Capítulo X: O aniversário de Renata
5h.
Madrugada quando Renata se mexeu e sentiu que estava em um lugar diferente. Não era sua cama... também não era a cama de Luciana, mas era o sofá dela e ela estava ao seu lado, ressonando lindamente... calma... seu braço estava enroscado no dela e Rê ficou assim, olhando-a dormir como um anjo. Pensou, naquele instante, que queria muito ficar com ela e decidiu que essa seria sua meta, sua maior e mais importante conquista: dormir e acordar ao lado dela... observa-la dormir quantas vezes quisesse... enroscar seu braço no dela todas as noites. O braço e o resto de seu corpo... queria Luciana e queria ser dela. Nunca pensou em viver durante muito tempo com alguém.
Passou levemente a mão sobre os lábios macios de Lu e sorriu fascinada. Beijou-lhe o rosto com cuidado e desenroscou-se dela – apenas o braço -, levantou-se e desligou a TV. Procurou uma manta, jogou por cima de seu amor e saiu devagar. No elevador estralou-se toda, esticou-se... estava com as costas em frangalhos, mas nunca esteve tão feliz, tão completa por simplesmente ficar por algumas horas ao lado de Luciana... sem beijos ardentes, sem carícias ousadas... apenas a companhia, o clima, o sentimento de querer bem no ar. “Ela sente algo por mim...” Concluiu Renata enquanto dirigia para casa ainda em uma espécie de transe... uma felicidade viajante: “Como diria a Cupido: nossas energias se encontraram.” Maravilha!
_ Ela gosta de mim!!! – disse em alto e bom som dentro do carro, ouvindo música, sorrindo... momento pleno de uma felicidade singela e tão verdadeira.
Rê subiu para seu apê. Queria ligar para Camila, mas lembrou-se que eram 6h e Camila a mataria... a amiga era um doce, mas quando acordada seria capaz de cometer um homicídio. “Melhor tomar um banho, um café e ir para o trabalho...”
No trabalho soube que teria de viajar no dia seguinte: Salvador. O hotel a chamava... impossível recusar. Ficou um pouco mal-humorada, pois a festa seria hoje e teria que estar no aeroporto logo cedo, no dia seguinte. “Droga!” Mas logo seu mau humor se foi... recebeu os cumprimentos de todos os funcionários do hotel, sua segunda família. Compraram-lhe um bolo - de chocolate - e um novo celular com mais capacidade para os números de telefone: eles sabiam que Renata possuía muuuitos números. Brincavam, falavam besteiras, comiam e bebiam quando seu velho celular tocou:
_ Rê!
_ Oi, Lu!!! – seu coração disparou e, imediatamente, afastou-se do grupo.
_ Desculpa por ontem, ou melhor, por hoje cedo... nem vi quando você foi embora...
_ Imagina, não quis te acordar...
_ Parabéns, querida! Tinha planejado lhe entregar o presente hoje quando chegamos em casa, mas começamos a conversar e acabei esquecendo...
“Meu melhor e maior presente é você, linda!” – pensou Renata enquanto ouvia a voz suave de Lu. Ela havia lhe chamado de “querida”.
_ Meu presente será sua presença em minha festa logo mais...
Silêncio.
_ Lu?!
_ Oi. Rê, eu queria muito ir, mas houve um imprevisto aqui no jornal e terei que viajar amanhã cedo pra Curitiba... – sua voz era de decepção e Renata ficou mais decepcionada ainda.
_ Ahhh não, Lu! Você não pode deixar de ir... não pode fazer isso comigo! – o tom de súplica de Renata deixou Lu com o coração apertado. _ E eu também terei que ir pra Salvador amanhã cedo... estou na mesma situação que você!
Silêncio.
_ Tá. Quero muito ir à sua festa... mas, não poderei ficar até tarde.
_ Bom... melhorou!
_ Nos veremos lá então!
Luciana desligou o telefone um pouco chateada: “Por que viajar justo amanhã?!” Às seis teria que estar no aeroporto e nem poderia cogitar a idéia de não ir. Mas, logo ficou feliz ao reproduzir em seu pensamento a breve conversa que teve com a amiga. Renata tinha uma voz tão decidida e meiga ao mesmo tempo... não sabia definir, assim como não sabia ainda definir os sentimentos da “pegadora” com relação a ela. “Ela gosta de mim...”, disso tinha certeza. Sentia isso quando a olhava nos olhos, quando sorria... percebeu isso quando acordou hoje às sete da manhã e estava coberta por uma manta... “que linda, se preocupando comigo!”. Sabia que estava apaixonada, já tinha plena consciência de seu estado “doentio”, mas tinha medo. Uma mulher tão instável emocionalmente, tão experiente na “arte” da conquista, sempre rodeada por tantos apaixonados como ela. Ela, Luciana, não queria ser mais uma tonta seduzida na vida de Renata... um número, mais um item para seu extenso currículo. Não a beijaria simplesmente para saciar uma atração física porque não era apenas isso o que sentia... rolava um sentimento, algo mais fundo, mais complexo e não queria simplificar tudo num beijo ardente que no dia seguinte Renata, provavelmente, esqueceria. Às vezes ouvia uma música do Lulu Santos que a fazia se lembrar daquela mulher de olhos intensos cor-de-mel: “Eu gosto tanto de você, que até prefiro esconder, deixo assim ficar subentendido... como uma idéia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de acontecer...”
Iria. Iria à festa. Entregaria seu presente com amor... observaria sua desenvoltura e espontaneidade diante das pessoas que estariam lá. Encontraria Camila, conversariam besteiras e depois voltaria para casa com um gostinho de quero mais.
Renata estava se arrumando quando Camila chegou. Cupido estava linda num vestido preto, usava cordões enorme feitos de miçangas e prendia o longo cabelo com um lenço. Estava ao seu estilo... totalmente zen. Rê ainda estava indecisa, não sabia se colocava um vestido vermelho, fatalmente provocante, ou uma calça que a deixava irresistível, combinando com uma blusinha de estampa indiana – presente adivinhem de quem!
