!
— Já. Deliciosa... – soprei a fumaça com força para cima lembrando-me da noite maravilhosa que tivemos. Fernanda nasceu para amar mulheres.
— Quem é, Laís? Não deixe seu amigo aqui nesse estado de desespero! – suplicava Gustavo virando a última dose.
— Prepare seus ouvidos. – disse aproximando-se de seu pescoço para fazer a revelação bem ao pé do seu ouvido. — O nome dela é Fernanda.
Ele me olhou com o cenho franzido, sem entender.
— Quem é Fernanda?
— Qual é a única Fernanda que você conhece, Gustavo?
Ele pensou e:
— A única que conheço é a mulher do... – quando me viu sorrir com olhos brilhantes, interrompeu a frase e meneou a cabeça incrédulo.
— Não, não pode ser... – observou-me e, como mantive firme meu olhar: — Fernanda, mulher do Pedro, teve um caso com Clarice na Espanha??? – mais uma gargalhada: — O cara levou um chifre internacional da mulher com outra mulher!!!
— Eles não estavam casados na época.
— Não estavam casados, mas estavam noivos. Queria ver a cara dele se soubesse...
— SE soubesse. – puxei-o pela gola da camisa e olhei séria bem fundo dos seus olhos cínicos. — Ele não vai saber de nada... pelo menos por enquanto.
Seu sorriso sarcástico já dizia o quanto ele me conhecia.
— Está tramando alguma coisa, não é?
— Elas não podem se encontrar.
— Então porque você e Fernanda estão tão próximas se Clarice é seu objeto de desejo?
— Preciso ter Fernanda sob minhas vistas. Ela ainda é obcecada por Clarice... não posso deixar que se esbarrem por aí. – apaguei o cigarro e sorri sem olhar para Gustavo. — E ela é tão bonita, beija e transa tão bem que seria um desperdício deixá-la por aí.
— Cuidado, você pode ficar sem as duas.
— Não me interessa por muito tempo Fernanda, mas Clarice vai ser minha.


continua...

