terça-feira, 20 de outubro de 2009

Aquela das saias exóticas

Ela trabalha lá também.

Tudo começou quando entrei no elevador cheio numa manhã de verão qualquer. Eu a vi, ela me viu e abriu espaço para que eu entrasse. Eu era o limite de seis pessoas dentro daquele metro quadrado. Iria para o décimo quarto andar. Ela, não sei, só sei que respirava próxima ao meu pescoço e acho que senti seus seios nas minhas costas. Só tive tempo de olhar para os olhos quando entrei, estava atrasada, com instintos apressados mas os pensamentos lentos, não tive tempo de secar os cabelos nem de comer a fruta antes de sair de casa, estava sonolenta, mas, repentinamente meu corpo acendeu. Quando a porta se abriu, a do elevador, havia mais quatro pares de olhos me olhando, mas só o olhar risonho dela me chamou a atenção... e depois os seios roçando minhas costas, e a respiração que parecia acelerar, saía pelo nariz... Acho que senti seus seios meio tensos, mais tensos do que há um segundo. Estava intimidada. Intimidade, do latim intimãre ‘fazer penetrar em’. Era isso. Se fosse homem estaria de pau duro.

“Lincença, por favor.” – pediu o senhor de gravata, óculos, pasta e voz rouca de sono, quando o elevador parou no sexto andar.

Ficou mais folgado, mas ela não se mexeu, nem eu. Na verdade, mexeu-se sim, o suficiente para roçar um pouco mais e eu me fazia de parede, costas de parede para que ela não pudesse passar e continuasse respirando baixinho na minha orelha. Estava extremamente excitada às sete horas da manhã e agradeci aos céus não ter pênis para não ter de sair do elevador com ele totalmente enrijecido. Mulher pode ser tão mais discreta...

“Com licença...” – desceu mais uma e, quando passou por nós, ela segurou minha cintura como apoio para recuar. Quase tive uma síncope... devia estar mesmo necessitada.
Virei-me finalmente para ela, a fim de me certificar de que não estava sendo depravada, transbordante de pensamentos libidinosos. Não. Seus olhos risonhos acompanhavam um meio sorriso malicioso, só podia ser malícia ali, havia toda uma áurea maliciosa em torno daquela mulher linda, insinuante com discrição. Os óculos estavam pendurados entre o vão dos seios e a abertura da camisa branca. A saia, de uma estampa colorida exótica, dava mais volume e altura... ousadia, uma petulância.

— Bom dia. – cumprimentou-me, encantando-me com voz sensual e olhos convidativos. — Desculpa ficar tão grudada em você... foi o aperto. – continuou com o sorriso que se abriu junto ao meu, que começava a entender e tentava participar daquele jogo de palavras e sentidos.

Duas pessoas desceram no décimo. A porta voltou a se fechar.
— Não me incomodou. – olhei para sua boca de batom.
— Já te vi por aqui. Você é do financeiro, não é?
— Sim. Prazer, meu nome é...
— Ana Carolina. Já sei. – apertou minha mão com delicadeza, deixando-a em seguida, assim que a porta voltou a abrir no décimo segundo andar. — A gente se vê. Tenha um bom dia.

Desceu. E só tive dois andares para me recompor daquela situação.
Como aquela mulher sabia meu nome? Como subestimamos nosso poder de sedução inconsciente!

Eu já a tinha visto por alguns corredores e, naquele momento, dirigindo-me para minha mesa sem ouvir e, consequentemente, sem responder aos “bom dia” recapitulei episódios e pude lembrar que já nos esbarramos algumas vezes por aqui, já nos vimos, já nos olhamos, mas eu nunca a tinha enxergado.

Por quê?

Talvez porque eu não a tivesse encontrado às sete da manhã com um olhar tão receptivo, talvez porque no decorrer do dia minhas preocupações não dessem lugar a percepções sensoriais, subjetividades... Nossa! Que coisa! Que cega!