_ Vá com o presente que te dei porque quando vi essa blusinha na vitrine pensei: “Esse presente trará bons fluidos para minha amiga...”!
Rê começou a rir: Camila era hilária com essas manias.
_ Espero que essa blusinha me traga sorte... e que seja arrancada por alguém... – gargalhavam enquanto a aniversariante secava o cabelo.
_ E quem seria esse alguém? – perguntou Cá, maliciosamente, enrolando uma parte de seu cabelo nos dedos. A amiga a olhou pelo espelho e seus olhos cor-de-mel responderam a pergunta.
_ Você sabe!
Camila ligou para Luciana a fim de saber se ela não queria que as duas passassem pelo seu apartamento para irem juntas. Mas, Lu ia com seu próprio carro, já que pretendia voltar cedo.
_ Nossa! Não acredito! Hoje poderia ser o grande dia para vocês duas e as duas terão que viajar amanhã... Que merda!!! – resmungava Camila no carro com Renata.
_ Eu não sei o que te deu pra pensar que hoje, justamente hoje, rolaria algo de mais entre mim e a Lu. – questionava Renata enquanto dirigia.
_ Eu sinto.
_ São as energias?
_ Isso.
As mesas já estavam reservadas e o lugar cheio. Amigos da faculdade, das praias, de outras baladas, do hotel... muitos eram os convidados e Renata se sentia bem rodeada de pessoas queridas. O som estava ótimo e todos se divertiam. Vez ou outra ela procurava por Luciana, mas a amiga não chegava e isso a preocupava... não podia aceitar o fato de ela não estar lá... Lu tinha que participar de todos os seus momentos especiais.
Camila sumia, aparecia e sumia novamente. Logo estava alta, rindo à toa e analisando os astros.
Uma hora depois sua paixão platônica surgiu. Como conhecia algumas das pessoas que estavam ali, não foi possível seguir uma linha reta até Renata que a observava de longe. Parava para cumprimentar um, outro, mais um adiante... oferecendo tempo para que Renata se recuperasse do choque ao vê-la entrar deslumbrante num vestido curto, de alcinhas, descontraída, informal, totalmente sedutora, sensual... e percebia que as pessoas estavam atraídas por aquela visão. Entornou uma dose de uísque, tirou um cigarro do maço e continuou a observá-la quando foi interrompida por Camila.
_ Está dando bandeira, garota! Fecha a boca se não a baba vai cair! – divertia-se Camila tirando o cigarro de entre os dedos da amiga e dando uma forte tragada. _ Ela está linda, não é? Juro que se eu gostasse eu pegava...
_ Não seja vulgar!
_Olá meninas! – finalmente a deslumbrante Lu conseguiu se aproximar sorridente. Seus olhos brilhavam, estava especialmente feliz naquele dia tão especial para Renata.
Camila a abraçou com força e a apertou dizendo que ela estava deliciosa – mais uma das “brincadeirinhas” das três. Instantaneamente Luciana corou e sem graça sorriu para Renata que a olhava ainda anestesiada.
_ Aqui está o seu presente. – Rê recebeu um pequeno embrulho das mãos de Lu que a abraçou com força e carinho. Seus olhos cor-de-mel se fecharam para aproveitar ao máximo aquele momento mágico. Lu lhe desejava felicidades e todos aqueles votos que as pessoas dizem ao cumprimentar um aniversariante, mas, para Rê, aquelas palavras, sussurradas em seu ouvido lhe pareciam mais sinceras do que muitas que ouviu durante toda a sua vida.
Ao abrir os olhos depois do doce momento, Camila estava diante dela sorrindo. Não era um sorriso malicioso, era um sorriso de contentamento... um sorriso fraterno. As duas se olharam por um momento intenso... Cá piscou e saiu, foi beber mais.
_ Obrigada, Lu! Sua presença é muito importante pra mim. – aqueles olhos a invadiram com intensidade, tanta intensidade que Luciana desviou-se deles desconsertada.
_ Não vai abrir o presente?!
Era um relógio. Lindo! Original como a aniversariante. Renata o colocou no pulso e aproveitou para abraçar a amiga mais uma vez. Sussurrou um obrigado em seu ouvido e um sonoro “Te adoro!”
Talvez Renata não tenha percebido o leve tremor que acometeu Luciana ao ser abraçada com tanta força. Ainda estava tonta por vê-la tão linda naquele jeans e naquela blusinha que, certamente, era presente de Camila. Quando seus olhos se encontraram teve vontade de jogar tudo para o alto e beijá-la na frente de todos. Mas o que viria depois sempre a incomodava, ainda não conseguia se dedicar totalmente ao presente sem calcular o futuro, as conseqüências de suas ações. Sentiu o corpo quente de Renata contra o seu e sentiu-se se entregar a ele, estava excitada e nem sabia como conseguiu falar tanto... dizer “parabéns”, “muitas felicidades” e “que sua vida seja repleta de conquistas”... votos nem um pouco originais, mas eram tão verdadeiros e ditos num momento em que todos os seus sentidos agiam aguçadamente. Quando Rê a olhou com olhos desejosos, sentiu o chão desaparecer, as pernas bambearem e a boca secar... Uma loucura!
Logo outros amigos da aniversariante se aproximaram e Lu achou melhor dar uma circulada para rever mais pessoas e encontrar Camila. Dependendo de como a amiga zen estivesse teria que tirar o copo de sua mão ou logo entraria em alfa. Mas Camila nem estava com um copo, estava escorada no bar conversando com dois rapazes que a paqueravam. Quando viu Lu de longe, dispensou os garotinhos e foi ao seu encontro.
_ Dois de uma vez, amiga?
_ Dois que não valem por um! – riram e seguiram para o outro lado do bar.
Conversaram sobre a festa... nada muito sério... até que Camila tomou coragem e:
_ Lu, posso te fazer uma pergunta?
Luciana sorriu e balançou a cabeça afirmativamente tomando um gole da batida.
_ O que você sente pela Renata?