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

CAPÍTULO 20 – OUTRAS COISAS ACONTECEM

Um reboliço dentro da minha cabeça e do meu coração. Neurônios e sentimentos revoltaram-se contra mim. Nenhuma massagem, nenhum exercício aliviaria minha tensão por enquanto. Estava estressadíssima e não era TPM.
Queria ter com quem conversar, me lamentar, encher a cara sem vergonha e vomitar no asfalto... queria não ter que ser sempre tão educada e fina.
Não aguentei e liguei para Laís, mas ela estava com a cabeça a mil, claro. A exposição era daqui a quinze dias, estava enlouquecendo com a preparação dos detalhes que se transformam em pontos fundamentais para que tudo saia perfeito.
Resolvi ir ao cinema novamente, ouvir música de olhos fechados e amadurecer a ideia de me divorciar de Pedro... que nem desconfiava desse meu drástico pensamento porque, como sempre, eu não disse. Ele achava que tudo se resolveria naturalmente, era só questão de me vencer pelo cansaço.
Dias exaustivos. Mas Laís me ligou numa noite fria e entediante.
— Fê, queria te ver...
Aquele quase pedido me fez sentir um frio na barriga e meu coração acelerar. Laís falava baixo, com tom de voz absurdamente sensual, de maneira que eu me sentisse incrivelmente seduzida e não cogitasse a possibilidade de não obedecer ao seu chamado. Tê-la de vez em quando em minha vida era um prazer. Poderia sentir-me culpada por estar envolvida cada vez mais com essa mulher enquanto meu casamento afunda na mesma proporção, mas só sinto vontade de ter mais uma vez o gosto de um beijo cheio de desejo. Estou necessitada de me apaixonar.
— Podemos nos encontrar hoje. – respondi imediatamente porque tinha pressa. Fazia quinze dias que esperava por aquele telefonema.
— Venha até minha casa. – fez uma pausa. Ouvi um riso do outro lado da linha. — Cozinho para você. – o sorriso transpareceu na voz extremamente maliciosa.
— Ok. Levo o vinho. – tentei dar à minha voz o mesmo tom desejoso, mas talvez meu nervosismo e pressa tenham ficado mais evidentes.
Arrumei-me e torci para não me encontrar com Pedro chegando do trabalho. É, eu parecia mesmo uma fugitiva, uma falsa, muito a fim de viver algo diferente do que vivia no momento, e estava disposta a isso mesmo que não fosse muito honesto.
Tomei um banho, vesti um jeans e um pulôver quente, calcei botas, coloquei uma jaqueta, passei meu melhor perfume e fui. Parei no supermercado e comprei duas garrafas de vinho (duas era uma quantidade sugestiva) e alguns tipos de queijo. Enquanto fazia tudo isso, sentia-me excitada. Havia alguém me esperando, havia alguém fazendo planos para mim. Jamais pensaria em fazer algo parecido meses atrás... mas Laís tinha aparecido, ressurgido com força e agitado meus sentimentos, provocando meus instintos adormecidos.
É claro que o que sinto agora é diferente do que senti naquele avião a caminho da Espanha. Não posso, não devo fazer comparações. O que sinto por Laís é um tesão imenso intensificado pela carência, pela falta que Clarice me faz. Essa necessidade carnal, esse desejo todo também é maravilhoso, mexe comigo, me faz bem, e faz tempo que não me sinto tão bem diante de um momento ansiosamente esperado.
Às oito da noite estava diante da porta da casa de Laís. Quando toquei a campainha, um arrepio percorreu todo meu corpo e até me veio uma vontade de sair correndo, tamanho era o turbilhão de sensações que se deu dentro em mim. Porém, quando a porta se abriu e vislumbrei um metro e oitenta de mulher, num vestido curto e decotado, que deixava pernas e seios em evidência (dentro de sua casa deveria estar bem quente), senti-me tentada em ultrapassar aquela porta e me permitir todos os prazeres que aqueles olhos azuis sedutores me ofereciam. Ela sorriu-me tão sensual estirando sua mão para que eu a acompanhasse que fiquei meio boba, sem reação. Só acordei quando já estava em sua sala e ela me deu um beijo demorado no rosto.
— Que bom que está aqui. – olhou-me profundamente e fez sinal para que eu virasse de costas para que ela tirasse meu casaco... acariciando minhas costas. Entreguei-lhe os vinhos e queijos e fomos para a cozinha aconchegante e acolhedora, inundada por um cheiro maravilhoso de molho e ervas. A luz era fraca e a decoração da mesa insinuava sedução e prazer.
Sentei-me num dos bancos junto à bancada que dividia a cozinha da sala de jantar enquanto ela terminava o molho da massa. Abri uma garrafa de vinho e cortei parte dos queijos que serviram de aperitivo enquanto conversávamos.