Mastiguei a ponta do lápis inteira e fui ao banco de dados. Décimo segundo andar: jurídico. Três departamentos: trabalhista, contratos, importação. Número de funcionários: vinte e seis. Ramal de alguém que me ajudasse: um, três, nove.

Perguntei quem era a ruiva, de olhos castanhos do jurídico que geralmente aparecia com umas saias lindas e tal.
— A Milena.
Milena.

Alguns dos meus dias giraram em torno de um possível encontro. No elevador, de preferência. Apertado, de preferência.
Mas, nada.

Até que um dia eu a vi no meu departamento, sentada diante da mesa do diretor, com alguns papéis nas mãos e outros sobre a mesa dele, esperando assinatura. Usava os óculos que decorava o decote que mostrava seus seios que roçaram minhas costas numa saudosa manhã de verão.

Observei-a até o momento em que ameaçou levantar-se. Fui pegar um café. Estava morrendo de vontade de tomar café.

Encontramo-nos no corredor, próximo ao elevador.
No primeiro instante pareceu um susto, mas logo revi nela aquele sorriso cheio da malícia daquela manhã. Retirou os óculos e me olhou intensamente.
— Como vai, Ana?
— Bem, Milena... e você? – não sei se ela sabia, mas também sei ser insinuante.
— Não pensei que soubesse meu nome.
— Também não pensei que soubesse o meu. – sorri tentando desviar meus olhos de sua boca, mas era como um ímã. — Estava indo tomar um café, vamos?
— Agora não posso. Trabalho... mas, como hoje é dia do nosso rodízio, poderíamos tomar o café fora da empresa.
— Como sabe que hoje é meu rodízio?
— Naquela terça, você só poderia estar naquele elevador às sete por causa do rodízio... ou é doente por trabalho?
Rimos e, mais uma vez, encantei-me com a surpresa que aquela mulher me causava.
Combinamos de nos encontrar no café em frente ao edifício depois do expediente.

Nossa vontade era urgente. Não havia muito o que dizer por meio de palavras se nossos olhares, sorrisos e corpos já tinham dito tudo. Fomos para um bar de lésbicas ali nas redondezas tomar uma bebida e continuar nos olhando e sorrindo e sentindo... Até que meus olhos grudaram na boca dela, e ela tirou os óculos e acariciou meu rosto... e me deu sua boca, seu beijo, seu desejo.

Imagina quanto tempo mais perderíamos se não fosse aquele dia de rodízio...

Mari Cortez
21-10-2009

sábado, 3 de outubro de 2009


Oi, pessoal!!Segue abaixo o link de uma matéria superlegal que saiu na revista IstoÉ da semana passada.
A seção "comportamento" trata da questão das lésbicas em busca de espaço próprio, independente dos homens gays. Elas (nós) mostramos cada vez mais que não somos apenas uma "comunidade ramificada", temos voz, postura, arte próprias e buscamos a valorização dessa identidade.
A polêmica é: gritando por identidade e afastando-nos (no bom sentido) dos homens gays estaremos nos isolando em guetos, ou, gritando por identidade e afastando-nos dos homens gays estaremos abrindo espaço para que as mulheres homossexuais tenham mais espaço para mostrar sua potencialidade.
Eu, particularmente, entendo que as lésbicas precisam ser "olhadas" com mais atenção pela sociedade, pois há mesmo uma postura de misturarem homens e mulheres homos no mesmo "saco" dos gays e cada gênero tem mesmo seu modo de agir no mundo e isso precisa ser respeitado, assim como acontece entre homens e mulheres heterossexuais. Porém, não sou adepta a nenhuma visão unilateral, radical, e não podemos criar uma "política separatista", pois temos também, homens e mulheres gays, interesses em comum... e ainda somos minoria, portanto, em alguns aspectos, precisamos ser unidos.
Enfim, cada uma de vocês tire sua conclusão. O importante é refletir sobre a ideia e sobre esse "movimento" que vem crescendo.
Logo abaixo a crônica da semana. Ficou parecendo "Você Decide" (programa falecido da Globo) e combinou com a matéria, pois lança pra vocês uma certa responsabilidade na decisão :-)
Beijos.
Mari
Com quem?