Quase se engasgou com a bebida. Luciana não esperava por aquela pergunta tão assim... de supetão. Fez-se de desentendida, precisava de tempo:
_ Ora! O que eu poderia sentir pela Rê? Ela é minha amiga querida, por quem tenho um carinho enorme e...
_ Nãããooo!!! Não é disso que estou falando. Estou falando de um sentimento diferente, além... mais forte.
A garota tímida se transformou num pimentão. Camila a observava com doçura... uma doçura quase maternal. Sorriu, puxou a amiga pela mão e sentaram-se em uma das mesas.
_ Lu, não se preocupa... sou sua amiga. Precisa parar de impor essa barreira que impede amigos como eu de saber o que vai dentro de você. Todos nós precisamos de um confidente, de alguém que nos ouça porque não dá pra resolver tudo sozinha... não dá mesmo. – Lu a olhava, mas, às vezes, sua timidez a fazia baixar os olhos. _ Eu já te conheço um pouquinho pra saber que sente algo legal pela Rê... posso parecer meio aérea demais, mas observo as pessoas e já senti um clima entre vocês...
_ Entre vocês não. Só de minha parte. – confessou finalmente Luciana num impulso que se tornava cada vez mais freqüente. Ela olhou para Camila e continuou: _ Sinto sim algo especial por Renata. Não sei como isso foi acontecer porque me lembro que a odiava há algum tempo... mas... esse mesmo tempo fez com que eu a conhecesse e descobrisse que ela é demais, uma pessoa linda... mas...
_ Mas?
_ Mas nunca deixou de ser a “pegadora”. Somos tão diferentes nesse aspecto, Cá... sou tão calma, tranqüila e ela tão intensa, sempre caçando, sempre com todos os sentidos em alerta. Nunca teremos nada além da amizade que temos hoje.
_ Por que, Luciana???
_ Porque não quero ser apenas mais uma na lista de conquistas dela... não é uma necessidade matar minha curiosidade ou passar apenas uma noite de sexo com ela. Não gosto disso.
Camila pensou por um momento.
_ Eu entendo a sua insegurança. – mais um momento de silêncio para que a Cupido pensasse e tramasse: _ Mas, e se eu dissesse que ela também sente algo especial por você?!
Lu sorriu sarcasticamente.
_ Não acreditaria. – tomou o resto da bebida. _ Eu até acredito que ela possa se sentir atraída por mim, mas não acredito em nada além disso.
_ Então, vou te dizer uma coisa: Renata está apaixonada por você e, se prestar atenção, verá que não estou mentindo.
Cá se levantou e foi em direção ao bar. Luciana ficou ali sentada, com o copo vazio entre as mãos, pensando.
A festa bombava e Rê dispensava atenção a todos os amigos presentes. Gostaria muito de ter um momento a sós com Luciana. Pensava seriamente em lhe dizer o que sentia naquela noite. Camila enchia tanto sua cabeça com suas histórias que ela acabava acreditando e sentia que aquele poderia ser o dia ideal para se declarar. Mas, a todo instante alguém se aproximava e seu plano era adiado, até que sua paixão se aproximou:
_ Rê, já são duas horas... preciso ir...
_ Não acredito! – disse frustrada.
_ Eu não queria ir, mas... você sabe...
_ Claro! Eu sei... – abraçou mais uma vez a amiga. As duas estremeceram... as duas disfarçaram.
Foi como se o encanto da festa houvesse terminado. Rê já não achava a noite tão legal e começou a ficar entediada. O brilho de tudo aquilo era Luciana... Lu iluminava tudo. Resolveu incrementar o restante da balada bebendo. Bebeu, bebeu e foi em busca de Camila chorar suas mágoas... estava extremamente triste, como todos os bêbados ficam em algum momento de sua bebedeira.
Camila estava se agarrando com um grandão desconhecido. O beijo era tão sensual, demorado e bonito que Renata esperou que terminassem. Assistiu a tudo com uma certa inveja Depois que terminou a puxou.
_ Camila, ela já foi!
_ Eu sei... Da pra falarmos nisso depois?!
_ Cá, estou doente de amor... não agüento mais, vou explodir e sairão vários coraçãozinhos de dentro de mim!!!
Camila olhou para o grandão e pediu que ele a esperasse.
_ Me escuta que vou falar só uma vez: você precisa tomar a iniciativa, Renata. É sério. Hoje, aqui, ela me disse que sente algo especial por você. Mas, é o seguinte: se você não estiver a fim de assumir nada, não vá atrás dela, não tome porra de iniciativa nenhuma. Se você estiver a fim apenas de trepar com ela, esqueça... a Lu também é minha amiga e ela não merece que você brinque com seus sentimentos. Agora, faça o que você achar melhor... não quero ouvir mais nada sobre isso por hoje. Tchau, vou beijar!
E foi.
Renata ficou ali, estática... pensando. Mas, bêbados não pensam, agem impulsivamente. Impulsivamente demais.
Foi até a chapelaria, pegou sua bolsa e saiu. No estacionamento, respirou fundo e chegou à conclusão de que estava bem para dirigir e, se não estivesse, teria que estar porque agora era tudo ou nada e ela não poderia deixar esse ataque de impulsividade passar.
Chegou em frente ao prédio de Luciana em dez minutos. Mascou rapidamente um chiclete, cuspiu-o ao entrar no elevador... estava tremendo, ansiosa demais, absurdamente excitada. Não havia racionalidade ali... nenhuma. Apenas desejo, instinto, emoção. Respirou fundo algumas vezes para não ter um ataque cardíaco ou perder a voz diante de seu amor.
Tocou a campainha.
Alguns segundos... eternos segundos.
A porta se abriu. Luciana.
_ Rê?! O que você está fazendo aqui?
Renata a olhou nos olhos... Luciana tinha que enxergar o ardor de seu olhar cor-de-mel.
_ Vim buscar meu presente.