— Como estão os preparativos para a exposição? – perguntei a fim de relaxar um pouco antes que a excitação me fizesse perder a compostura.
— Sempre acho que falta muita coisa e que não terei tempo de resolver tudo a tempo, mas me dizem para eu não me preocupar... então tento relaxar. – ela colocou calmamente a massa numa travessa e, ao passar por mim, em direção a mesa posta parou e olhou-me sorrindo. — Por isso te liguei.
— Que bom que minha companhia relaxa você. – correspondi seu olhar convidativo.
Laís cozinhava divinamente e aquele sabor misturado ao vinho e ao desejo que eu sentia era enlouquecedor, irresistível.
Conversamos boa parte do tempo sobre a exposição. Na verdade, sentia que aquela conversa era apenas um pretexto para a troca de olhares, para dar o tempo necessário ao acontecimento que se aproximava... e que esperávamos com sofrimento até. Era parte do jogo e hoje serei uma exímia jogadora.
— Você está melhor do que o dia em que conversamos pela última vez. – comentou com a taça de vinho a caminho dos lábios.
— Acho que sim. Andei pensando... inclusive na conversa que tivemos e acho que estou amadurecendo algumas decisões que preciso tomar. – novamente eu estava confidenciando, mas também deixando clara minha permissão para que aconteça o que tiver que acontecer.
— Desculpe-me voltar ao assunto, Fernanda... mas, qual o nome da mulher que você conheceu na Espanha? – percebi que me perguntou com cuidado, analisando minha reação. Mas não entendi aquela pergunta... naquele momento.
— Por que quer saber? – perguntei um pouco desconfortável porque, ao mesmo tempo em que dividi minha história com ela, sentia ciúme dessa mesma história.
— Curiosidade apenas, querida. – seu olhar me analisava minuciosamente e me intimidava. O que aquele olhar queria me dizer?
— Clarice.
— Bonito nome. – deu um meio sorriso e desviou seus olhos dos meus em direção à taça de vinho. Pegou-a, fez movimentos suaves para que a bebida circulasse e tomou um grande gole. Queria ter o poder de ler pensamentos para entender o motivo daquela reação. Pareceu-me que o nome causou em Laís um choque, que ela tentou disfarçar com gestos cuidadosos.
— Aconteceu alguma coisa, Laís?
Então, voltou-se para mim como se tivesse saído de um transe e olhou-me intensamente alargando o sorriso.
— Não, querida. Estou ótima e feliz com sua visita. – fez uma pequena pausa e colocou mais vinho nas duas taças. — Foi um erro voltar a esse assunto. Quero que aproveitemos este momento, só importa o que acontece agora, Fernanda. – sua voz baixa, quase um sussurro, arrepiou-me de tal maneira que fechei os olhos e os abri quando senti sua perna acariciando a minha por debaixo da mesa. Encarei-a séria, engoli a seco e, estática, esperei que ela se inclinasse até mim. — Acho que já deixei claro várias vezes que você é linda, não? Que é extremamente sensual... – cochichava no meu ouvido. — E eu quero você.
Laís começou a beijar meu pescoço e eu já tinha perdido o controle sobre meu corpo, que estava teso, dormente de vontade de sentir os beijos que, aos poucos, Laís espalhava sobre ele. Puxei-a com força de encontro a mim e devorei sua boca. Naquele momento eu também poderia mostrar a ela como se faz porque meu desejo explodia com tanta força que beirava a violência. Ela levantou-se trôpega, agarrou-me pela cintura e, sem que nossas bocas se desgrudassem, levou-me em direção ao quarto. Íamos nos beijando e tropeçando e derrubando o que havia pela frente. Quando chegamos próximo a sua cama eu já estava sem a blusa e ela com parte do vestido caída a seus pés. Apertei seu seio com força e ela gemeu no meu ouvido. Laís empurrou-me com a mesma força para cima da cama e tirou o restante da minha roupa. Sorriu enquanto beijava minhas pernas e, com o canto dos olhos me observava enlouquecer com aquela tortura. Eu não dizia nada porque o momento não era para declarações de amor, era de um tesão imenso, que não cabia em mim.
Enquanto acariciava seu cabelo, Laís encaixou-se no meio de minhas pernas e, assim que encostou sua língua no meu ponto mais excitado, respirei fundo para aproveitar o máximo que conseguisse. Ela se tocava ao mesmo tempo e não demorou muito para que gozássemos... e gozamos mais, e eu mostrei a ela que também sabia fazer, e ela me olhava com olhos sacanas e pedia mais, e mais, e mais... até que, exaustas, dormimos.