— E então?
— Então o quê?
— Você gosta, não gosta?
— De ficar com mulheres? Gosto, mas não sempre...
— Mas você está com alguém agora?
— Não, só ficando...
— Então...
— Então o quê?

Não era possível! Giovana estava me fazendo de besta. Com aquele olhão azul e aquela boca de Aline Moraes, estava se fazendo de desentendida de novo... É, não era a primeira vez. Não era possível que ela fosse burra, ela não era, eu sabia. Tirava notas boas nas provas mais complicadas de cálculo, e não escolheria fazer matemática se fosse burra. Matava aula e ainda se dava bem. Lá ia com o copo de vodka... e me deixava falando sozinha, de novo.

Eram nas matanças de aula, quando nos encontrávamos nos bares aqui perto da faculdade, que eu tentava, mas ela se fazia de tonta e eu não ficaria correndo atrás. Chega! Não era possível que ela não tivesse entendido que queria ficar com ela. Não queria casar, só ficar... Nada de mais, não precisava envolvimento. Se bem que, se tivesse... Diziam que ela era ótima, beijava bem pra cacete, tipo aqueles beijos inesquecíveis, que entravam na lista dos melhores de toda uma vida.

Não sabia o que acontecia. Não era feia. Sei que não era porque tinha espelho e porque já tinham me dito que era bonita, homens e mulheres. Era/sou inteligente, descolada, tinha/tenho emprego, era/sou limpinha, mas, enfim... ela não queria nada comigo. Ela sabia que era/sou lésbica, já tinha me visto beijando garotas na balada, até arrumou esquema pra mim na festa de aniversário da Gláucia.

Quando não estávamos em bares ou baladas ela se sentava, às vezes, próxima de mim na sala de aula. Puxava conversa sobre a matéria, falava dos professores, de trabalho, de coisas sérias. Ela me olhava como se estivesse conversando com seu médico (merda!) e eu toda derretida querendo atenção, mas não aquele tipo de atenção. De qualquer forma, ela também nunca disse com todas as letras “desencana, nunca vou beijar você.”, ficava sempre se esquivando, fugindo.
Parei. Tinha/tenho amor próprio.

E parei mesmo.
No começo foi difícil. Nas festas ficava longe, evitava até olhar para a roda em que ela sempre estava falando alto, gesticulando, gargalhando. Fui procurar minha turma. Nas aulas eu deixava que ela se sentasse perto, continuávamos discutindo as coisas sérias, mas tentava olhá-la como se estivesse conversando com a balconista do pet shop, totalmente impessoal. Fui me acostumando a isso e me desacostumando da presença dela.

Foi quando surgiu Cibele, uma caloura do curso de História. Bonita e cobiçada, inclusive por Giovana. Mas Cibele não quis Giovana, quis a mim. Ficamos juntas, estava gostando, talvez estivesse me apaixonando. Cibele era um amor, fazíamos programas incríveis juntas, nos divertíamos realmente. E sentia-me curada de Giovana.

Um dia, numa das festas em que sempre nos encontrávamos, eis a surpresa:
— Oi, Pati... tudo bem?
— Tudo, e com você? Desculpa, mas ainda não fiz aquele trabalho de cálculo...
— Imagina que vou discutir cálculo numa festa...
— E qual o outro motivo que te traria até mim?
— Teve uma época que você queria ficar comigo, lembra?
— Lembro... faz tempo...
— Então...
— Então o quê?
— Você está mesmo namorando sério a Cibele ou está só ficando?
— Ficando...
— Então...
— Então o quê?
E...
Bom, estamos juntas até hoje. Mais de cinco anos, e na mais pura fidelidade.
Com quem vocês acham que fiquei?

Mari Cortez.
30-9-2009.