Lu, já vestida para dormir, sorriu sem entender:
_ Mas, eu te entreguei... você o está usando... – e apontou para o braço da amiga. Renata, além de bêbada, estava tomada pela impulsividade e não enxergava mais nada, só a boca de Lu diante de si. Avançou lentamente, uma de suas mãos segurou seu pescoço, a outra a puxou cuidadosamente pela cintura e em segundos não via mais os lábios desejosos de Lu porque os seus os tocavam com volúpia, muita vontade... um desejo absurdo. Sentiu as mãos de Luciana em suas costas, ela a apertava com força e arrepiou-se quando sentiu a coxa nua da amiga encostar em sua calça. Suas bocas se encaixavam, se devoravam e Renata nunca havia imaginado uma boca tão perfeita, tão macia e um beijo tão amoroso e intenso. Tentou empurrar sutilmente Luciana para dentro do apartamento, para dentro do seu quarto e em cima de sua cama, mas, repentinamente, Lu se desvencilhou dela, virou as costas e passou as mãos pelo cabelo:
_ Renata, o que é isso?!
_ Lu, estou apaixonada por você... há tempos... eu não sabia como dizer...
_ E aí você entra assim, já vem me beijando... Você está bêbada!!!
_ Não, Lu... não o suficiente para não saber o que estou fazendo. Eu quero você.
_ Você me quer como quer todas as pessoas que te atraem de alguma maneira. Sou mais uma para entrar na sua imensa lista... – Lu estava furiosa. _ Como você chega assim... faz isso como se eu não tivesse vontade! Você nem teve a sensibilidade de me contar, foi entrando como um furacão...
_ Você quis!!! Você correspondeu ao beijo!!!
_ Não é tão simples assim, Renata.
_ Eu não quero simplesmente te beijar, Lu... quero ficar com você.
_ Você não sabe o que está dizendo...
_ Sei muito bem o que estou dizendo.
_ Acho melhor você ir... precisa tomar um banho frio.
_ Lu...
_ Por favor, Renata! – finalizou a discussão indicando a porta para Renata que saiu sem olhar para trás.
Capítulo XI: Momentos de reflexão
Renata se foi e Luciana ficou ali, diante da porta aberta, parada com a mão na boca... na boca que acabou de beijar a boca de Renata. Um turbilhão de emoções: um misto de indignação e surpresa, irritação e excitação. Fechou a porta com força e sentou-se ainda tonta no sofá: “Quem lhe deu o direito de chegar assim e ir me agarrando?! Que estúpida!!! Ela nunca me disse nada, nunca sequer insinuou que sentia algo por mim!!! Soube pela Camila e... que merda é essa?!”. Sentiu-se ferida, invadida... Com Luciana as situações deveriam ser cautelosamente planejadas. Durante toda a sua existência tudo aconteceu formalmente, até os acontecimentos inusitados pediam licença para acontecerem em sua regrada vida... Ela autorizava ou não. Portanto, abrir a porta de sua casa e receber um beijo inesperado de sua melhor amiga era algo inadmissível para ela... sempre tão reservada. Parecia que algo se quebrava... toda aquela mágica, aquele encantamento romântico, parecia que se dissipavam por conta da ousadia descabida de Renata, que a invadiu sem pedir licença, sem conversarem a respeito de sentimentos ou mesmo de uma simples atração física. Estava furiosa... feita de boba... um objeto.
“Mas você correspondeu!” – apontou sua franca consciência. “É... correspondi...” – respondeu a si mesma levantando-se e andando angustiada ao redor da sala. “Correspondi porque meu instinto falou mais alto... mas não justifica nada!!! O modo como ela fez as coisas... Tudo errado, tudo errado... só me faz concluir que não há nada nela além de mais um desejo a ser saciado!”. Foi para o banheiro lavar o rosto e olhou-se no espelho. Ficou longos minutos apenas analisando a Luciana que estava diante de si mesma. Seus olhos encheram-se de lágrimas: “Ela não podia fazer isso comigo!”
De repente Renata ficou sóbria.
Saiu transtornada do prédio em direção ao carro. Ficou ali debruçada sobre o volante por algum tempo... Pensava em voltar e pedir desculpas, dizer que realmente estava bêbada sim e não sabia o que estava fazendo. Mas, se dissesse isso, desdiria também tudo o que disse... que estava apaixonada e queria ficar com ela. Seu olhar frio após o beijo, após a violenta recepção foi a ducha gelada que precisava para recobrar a razão. “Luciana não é como as outras... ela não é uma transa, não é um desejo puro e simples...”. Bateu a cabeça no volante: “Burra! Como fui estúpida!”
Arrancou dali morrendo de culpa e angústia... se pudesse voltar no tempo jamais invadiria o apartamento dela daquela maneira. “Nunca mais bebo”. Chegou em sua casa e foi direto para o banheiro tomar o banho frio que Luciana, com olhos assustados, lhe indicou. Suspirou ao sentir a água fria cair-lhe sobre o corpo em brasa. Assim que o frio apoderou-se do quente, sentiu-se triste, desconfortável... “estraguei tudo...”. Até parecia que Rê não conhecia Luciana... tímida, reservada, romântica. Não teve o mínimo de tato, totalmente desnorteada pelo desejo e pelo impulso do porre, pela vontade de tê-la rapidamente. Avançou o sinal quando estava indo bem... Camila já estava preparando todo o terreno... era só semear. “Estúpida!”
“Mas ela correspondeu!” – indicou sua voz interior. “Sim, ela correspondeu... mas isso não me tranqüiliza diante de seu olhar de reprovação após a interrupção do beijo”. Renata sabia que Lu sentia algo forte por ela... por isso mesmo teria que ir com calma... sabia da dificuldade da amiga de expressar sentimentos e até de aceitar uma possível relação homossexual.
Saiu do banho e foi para o quarto. Lá, deitada em cima dos lençóis chorou por perceber que o amor exigia atitudes mais sutis e pacientes... Luciana não era como as outras.