continua...

CAPÍTULO 19 – ALGUMAS COISAS NUNCA SE ESQUECE

Laís foi pontual, às seis da tarde estava me chamando pelo interfone.
Estava um pouco nervosa porque nós duas sabíamos que a intenção do encontro não era apenas ver a exposição para que eu pudesse escrever o artigo. O galpão e as obras eram apenas um pretexto. Tenho certeza de que o pessoal buzinava bastante no ouvido dela: “olha, Clarice está a fim de você... olha, Clarinha está na seca faz um tempão, trata de dar conta, viu?”. Conheço bem a turma da qual faço parte. Do mesmo modo, ouço há tempos vozes que sussurram sempre: “nossa, como Laís é linda! Como você ainda não fez nada?!”. Pensar nas vozes e imaginá-la lá embaixo arrumada me esperando me deixava... não sei... num misto de nervosismo e excitação, afinal, parecia minha primeira vez. Que louco isso.
Assim que a porta do elevador se abriu, vi Laís na portaria. Estava realmente linda, mas... diferente. Ela sempre gostou de vestidos estilosos, saltos altos, maquiagem, sempre pareceu estar vestida para um grande evento mesmo quando estava conosco no shopping. Agora usava um jeans, uma sapatilha e um casaco de lã... seu cabelo estava levemente penteado, sem pomadas e afins... básica. O batom destacava sua boca grande e seus olhos continham o azul deles moldados por sobrancelhas escuras.
Ela me olhava fixamente como se também estivesse surpresa. Infelizmente eu não podia colocar salto, calçava all star, vestia uma saia de tecido leve e uma camisa delicada. Sou pequena, preciso me sobrepor às roupas que visto. A mulher lindamente básica sorriu e veio até mim:
— Clara, você está linda!
— Você já me viu assim antes... – tentei fazer daquilo um momento normal, não tão especial. Acho que estava com medo de algo além do que estava sendo, mas ela parecia que não tinha um pingo de medo.
— Então vou mudar o sentido da frase: Clara, você é linda!
Tremi. Droga.
— Você também está... linda, sim... mas, diferente...
— Provavelmente porque não estou em cima de uma plataforma... – sorriu enquanto caminhávamos devagar para o carro. Ela ficava por perto, mas não me segurava. Gostava da maneira como ela agia para que eu pudesse fazer as coisas sozinha.
— Acho que é isso.
Assim que entramos no carro começou a chover e pegamos trânsito até chegarmos ao galpão. Ficamos alguns momentos em silêncio, outros cantando a música que tocava no rádio... outros falando besteirinhas... outros nos seduzindo...
— Espero que no dia do lançamento não chova assim, senão estarei perdida. – comentou Laís preocupada.
— Vai dar tudo certo. – olhava para fora do carro e via pessoas correndo da chuva.
— Bom, mas hoje não quero pensar na exposição. – o azul de seus olhos me inundou. Tentei ser forte, mais para fazer o jogo da sedução do que para dar uma de difícil.
— Mas estamos indo para o galpão... Não vou ver a exposição antes de todo mundo? – perguntei com um sorriso malicioso, mas, impressionantemente, não via cinismo em seu olhar.
— É diferente. Hoje quero dividir o que acho belo com você, não estou pensando em pessoas elegantes zanzando pelo galpão nem em holofotes. – sorriu ternamente.
Eu sorri sem graça. Acho que perdi a prática da sedução.