Lu não conseguiu dormir e, obviamente, estava péssima. Após horas chorando, seus olhos estavam inchados e seu humor uma tristeza. Tomou um banho, terminou de arrumar a mala e dirigiu-se para o aeroporto. O avião sairia às 7. Sentou-se e fechou os olhos por alguns instantes a fim de recuperar a razão e espantar aquela tristeza que a invadia. Mas, de repente, lembrou-se que, naquele mesmo aeroporto ela reviu Renata depois de seis anos... seus olhos nos dela... não mais uma ninfeta metida a conquistadora, mas uma mulher linda que a olhava fixamente através daqueles olhos cor-de-mel. Aparentemente era sim uma mulher de 28 anos, mas ontem agiu como agia no ano em que a conheceu... Renata não cresceu, continuava infantil emocionalmente e, assim, destruía seus planos de um amor... um amor real, não apenas alguns dias de tesão e muita transa. Difícil imaginar que Renata havia amado algum dia.
Renata estava com o celular nas mãos, já dentro de um táxi a caminho do aeroporto. Não sabia se era o mais certo ligar para Luciana e pedir que a desculpasse. Sabia que estava atrasada, o vôo sairia às 8... poderia perder o avião, poderia perder o emprego e ir atrás de Lu... mas, seria mais uma atitude impulsiva, emocional e não resolveria as coisas... talvez só piorasse tudo. Teria que ter calma, assumir as conseqüências, reconquistar a confiança da amiga que, naquele momento, voava para Curitiba. Ligou:
_ Alô!
_ Camila?
_ Quem é?
_ Renata.
_ Não credito que está me ligando a esta hora, Renata!!! Eu estou dormindo!!!
_ Preciso falar com você...
A amiga sonolenta e prestes a mandar Renata para o inferno sentiu a gravidade da situação pelo tom da voz da ex-aniversariante-feliz e sentou-se na cama para ouvi-la melhor:
_ O que aconteceu?
_ Fiz uma besteira...
_ Renata, pelo amor de Deus, conte tudo de uma vez numa única frase!
_ Ontem, bêbada, fui até o apartamento da Lu e a beijei... Não dei tempo para nada: não conversei, não pedi permissão, não deixei que ela falasse... simplesmente toquei a campainha e a ataquei como ataco todos os caras e garotas que tenho vontade de beijar.
_ Putz! – Camila suspirou e ficou em silêncio por um momento. _ E ela? – já sabia a resposta. O contrário de Renata, Camila conhecia muito bem Luciana.
_ Me mandou embora depois de acabar comigo.
_ Eu preciso dizer que você foi uma idiota?
_ Não.
_ Então pegue o avião, vá trabalhar e à noite conversamos.
Camila fechou o celular nas mãos e balançou a cabeça desolada: “Que idiota!”. Deitou-se novamente e continuou pensando: “Idiota as duas!!! Uma porque é uma estúpida e invade a casa e a intimidade da outra assim, sem mais nem menos; a outra porque é romântica demais e espera que a estúpida mande um comunicado, acompanhado de flores, solicitando um beijo na boca e de língua, em vez de aproveitar o que Renata, certamente, sabe fazer de melhor!” Riu, concluiu que estava num caso complicado... caso não conseguisse ajudar as amigas teria que se dividir novamente entre uma e outra. Meditaria, entraria em contato com as energias para que pudesse conversar calmamente com ambas. “É só eu me distrair um pouco e tudo acontece...” – finalizou seus pensamentos a caminho do banheiro.
NO SUL
Sabe quando parece que o mundo da melancolia está em cima de nossas costas? Assim se sentia Luciana. Às vezes, é difícil sorrir quando não se tem a mínima vontade e os olhos estão horríveis, contradizendo o sorriso que pretende ser, ao menos, convincente. Ela foi em busca de uma matéria para o Jornal e teria que ser muito simpática, muito imparcial, muito racional, muito cuidadosa... muito profissional. Foi. Conseguiu parte do que queria... o restante teria que ficar para os próximos dois dias: “Não sei se será bom ou ruim ficar por aqui por mais dois dias...” – refletia enquanto saia do banho no roupão do hotel. Sentou-se na poltrona e automaticamente lembrou-se, mais uma vez, do beijo de Renata. Não podia negar que ela beijava maravilhosamente bem e, só lembrar a deixava excitada. Mas, Lu era racional, não conseguiria simplesmente curtir a fugacidade daquele momento se desejava mais, se estava completamente apaixonada... simplesmente não conseguiria.
“Nunca pensei que um dia fosse me apaixonar por uma mulher... e menos ainda por uma mulher como Renata...”. Tão diferente as duas... era nisso que pensava Luciana enquanto olhava a cidade da janela do quarto de hotel frio, silencioso... triste. “Antes não tivesse acontecido nada...”. Renata... tão espontânea, sempre “dada”, constantemente a procura de alguém que a atraísse... seu esporte preferido... jogar um charme, sorrir, olhar, conversar... beijar e... sabe-se lá mais o quê... Lu não gostava nem de pensar. Olhou para a escrivaninha e lá estava o jornal do dia que nem abriu. Pegou-o para folhear e, talvez, esquecer pensamentos que vinham como aquelas músicas que impregnam a nossa mente. Abriu o caderno de cultura e leu o anúncio de uma festa... uma festa GLS que aconteceria numa casa noturna badalada no centro da cidade. Como num retrocesso ela se lembrou das atitudes que tomou quando resolveu terminar com seu namorado, há anos... Aquelas atitudes intempestivas, aquele gostinho estranho mas excitante de aventura, de ousadia. Leu mais uma vez o anúncio e resolveu que talvez fosse perfeito vestir-se e ir até lá observar o movimento: “Não tenho nada a perder e... ninguém me conhece por aqui!”. Levantou-se e foi até a mala.
NO NORDESTE
Renata sorria e conversava com os amigos – também funcionários – no hotel baiano. Eles sentiram falta dela... fazia tempo que a paulista sedutora não aparecia por lá para “angariar” mais fãs. Mas estavam um tanto preocupados com ela... estranha, meio séria... ou triste. Ela sorria sim, seu sorriso é instintivo, sua identidade... mas estava diferente, talvez sem o brilho do olhar. Renata estava diferente. Eles comentaram isso... perguntaram se ela estava bem. “Não, meus queridos... estou péssima! Um trapo, cheia de dor... com vontade de morrer!” – pensava antes de dizer a frase ensaiada:
_ Estou bem... só um pouco cansada!
Ah! Estava explicado então!!! A falta de brilho nos olhos da arrasadora era cansaço... resolvida a questão. Mandaram-na para o quarto mais cedo... amanhã ela cuidaria do restante e participaria da reunião com os diretores da rede de hotel.
Subiu um tanto feliz por não ter que ficar mais tempo fingindo que estava “apenas” cansada. Estava exausta sim... mas era um cansaço interior, emocional. Doía pensar que Luciana estava magoada com ela. Talvez estivesse indo bem antes de estragar tudo... Luciana e Camila já haviam reparado que ela estava mais tranqüila com relação aos seus casos relâmpagos. Verdade, Rê não sentia mais tanta vontade de se entregar a relacionamentos efêmeros... ainda tinha vontade de beijar algumas pessoas que via passar por ela com aquele “algo” que a atraía, mas, quando estava com as meninas se controlava... não queria que Luciana a visse com ninguém. Estava se guardando para ela, assim como as mocinhas fazem nos filmes românticos... estava disposta a renunciar toda a sua vida “don-juanística” para ter Lu ao seu lado; vê-la dormir como aconteceu naquele dia em seu apartamento, vê-la sorrir timidamente diante de brincadeiras toscas, vê-la olhar nos seus olhos e enxergar aquele brilho inebriante. Tá, estava parecendo uma boba romântica... mas estava apaixonada e agora precisaria começar tudo novamente.
Tomou um banho demorado porque reproduziu aquele beijo maravilhoso... “se ela beija assim, imagina como faz amor!!!” – fantasiava Renata excitada. “Ela correspondeu, me beijou com desejo, me abraçou com força... não é possível que tudo esteja perdido!”. Enxugou-se, caiu sobre a cama e pegou o celular. Discou para Luciana, mas caiu na caixa postal.
No outro extremo do mapa, Luciana entrava na tal festa.
Sentiu-se perdida, deslocada e logo pensou em voltar para o hotel... “o que estou fazendo aqui?! Não conheço ninguém!”. Mas, talvez, justamente pelo fato de não conhecer ninguém Luciana estivesse lá, observando e sendo observada pelo público presente naquela casa noturna sofisticada de Curitiba. Ali não precisaria arrumar desajeitadamente nenhuma desculpa caso algum conhecido a flagrasse, não teria que ficar atenta como uma paranóica a fim de verificar a todo instante se era observada por alguma possível testemunha. Como se estivesse cometendo um crime. Ela nunca havia ido a uma festa GLS e, a princípio, sentiu-se um pouco incomodada com os olhares de diversas mulheres sobre si. Estava acostumada com o contrário... homens a olhando, homens a abordando... mas, naquele lugar... nenhum homem olhava para ela e até achou graça. Foi até o bar e pediu uma coca – “melhor não beber nada alcoólico” – encostou-se no balcão e passou os olhos pela pista. Através do pisca-pisca das luzes podia ver homens se beijando e, mais ao fundo, mulheres grudadas num canto escuro... eram refletidas apenas por certas luzes que davam àquele lugar um ar de mistério e muita sensualidade.
_ Sozinha?
_ Como?
_ Você. Está sozinha?
Era uma mulher alta, morena, visivelmente mais velha... lindíssima, sorridente, olhos grandes e escuros. Luciana demorou um pouco para responder.
_ Sim... estou sozinha.
_ Quer companhia? – ela seduzia com os olhos e confundiu Lu, que não sabia se aceitava aquela cantada implícita, escondida naquele olhar provocante ou saia correndo. “Saiu na chuva é para se molhar...”
_ Quero. – sua timidez a impedia de formular respostas mais complexas.
_ Que tal me acompanhar? – e mostrou seu copo com uísque. Em seguida pediu uma dose ao barman.
Lu a acompanhou. Não só no drink como a acompanhou até uma mesa onde pudessem conversar melhor. Tomaram uma, duas, três doses e, em menos de uma hora, já se conheciam relativamente bem – teoricamente falando -, pois o álcool libera a mente para a descontração e joga fora a timidez. Luciana já não estava tensa, nem desconfiada e nem achando que cometia um crime, até sorria diante daquela mulher experiente, charmosa, que conduzia a conversa de modo que Lu nem percebia que informava sua mais nova amiga sobre tudo o que ela queria saber. Mas, como a “iniciante” de 30 anos também não era boba, sugava respostas da mulher com determinação e sentia que também possuía o poder de seduzir... e isso era uma novidade agradável que ela descobria em se tratando de seduzir uma outra mulher. Lu a encarava e percebia que, em vários momentos, a morena ficava nervosa.
O nome da linda e grande mulher era Maria Luíza, mas todos a chamavam de Malu... tinha 35 anos e estava recém-solteira... havia terminado um relacionamento de três anos porque sua ex-companheira decidiu morar no exterior. Usava um vestido provocante, que ressaltava seus seios e seu quadril, tinha pernas compridas... era mesmo um mulherão e isso, ao mesmo tempo que intimidava Luciana a excitava: “como será ir para a cama com uma mulher destas... tão experiente, tão elegante e sensual...”. Seus olhos eram grandes e expressivos, sua boca, moldada pelo batom, ressaltava lábios grossos e apetitosos... seu cabelo escorria em ondas pelos ombros evidenciando ainda mais sua feminilidade.
Lu sentia-se uma pirralha perto de Malu, afinal de contas, há pouco descobriu a vida e há menos tempo ainda descobriu que trilha um caminho diferente e, talvez, mais difícil... que ainda está aprendendo e que tudo é uma grande descoberta.
_ Vamos dançar? – Malu puxou Luciana pela mão e foram para um canto da pista.