Chegamos quase uma hora depois. Dessa vez Laís pediu que eu ficasse dentro do carro. Abriu um guarda-chuva e deu a volta no veículo para que eu não me molhasse, segurou minha mão e entramos no imenso galpão ainda sendo preparado para a grande festa que aconteceria daqui a menos de um mês. No entanto, ele estava preparado para a festa de hoje: uma mesa redonda posta sob luz de velas para duas pessoas. Isso não fazia parte da exposição.
— Já que você recusa todos os meus convites para jantar, achei que poderia trazer o jantar até aqui.
Nossa!
— Acho que você pensou em tudo... – respondi andando pelo galpão a fim de ver suas obras.
— Pensar, pensei... só não sei se tudo que pensei se concretizará. – disse caminhando atrás de mim, olhando para as mesmas imagens que eu.
Conversamos sobre arte, sobre o que ela pensava a respeito da arte, e sobre as expectativas para sua primeira exposição individual. Queria todos os detalhes vindos dela, já que eu escreveria tudo sobre isso, que eu via em primeira mão.
Conheci um pouco melhor Laís, descobri que, por trás da mulher fatal, existe alguém sensível, intenso, emocional. A frieza que seu modo de conquistar transmite me pareceu, na verdade, uma carcaça, uma defesa... mas ela não estava se mostrando fria comigo, muito pelo contrário. Falou-me de seus planos, medos e inseguranças, se expôs, confidenciou-me emoções, sensibilidades que não pensei que fizessem parte dela. Confesso que fiquei surpresa... Mas também percebi que aquele momento de intimidade estava funcionando como moeda de troca: ela se abria comigo, mas queria saber mais sobre mim. Deixei que ela falasse e observava seu jeito de me olhar, que acabava dizendo-me mais do que suas palavras.
— Hoje quero ser só a Laís, não Laís “a artista plástica mais representativa da nova geração”, como disse o jornal bambambam sei lá de onde. – disse sorrindo enquanto me servia já na mesa de jantar.
— Por isso desceu do salto? – provoquei enquanto bebia um pouco do vinho.
— Não. Não quis colocar salto para não ficar tão mais alta que você... – sorriu um pouco embaraçada. — ... e porque sei que você adora saltos e, por enquanto, não pode usá-los. Queria estar mais próxima de você. – não sei se entendi bem o que ela quis dizer, mas houve uma sensibilidade tão grande naquela fala que me comoveu.
— Não precisava fazer isso, Laís... estou bem.
— Só quero me sentir mais próxima, para que você perceba que não sou sempre Laís, “a artista...
— ... plástica mais representativa da nova geração.” – falamos juntas e brindamos à Laís Laís, não aquela que sai estampada nas páginas de jornais e revistas.
Contei sobre meu novo emprego, sobre minha intenção em voltar a fazer mestrado e a tocar a vida. Ela aproximou sua cadeira da minha e trouxe seu copo com vinho. Meu corpo inteiro sentiu um choque. Um termômetro qualquer lá embaixo, dentro do meu jeans, devia estar acusando febre intensa.
— Que bom que voltou... – comentou Laís séria me olhando nos olhos. E eu nos olhos dela.
— Estou aqui há um bom tempo, já.
— Você estava presa em algum lugar... não sei onde porque nunca me disse, mas acho que agora começa a voltar... – dizia baixinho, quase com o nariz no meu pescoço. Obviamente ela percebia que eu estava toda arrepiada e isso dava a ela mais estímulo para continuar sussurrando próxima ao meu ouvido. — Volta para mim, Clarinha... volta para eu te mostrar que aqui, comigo, também pode ser especial.
Fechei os olhos para sentir o cheiro de seu perfume e deixar meu corpo reagir sem pudor. Senti seus lábios nos meus delicadamente, beijou o canto de minha boca, meu rosto, meus olhos, meu nariz... depois desceu para meu pescoço e sua mão, ainda segurando o copo, deslizou sobre minha perna embaixo da mesa. Tirei o copo que segurava e recoloquei sua mão entre minhas pernas.
— Vem comigo. – disse olhando-me intensamente. Levantou-se, ajudou-me a levantar e conduziu-me até um espaço quase vazio do galpão. Lá havia apenas um colchão, dois grandes candelabros com velas acesas, um de cada lado da cama improvisada, e pétalas de rosa vermelha jogadas ao redor. O ambiente era incrivelmente romântico. Jamais pensei que algo assim pudesse vir de Laís.
— Faça um balanço da decoração depois. – advertiu-me antes que eu dissesse qualquer coisa. Envolveu-me num abraço aconchegante e beijou-me com desejo e intensidade. Seu beijo era extremamente sensual, sugava meus lábios, minha língua... deitamo-nos no colchão e ela começou a desabotoar minha camisa com cuidado enquanto nos olhávamos com todo o tesão enrustido, da época em que disputávamos as menininhas da faculdade, o tesão de década que agora se derramava ali naquele colchão rodeado de luz branda e pétalas de rosa.
Meu corpo vai muito bem, obrigada. Todas as reações, todas as vontades concentradas no centro, no clitóris explodindo. Sentia-me molhada, sentia-me salivar por Laís, todo o instinto animal ali, guardado há três anos e prestes a me inundar de sensações que sempre amei sentir. É ótimo transar como se fosse a primeira vez, mas já sabendo o que vou sentir.
Laís primeiro me comia com os olhos, depois lambia e chupava minha pele como se estivesse com muita sede. Foi delicada nos momentos oportunos, mas completamente feroz quando deveria ser. Adorei. Explodi como tantas outras vezes e foi ma-ra-vi-lho-so. Mesmo ainda não tendo a habilidade de antes, consegui escalar seu corpo lindo, macio, e olhei-a nos olhos antes de me enterrar entre suas grandes e torneadas pernas. Chupei Laís inteira com um desejo enorme, como se me satisfizesse do mais delicioso banquete. Sinceramente, não conseguia sentir por Laís a ternura da paixão adolescente, mas a atração era absurda, animalesca. Por um momento quase pensei em Fernanda, mas não poderia fazer aquilo nem comigo nem com Laís. Briguei com parte dos meus pensamentos rebelados, fechei os olhos e pude sentir a mulher que estava ali comigo, maravilhosa, morrer nos meus braços.
Fizemos sexo à noite inteira.
Acho que, em menos de duas horas, tirei o atraso de anos.
Laís é insaciável, deliciosa, capaz de me levar à loucura várias vezes num mesmo orgasmo. Fiquei acabada, como se tivesse levado uma surra, mas, ao mesmo tempo, leve... e grata por ela ter me dado tanto... e eu a ela.
Ficamos em silêncio. Ela abraçada a mim fazendo carinho no meu cabelo espalhado pelo travesseiro.
— Acho que precisamos ir... – eu disse finalmente sentando-me no colchão, para apreciar melhor aquele corpo nu deitado próximo a mim.
— Acha mesmo? – sorriu Laís passando as mãos pelo cabelo. — Ficaria aqui o resto da vida.
— Calma, mocinha, faz tempo que não faço nada do que fizemos aqui a noite inteira. – ela me puxou pelo pescoço e me beijou.
— Você é muito mais do que eu imaginava.

continua...