Ao som da música e depois de mais algumas doses de uísque, Luciana se deixava contaminar pelo ambiente e pelo clima que se formava entre as duas. Malu exalava charme e seduzia com seu imenso olhar. Lu, aos poucos, soltou-se na pista e também sentia seduzir. Percebeu que além de Malu, atraía outras garotas que dançavam próximas a ela. Reparou numa ruiva, de tatuagem na nuca que não parava de olhar para ela... “ser Renata por um dia não é tão mal assim...” – pensou ao lembrar-se de que a amiga era uma “galinha” incondicional e olhava para vários possíveis casos durante uma única noite de balada.
Antes que mergulhasse, mais uma vez, seus pensamentos em Renata, Malu a enlaçou pela cintura e disse em seu ouvido:
_ Não agüento mais ficar longe de você... porque não saímos daqui e vamos para um lugar mais tranqüilo?
Lu arrepiou-se de excitação... suas pernas bambearam quando sentiu a mão daquela mulher envolta de sua cintura... mas, mesmo assim esboçou uma certa resistência... logo quebrada por Malu que a encostou repentinamente em uma pilastra dentro da pista e a beijou com fúria e desejo. Luciana a abraçava enquanto Malu, com mãos habilidosas, explorava o corpo da amante por baixo da blusa. A música, o perfume daquela mulher, as luzes, o clima... tudo aquilo estava enlouquecendo Luciana que se deixava envolver pelas mãos de Malu que percorriam seu corpo sob a blusa até que deixou ser tocada nos seios e:
_ Vamos, Malu... vamos sair daqui.
Ambas saíram do lugar quase correndo porque o desejo é aflito e tem pressa. Saíram de mãos dadas e foram até o carro de Malu sem dizer palavras. Assim que entraram a mulher puxou Luciana e deu-lhe um beijo violento pela vontade de tê-la urgentemente. Lu não se reconhecia por estar louca de tesão sem se importar com nada, nem com as pessoas que passavam na rua e as olhavam com curiosidade. Finalmente, Malu ligou o carro e foram para sua casa.
Incoerente dizer quem tinha mais poder sobre quem. No momento em que o feitiço do desejo baixa... é impossível ter algo sob controle. Malu sentia-se absurdamente atraída por Luciana... ainda não sabia bem o que a atraía tanto na garota/mulher, além da beleza. Talvez a docilidade... tão delicada, tímida... estava perdendo o controle e a casa não chegava nunca. Lu, por sua vez, sabia exatamente o que a tinha atraído em Malu: sua experiência, sua segurança, seu charme... tudo isso além de querer muito provar a fugacidade de um momento como esse... queria agir como Renata, queria saber se vale a pena.
Chegaram na casa e quase não tiveram tempo de entrar. Malu sorriu maliciosamente e a puxou para si. Seu beijo era angustiado, abarrotado de provocação. Por outro lado, Lu aproveitava, degustava aquele beijo como se provasse – e provava – pela primeira vez o prazer de uma mulher e o prazer que sentia ao estar com uma mulher. Jamais imaginou que fosse tão intenso... isso porque nem amava Malu, apenas deixou-se levar pelo momento... um inesquecível momento.
As duas foram para o quarto e lá Malu a olhava com sede, seus olhos grandes faiscavam desejo e, mesmo sentindo a fúria da sua vontade, Luciana entregou-se porque, instintivamente, confiou em Malu... e a morena não a decepcionou. Por trás daquela intensidade havia o instinto do cuidado feminino... por isso Luciana não se preocupou. Malu retirou a roupa da amante quase que adorando aquele corpo alvo e tão belo... beijou seu pescoço enquanto retirava seu sutiã... depois passeou sua mão pelo corpo de Lu com cautela para que pudesse visualizar tudo. Lu tirou o vestido da mulher e se entregava por desejo e por não saber exatamente o que fazer... mas, nem teria como, pois ao sentir os dedos de Malu entre duas pernas perdeu o ar por um instante e sentiu sua respiração mais intensa... Malu sorria e beijava seu corpo até que alcançou as coxas daquela mulher que ainda parecia tão menina, tão assustada e inexperiente. Faria com cuidado, desabrocharia aquela flor com carinho... Luciana jamais esqueceria aquele dia.
Malu a penetrou com a língua e não precisou muito para que Lu chegasse no completo êxtase e ela bebesse o romper do primeiro grande e verdadeiro prazer.
Capítulo XII: Mais reflexões
Renata foi acordada às 7 da manhã após uma pesada noite de sono. Em outros tempos, certamente teria chegado às 5 após uma noite de farra com seus amigos baianos. Mas, tudo indicava que eram outros tempos e a “pegadora” ainda se sentia cansada. Agradeceu à recepção por despertá-la e foi tomar um banho morno... o sol e o calor já despontavam através da janela. Faria parte de uma comissão de auditores na parte da manhã e à tarde teria uma reunião com os diretores da rede de hotéis. Seu momento profissional era maravilhoso, mas não conseguia se sentir feliz. Queria saber como estava Luciana... “por que não me atendeu ontem? Provavelmente viu meu número e ignorou...”. Vestiu-se e foi até a janela olhar o mar... talvez fosse até a praia entre um compromisso e outro. O dia estava fantástico.
Lu acordou às 6. Estava enlaçada por Malu que dormia profundamente. “Preciso ir embora...” – pensou como quem quisesse fugir logo dali antes de se envolver. “Não sirvo para ser ‘pegadora’”. Levantou-se com cuidado, vestiu-se e ia saindo quando: “Não posso simplesmente sair... sem nem ao menos me despedir decentemente...”. Encontrou um bloco de notas, escreveu seu número de celular e “me liga, foi maravilhoso te conhecer. Beijos, Lu.” – é... Luciana não servia mesmo para ser cafajeste...
Pegou um táxi e foi para o hotel. No caminho lembrou-se da noite que passou com Malu... às vezes não se reconhecia: “Só uma louca para ir a uma festa, conhecer alguém e transar no primeiro encontro!” Pois é, ela era louca algumas vezes... demorava a ousar mas quando o fazia caprichava, talvez essa seja uma atitude típica das pessoas aparentemente contidas, ou reprimidas, ou... racionais. Ninguém é cerebral o tempo todo... o mesmo acontece com os emocionais. Interessante... provavelmente a psicanálise explique... ou não. Um sorriso malicioso despontou em seu rosto ao recapitular a noite de sexo que teve com aquela mulher que mal conhecia, sexo casual... “é isso que chamam de sexo casual, não é?”... sua primeira mulher... estava “iniciada”, não era mais virgem. Não teve o pensamento romântico de querer que Renata fosse sua primeira transa homossexual. Acabava de descobrir que talvez não fosse tão romântica assim. Realmente algumas experiências nos mostram muito de nós mesmos.
O motorista parou em frente ao hotel e, já no elevador, tirou o celular da bolsa para ver que horas eram: havia uma ligação não atendida... era de Renata.
Quando, após sensações, impressões, percepções e afins, descobrimos que a paixão nos assolou, tornamo-nos seres instáveis e sensíveis, ficamos 100% atentos a tudo o que acontece com a pessoa amada a fim de alcançá-la por meio de agrados ou atitudes notáveis, para que ela nos enxergue do modo que a enxergamos. Paixão é um troço estranho que nos tira de nós mesmos... perturbação, conflito, angústia, nervosismo, adrenalina... Pode ser uma tortura essa manifestação “química” que nos embriaga, mas, esperamos todo o tempo de nossa existência por toda essa manifestação... por uma reação avassaladora. Isso porque somos pobres mortais viciados em paixão... Viver apaixonado é como viver embriagado de sensações aparentemente banais.
Renata viajava de um lado e Luciana do outro. Ambas em lugares diferentes e no mesmo lugar. Uma pensando na outra, no que estavam fazendo, no que pensavam... o sentimento do clima no ar e muita confusão entre elas. O quadro era o seguinte:
RENATA
Sentada numa cadeira de praia, na praia, após a auditoria. Relaxava olhando o mar e pensando em Luciana. “Quem diria que um dia eu estaria assim, completamente de quatro por uma mulher que tanto ignorei... Eu... apaixonada por Luciana. Poucas vezes me senti embaraçada numa situação, mas agora estou. Como olhar para ela depois daquele dia em seu apartamento? Bêbada, totalmente enlouquecida pela vontade de estar com ela... trocando os pés pelas mãos e a intimidando daquela maneira. Logo ela que já é tímida... tão racional. O pior de tudo é que não conversamos a respeito, se ao menos ela soubesse de minhas intenções... mas era Camila quem estava preparando tudo para não assustá-la... aí eu vou e estrago tudo...”. Uma multidão de homens e mulheres charmosos passavam por ela e ela nem piscava... alheia a tudo. Se não estivesse apaixonada certamente enlouqueceria com tanto charme desfilando a sua volta. Essa é a paixão que cega. “Bom, vou entender se ela disser que não quer envolvimento nenhum comigo. Vai doer, mas tenho que respeitá-la... mas não vou desistir, ela precisa perceber, com o tempo, que eu a quero como namorada, não como um caso como tantos que tive e ela foi testemunha. Vou ligar...”
LUCIANA
“Por que será que ela me ligou? O que iria me dizer?”. Luciana entrou em seu quarto e sentou-se na poltrona que dava para a vista da cidade. Olhava para os prédios ao redor mas não os via porque estava alheia: “Se ela tivesse conversado comigo, dito o que queria talvez eu ficasse com ela, mataria a sua vontade e a minha... apesar de estar apaixonada. Depois de passar uma noite como a que passei ontem entendi que alguns envolvimentos não são necessários... são apenas encontros para o prazer e a satisfação. Era isso o que ela queria... talvez eu desse o que ela queria. Mas, chegar daquela maneira... eu não consigo me acostumar com esse tipo de abordagem... ela me deixou completamente sem ação e irritada por não saber o que fazer diante daquela invasão...”. Olhou novamente para o celular e lembrou-se do beijo: “Mas, se eu fosse um pouquinho mais desencanada teria agarrado Renata e a levado para meu quarto. Por que tenho que ser assim, tão metódica? Eu poderia ter feito com Renata o mesmo que fiz ontem com Malu, seduzi-la, mostrar que também posso controlar a situação. Mas... é difícil quando se está diante de uma paixão, diante de alguém que faz minhas pernas tremerem e meu rosto corar quando me toca. Difícil aceitar que seria apenas uma transa quando eu queria acordar todos os dias ao seu lado”.
O celular vibrou em suas mãos. Era Renata.
Instantaneamente Lu começou a tremer, seu coração disparou e sua boca secou. Ficou olhando para o aparelho resolvendo se atenderia ou não. Essa é a adrenalina da paixão.
_ Alô! – atendeu com uma voz insegura, mas logo pigarreou para firmá-la.
_ Lu? – do outro lado da linha havia uma voz mais treinada... Renata havia pigarreado antes.
_ Eu. – Lu tinha dificuldades em organizar frases complexas quando se sentia intimidada.
_ É Renata. – bom, pelo visto, Renata também tinha o mesmo problema.
_ Eu sei. – alguém precisava sair do óbvio.
Rê pigarreou:
_ Bom, é... Lu, eu preciso falar com você... – Rê tinha pensado em tudo antes, mas, de repente, surgiu uma imensa borracha que apagou as frases feitas em sua mente... sem contar que seu coração estava na boca, impedindo-a de falar. _ Eu sei que poderia esperar chegarmos em São Paulo, mas... eu queria saber se quando chegarmos poderemos conversar... para que eu possa me desculpar por aquilo... – já está de bom tamanho, Renata... seu esforço em emitir uma frase complexa foi surpreendente.
_ Tá... poderemos conversar sim. – Luciana não obteve o mesmo sucesso... seu coração a estava sufocando.
_ Que dia você estará de volta?
_ Amanhã.
_ Eu voltarei hoje. – silêncio. Nenhuma das duas suportava mais. _ Então amanhã à noite te ligo.
_ Tá.
_ Tchau.
_ Tchau.
Ambas desligaram, fecharam os olhos e respiraram fundo. Naquele momento perceberam o poder que a paixão exercia sobre elas. O sentimento era o mesmo... só precisavam saber se iriam se entender.